Relação entre direitos humanos e empresas carece de regulação, dizem participantes de audiência

As ações do Brasil para garantir o respeito aos direitos humanos pela iniciativa privada ainda são “incipientes”, segundo afirmou a representante da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça Luciana Peres, em audiência pública nesta quinta-feira (7), na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. De acordo com Peres, o debate entre Estado, empresas e sociedade civil “não foi feito de forma inclusiva e transparente, principalmente se comparado ao debate internacional”.
07/07/2016 14h05

Mesmo no âmbito externo, não há nenhum mecanismo que obrigue as empresas a respeitarem e promoverem os direitos fundamentais. A Organização das Nações Unidas (ONU) editou apenas princípios orientadores e deixou a cargo de cada país criar seus planos nacionais sobre o tema.

Atualmente, segundo Luciana Peres, a Secretaria de Direitos Humanos coordena a elaboração do plano brasileiro. Mas , para ela, o trabalho deve incluir outros órgãos de governo com maior interação com a inciativa privada, como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Perez defende que o processo de criação de um plano nacional, para ser legítimo, deve contar com a participação de todos os envolvidos, principalmente das vítimas de possíveis violações.

Estruturas

Na opinião do ex-secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça Gabriel Sampaio, do ponto de vista legislativo, o Brasil “teve grandes avanços” nos últimos anos. No entanto, ressalta que, sem as estruturas para garantir o cumprimento das leis, esse processo pode "cair no vazio". “Um Estado carente de estruturas para fiscalizar as ações da iniciativa privada é um Estado violador de direitos”, sustentou.

Sampaio acrescenta que, no atual estágio dos direitos humanos, não basta que o poder público fiscalize as empresas e imponha reparação. “É necessário que a iniciativa privada disponha de estruturas próprias para garantir esses direitos e atue nesse sentido”, afirmou.

“Tratamento universal”

Para o presidente da CDHM, deputado Padre João (PT-MG), o tratamento do tema deve ser “universal”, daí a importância da participação do Brasil em organismos internacionais. Isso porque, conforme ressaltou, com a internacionalização do capital, as empresas têm sede em países desenvolvidos, mas atuam no mundo todo. E, ao mesmo tempo em que cumprem a lei em seus locais de origem, muitas vezes violam direitos fundamentais em outras regiões, com a América Latina e a África, por exemplo.

Como exemplos, citou o caso da Nestlé, empresa suíça que compra café brasileiro produzido com mão de obra análoga à de escravo, ou de produtoras de agrotóxicos, que vendem no Brasil venenos proibidos nos países desenvolvidos. Além disso, Padre João disse que quase sempre a iniciativa privada faz “pressão sobre parlamentos e governos muito mais na linha de precarizar a legislação do que de avançar”.

Indígenas

Líderes indígenas deram exemplos da fragilidade das estruturas brasileiras para garantir o respeito aos direitos humanos. A cacique Kátia Tupinamba ressaltou que o Estado começa por violar um direito básico dessas populações – o direito à terra, previsto na Constituição. “Índio sem terra não vive, ele peregrina”, sustentou.

Já o cacique Val Tupinamba destacou que, no sul da Bahia, os índios que já estão assentados “vivem imprensados entre a mineração e as rodovias”. O líder indígena também reclamou dos empresários do agronegócio, que enxergam os povos tradicionais como “barreira ao desenvolvimento do país”.

Esse conflito entre direitos, aliás, é um dos aspectos que tornam a discussão ainda mais complexa, conforme a representante da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Luciana Peres. “Precisamos equalizar o direito ao desenvolvimento, ao lucro, ao ambiente saudável e às condições adequadas de vida das populações”, ressaltou.

Empresas

Do ponto de vista das empresas, o mais importante, segundo o advogado Gilmar Brunizio, é a segurança jurídica. Na concepção do jurista, cabe ao Estado nesse debate garantir regras claras e critérios objetivos que sejam cumpridos. “A simples imposição de normas que elevem custos não funciona, porque podem gerar transferência de custos para a sociedade, aí o Estado irá atuar apenas na reparação”, assegurou.

Já a deputada Érika Kokay (PT-DF) acredita que no licenciamento de grandes obras, por exemplo, deveria haver uma legislação própria. Nesse caso, o Estado deveria exigir não apenas o licenciamento ambiental, mas também o licenciamento social. “Esses empreendimentos têm de ter compromisso integral com os direitos humanos, às vezes duplicam a população dos municípios, acarretando problemas como aumento dos casos de estupros e da gravidez precoce”, exemplificou.