Seminários discutem momento decisivo da MP que pode privatizar água e saneamento básico
Os encontros foram promovidos pelas Comissões de Direitos Humanos e Minorias, de Desenvolvimento Urbano, de Integração Nacional, de Desenvolvimento e da Amazônia e a de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados.
Na segunda-feira, trabalhadores, juristas e representantes da sociedade civil se reuniram nas Assembleias Legislativas de Santa Catarina, Bahia e Amazonas. No Rio de Janeiro, o debate foi no Clube dos Engenheiros. Hoje, foi a vez de Brasília, no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados.
“A oferta de água potável de qualidade e o esgotamento sanitário afetam diretamente a melhoria dos indicadores de saúde da população, sobretudo dos mais pobres. O Estado não pode se eximir desta responsabilidade sob pena de prejuízos imensos para a saúde pública de forma geral”, afirma o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES), um dos requerentes para realização dos debates. Também pediram a discussão do tema Joseildo Ramos (PT/BA), Leonardo Monteiro (PT/MG), Frei Anastácio (PT/PB) e José Ricardo (PT/AM).
Serviço público x mercado
A MP 868 é questionada por trabalhadores da área de abastecimento e saneamento básico. Eles alertam que a iniciativa encaminharia para a privatização do setor. Francisco dos Santos Lopes, da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae), informa que foi feita uma proposta técnica para ajustar a nova Medida Provisória. “Ela tem mais de quarenta sugestões e foi apresentada para o senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), que é o relator, e apenas uma das sugestões foi aceita”. Ele acrescenta que os serviços municipais e estaduais atendem hoje 95% dos serviços de água e saneamento. “A Associação não aceita a nova proposta do governo sem que seja feito um amplo debate que vise a universalização dos serviços”. O relatório já foi aprovado e transformado em projeto de lei de conversão da MP, e pode ir à votação no plenário ainda nesta terça-feira (21).
“Essa Medida Provisória é um retrato dos desmontes que vêm sendo feitos na nossa Constituição, ela não avança, não aponta para melhorias e tem o viés notório de um acordo de mercado que vai criar, cada vez mais, bolsões de excluídos”, ressalta Sérgio Antonio Gonçalves, da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes).
Ubirantan Pereira, da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), aponta dados positivos dos serviços destas empresas nos últimos anos. “No Nordeste, as empresas estaduais avançaram de 64 para 98% o serviço de esgoto. No Sul, em 2017, o saneamento básico foi 25,7 para 69% da população. É mentira a mensagem que as empresas estaduais não estão fazendo o papel delas”, contesta Pereira. O urbanitário ressalta que a privatização coloca em risco os empregos dos trabalhadores do setor.
Para Washington Fraga, da Central Sindical e Popular (Conlutas), a privatização do saneamento básico fere a soberania nacional, na medida que passaria para empresas multinacionais a exploração de “algo sagrado, como a água”. Fraga também lembra que a MP “destrói os anos de construção da lei brasileira de saneamento, o subsídio cruzado, a autonomia dos munícipios e as características regionais”.
Atualmente, a lei de diretrizes do saneamento básico, Lei 11.445 de 2017, permite que municípios façam contratos de programas diretamente com empresas públicas prestadoras desse serviço, tanto para o fornecimento de água tratada ou coleta e tratamento de esgoto. Pedro Blóis, presidente Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), afirma que, na medida em que o governo federal não libera recursos para as empresas estatais melhorarem os serviços, acontece a precarização dos serviços. “É uma ação orquestrada para privatizar e favorecer as empresas privadas com recursos públicos, como do BNDES”. Ele diz também que hoje cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao saneamento básico. “As empresas privadas vão resolver ou vão aumentar esse número”, questiona. Paulão (PT/SE) lembra que o aquífero Guarani possui aproximadamente 20% da água doce no mundo todo e denuncia o interesse de grandes empresas na exploração da região. “Sabemos que a Coca-Cola e a Nestlé querem explorar o aquífero e esse interesse tem influenciado decisões políticas em relação à MP 868”.
José Ricardo (PT/AM) cita o exemplo da privatização do fornecimento de água e esgoto feito em Manaus, há 19 anos. A concessão vale por 30 anos. “A tarifa aumentou, na capital falta água para cerca de 600 mil pessoas e o esgoto não chega a 10% das moradias. No interior nenhum município foi atendido”.
Ataque aos direitos humanos
Marcos Montenegro, do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), considera que água e tratamento sanitário não podem ser tratados como mercadoria. “Isso é um ataque aos direitos humanos, é uma medida nefasta, deve ser rejeitada e temos que buscar instrumentos para que os serviços prestados por empresas públicas tenham qualidade e preço acessível para todos”.
Afonso Florence (PT/BA), sugere que seja formada uma comissão com todas as entidades do setor para a elaboração de uma proposta de acordo. “Isso não aconteceu no ano passado e seria muito importante agora, a união de todos”.
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De acordo com uma pesquisa realizada em 2017 pelo Instituto Mais Democracia, 58% das empresas privadas que atuam em saneamento básico são ligadas a cinco instituições financeiras internacionais, e essas empresas atendem 88% dos municípios.
Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que água e saneamento básico são direitos humanos. Dessa forma, a água seria um bem de todos e não poderia ter dono. No mundo todo, já foram registrados mais de 267 casos de reestatização dos serviços de esgoto e água. Os motivos foram a falta de transparência, a precariedade, o aumento dos preços e a insatisfação usuários. O Brasil ocupa o segundo lugar neste ranking, onde 77 municípios do Tocantins e o Itu em São Paulo voltaram a ter serviços públicos para o setor. Em primeiro lugar está a França.
Também participaram do seminário Antônia Melo da Silva, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Dalila Alves Calisto, do Movimento dos Atingidos de Barragens (MAB) e Jose Pereira Barreto do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo.
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Pedro Calvi / CDHM