Redução da violência envolve mídia, polícia, dinâmica política e judicial

Palestrantes apontam fatores que contribuem para a ampliação da violência no país, no Seminário “Caminhos da Paz”, promovido nesta quarta-feira (4), pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Na opinião deles, a deflagração de um processo de redução da violência deve incluir a autocrítica da mídia em conteúdos criminais veiculados em programas jornalísticos e de ficção, mudanças na forma de atuação da polícia e também na dinâmica política e judicial. Uma série de encaminhamentos pela CDHM estão previstos a partir dessas reflexões.
04/06/2014 23h20

Patricia Soransso

Redução da violência envolve mídia, polícia, dinâmica política e judicial

O presidente da CDHM, deputado Assis do Couto, liderou os debates no Seminário "Caminhos da Paz"

Melhorias no padrão de vida do brasileiro conquistadas ao longo da última década não contribuíram para tornar o brasileiro um "homem cordial". A visão acadêmica de que a melhoria das condições socioeconômicas do país reduziria os conflitos sociais não se estabeleceu e, por razões várias e complexas, o brasileiro ficou mais violento.

O país ostenta hoje marcas vergonhosas, superando 50 mil homicídios cometidos no ano de 2012, a última estatística consolidada no Anuário Fórum Estatísitico de Segurança Pública. Na região Nordeste, o número de assassinatos duplicou em dez anos.

A análise acima defendida pelo presidente da Comissão, Assis do Couto, e ratificada pelo subprocurador-geral da República, Aurélio Rios, e os números, foram apresentados no Seminário "Caminhos da Paz", promovido nesta quarta-feira (4), pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Rios, como os demais palestrantes, buscou refletir e apontar fatores que contribuem para a ampliação da violência no país.

Na opinião dos expositores, a deflagração de um processo de redução da violência deve incluir a autocrítica da mídia nos conteúdos criminais veiculados em programas jornalísticos e de ficção, mudanças na forma de atuação da polícia e também na dinâmica política e judicial.

As análises apresentadas no Seminário motivaram a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara a promover alguns encaminhamentos. Entre eles: oficializar as entidades associativas dos meios de comunicação solicitando iniciativas no sentido de promover nos variados veículos a cultura da paz e de direitos humanos; sugerir às Academias de Polícia mudanças em seus currículos formativos, integrando matérias que valorizem a Inteligência, a prevenção e a redução da letalidade; e apoiar a criação de conselhos populares de segurança pública e outras formas de participação popular nessa área.           

A violência policial

Um dos fatores apontados no Seminário é a dissociação entre sociedade e polícia. De acordo com números de uma pesquisa citada pela ONG "Fórum Brasileiro de Segurança Pública", 70% dos brasileiros não confiam na atuação da polícia. A desconfiança está relacionada à violência policial e do sistema carcerário. A "espiral de violência" se amplia com mais doses de violência aplicada. "Da mesma forma como as pessoas são tratadas de forma violenta, a sociedade agora responde com a mesma intensidade de violência", destacou o subprocurador Rios. "Conseguimos implantar a disciplina de direitos humanos na formação dos policiais, mas não conseguimos mudar a cultura de violência na polícia", afirmou.

 

O jornalismo e o espetáculo

A mídia foi analisada sob duas perspectivas: o dos resultados positivos e dos negativos para o cidadão. Os aspectos negativos dominaram as análises, principalmente no que se refere ao papel que a mídia desempenha na questão da violência veiculada.

As críticas se devem, em parte, pela concentração de jornalistas, pesquisadores e professores de comunicação no evento. Mas não foram apenas os comunicadores que apontaram problemas na mídia.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, João Roberto Costa, por exemplo, afirmou que a intensidade com que são apresentadas as notícias criminais pelos meios de comunicação de massa difere bastante do que se verifica no cotidiano. Isso amplia a sensação de fragilidade e vulnerabilidade no cidadão que acompanha as notícias.   

O juiz afirmou ainda que um comentário mal formulado por um apresentador pode destruir uma política pública construída ao longo do tempo e que envolveu o trabalho de vários profissionais. Ele citou especificamente o trabalho realizado com usuários de droga na região conhecida como "Cracolândia", na cidade de São Paulo.

O juiz João Roberto afirmou que a mídia deve promover uma autocrítica.

