Somente união poderá garantir conquistas de povos tradicionais, afirmam participantes de ato

Lideranças de povos tradicionais e deputados que participaram de ato em comemoração ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias nesta terça-feira (9), ressaltaram a necessidade de luta conjunta pela garantia dos direitos dessas populações e para evitar retrocessos.
09/08/2016 19h20

Como um dos principais instrumentos de luta, lideranças dos índios defenderam as retomadas, ocupações de terras tradicionalmente povoadas por suas etnias, mas que foram ocupadas por não índios em algum momento da história. O líder Guarani-Kaiowa Eliseu Lopes afirmou não ter mais esperança que suas terras serão demarcadas pelo poder público. “O governo não tem proposta, então, mesmo embaixo de bala, estamos ocupando nossos territórios, nossas terras tradicionais”.

Eliseu Lopes acrescentou que, no Mato Grosso, 10% do território já foi ocupado pela etnia Guarani-Kaiowa, que atualmente habita somente 0,2% do estado. “O que eles chamam de invasão, nós chamamos de retomada”, acrescentou.

A liderança indígena do Paraná Ivan Diniz Kaingang também defende que sem “as retomadas, é possível ver o que vai acontecer com os indígenas em futuro próximo”, ao referir-se aos ataques contra essas populações principalmente no Paraná e no Mato Grosso do Sul. Somente este ano, dois líderes já foram assassinados, um em cada estado. Segundo Ivan Kaingang, além dos ataques de milícias armadas, são comuns também despejos forçados das terras retomadas.

O líder Kaingang ressaltou que o Paraná tem quase 20 milhões de hectares. Desses quase 6 milhões seriam ocupados pelo agronegócio, contra apenas 0,04% do destinados a indígenas. “Nossa população era de 31 mil indivíduos em 2010, hoje deve ser muito mais, então a questão territorial é fundamental para nossa sobrevivência”.

Retrocessos

Os presentes ao ato também defenderam coordenação para barrar medidas como a Proposta de Emenda à Constituição 215/00, e a aprovação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do chamando marco temporal. A PEC transfere do Executivo para o Legislativo a competência para demarcar terras indígenas. Já o marco temporal pretende estabelecer que somente podem ser considerados territórios de índios aqueles ocupados por eles à época de promulgação da Constituição de 1988.

De acordo com a representante da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal Eliana Peres Torelly de Carvalho, o marco temporal não pode properar. “Os direitos dos povos indígenas são pré-existentes, porque eles já habitavam esse continente muito antes do colonizador, e, desde a Constituição de 1934, seus direitos estão garantidos”, sustenta. Diante disso, acrescenta que a Carta de 1988 apenas reconhece esses direitos, não concede novos.

Para o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber César Buzatto, além de inviabilizar a demarcação de novos territórios, o marco temporal “legitima todo o expurgo de terras indígenas já ocorrido”.

Luta comum

Representante da Articulação Nacional de Quilombos (ANQ), Maria de Fátima Batista Barros declarou que os quilombolas “estão em guerra” por suas terras, mas também “por todos os jovens e indígenas que tombaram”. E acrescenta: “querem calar nossa boca, mas lutamos pelos nossos territórios, porque criamos riqueza e só recebemos cadeia e morte”.

A vice-presidente do Conselho Nacional de Populações Extrativistas, Edel Morais, sustenta que a luta dos povos indígenas é também do seu povo. “Somos formados, de indígenas e negros, e a PEC 215 ameaça também os povos extrativistas”.

Diante desses desafios comuns, o presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas na Câmara, Ságuas Moraes, corrobora a ideia de que movimentos ligados aos vários segmentos – quilombolas, pescadores povos indígenas – se organizem cada vez mais coletivamente.

Segundo sustenta, essa coesão é necessária porque “de dois anos para cá, desde que Eduardo Cunha chegou à presidência da Casa, houve uma regressão civilizatória no país”. Com isso, o que foi garantido na Constituição encontra-se ameaçado a cada momento, conforme diz. Como exemplos das ameaças cita a PEC 215 e a CPI da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), “criados para criminalizar os povos indígenas e suas lideranças”.

A liderança Nailton Pataxó concorda. “A gente tem de se juntar, indígenas, quilombolas, extrativistas, porque juntos somos maioria, juntos a pobreza é maior que essa nobreza corrupta do nosso país”, diz.

Também para a coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Sônia Guajajara, essa junção de forças é fundamental no momento, porque “há um acordo claro entre Executivo e Legislativo” para aprovar a PEC 215. “Sabemos que se vier para o plenário, seremos esmagados, não tem outro caminho que não a luta conjunta”, proclama.

Para presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Padre João (PT-MG), que sugeriu a realização do ato, é fundamental a ação solidária de extrativistas, pescadores e quilombolas não apenas nesse Dia Internacional dos Povos Indígenas. “O governo está votando na divisão de vocês, é a união que vai fazer valer a lei, a justiça, e garantir que não haja nem um direito a menos”.