Essa autocrítica não existe em larga parcela da mídia, afirmou o professor aposentado da Universidade de Brasília, Venício Lima, que nomeia esse comportamento como "alteridade cínica". "A mídia trata a questão como se nada tivesse a ver, como se fosse observadora que apenas relata os fatos." Outra atitude acrítica da mídia, de acordo com o estudioso, está em tratar pessoas com presunção de culpa e não pelo princípio constitucional de inocência, até trânsito final da sentença.

Venício criticou ainda a conduta de humilhação e estímulo à violência praticada por alguns apresentadores nos meios de comunicação.  O professor sugeriu que seja ampliada a participação da sociedade nas políticas públicas voltadas para esse setor.

O jornalista Paulo Moreira Leite lembrou que grande parte da mídia atua no sentido do espetáculo da notícia. Moreira Leite fez um paralelo com a história da humanidade – "quando se fechava os olhos para a tortura e os direitos humanos ainda não eram uma convenção praticada pela sociedade, enforcamentos, fogueiras e linchamentos eram vistos como espetáculos naturais pelos cidadãos."

Moreira Leite criticou posturas adotadas pela mídia: quando se afirma  "que nada funciona" ou quando o programa apresenta pessoas de forma a desumanizá-las.  

O jornalista afirmou que seria de grande valia à sociedade, a realização de um trabalho de educação para os direitos humanos "Valores que não estão dentro das pessoas precisam ser defendidos, para que (essas pessoas) considerem importantes".

Outro jornalista, Bruno Paes Manso, estudioso do Núcleo de Violência da Universidade de São Paulo, considerou que parte da mídia reproduz "o senso comum" da sociedade. Mas lembrou que o jornalismo, quando se debruça de forma séria sobre a questão da segurança pública, é capaz de denunciar arbitrariedades da Justiça, da polícia e do sistema carcerário.

O deputado Marco Feliciano (PSC/SP) comentou que "algumas mídias doutrinam o povo, e a sociedade vê na mídia seu professor". O parlamentar, que considerou "de alto nível" o Seminário, afirmou ainda que "há destruição na sociedade de tudo o que já foi construído (pelo ser humano)."   

A deputada Manuela D'Ávila (PCdoB/RS) lembrou que também na ficção há exageros de violência da mídia. Ela questionou o fato de que apenas o sexo recebe classificação indicativa do Ministério da Justiça, enquanto programas que veiculam violência são veiculados livremente. Ela se mostrou preocupada, especialmente, com o efeito dessa liberdade sobre as crianças. "O comportamento agressivo não é considera natural das crianças". A deputada pediu ao Ministério da Justiça que analise a questão.

Também a deputada Luiza Erundina (PSB/SP)criticou a reprodução da violência que é praticada na mídia. Ela lembrou que Rádios e TVs são concessões públicas e, portanto, deveriam veicular mais programas com conteúdo que reflita os direitos humanos.

O acolhimento do povo

"Estou convencido de que não é o Estado sozinho que vai dar solução à crise de violência no país", afirmou o educador social Everardo Lopes, coordenador do Movimento "Amigos da Paz", que realiza há dez anos um trabalho de mediação de conflitos em Ceilândia, cidade satélite do Distrito Federal, "É preciso investir na cidadania, reconhecer um novo paradigma, uma sociedade que quer surgir e que necessita de diálogo e respeito", concluiu.

Uma reflexão nessa mesma linha, da cidadania, foi feita pelo representante do Ministério da Justiça, Patrick Gomes. "Quanto mais o cidadão não se sente representado, mais se amplia a solução pela violência", como nos linchamentos públicos. "É preciso estimular a participação cidadã, por meio de conselhos populares", afirmou.

Nesse sentido, a CDHM, por meio de seu presidente, deputado Assis do Couto, anunciou a criação de um Programa de Educação em Direitos Humanos e Promoção da Cultura de Paz. É um conjunto de ações educativas, veiculadas por meio da página da Comissão na Internet, por meio das mídias sociais e também por publicações impressas. O objetivo é o de dialogar com a população sobre temas do cotidiano da sociedade. Entre as ações educativas previstas, está  a oferta de textos resultantes de tratados políticos que ajudem na educação sobre direitos humanos .

O subprocurador Aurélio Rios lembrou que o Poder Judiciário também deve contribuir para a redução da violência. "As pessoas não se sentem acolhidas pela Justiça", disse. Para ele, existe uma consciência na sociedade de que a Justiça age seletivamente, punindo com mais rapidez o cidadão de menor renda e destituído de recursos.