Prisão domiciliar para grupos de risco e visitas virtuais; CDHM debate propostas para o sistema prisional do DF na pandemia

De acordo com dados da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) e da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, até a última sexta-feira (22), chegou a 872 o número total de casos do novo coronavírus entre detentos e policiais penais do sistema prisional do Distrito Federal. Os infectados são 218 policiais penais e 654 detentos. Também até sexta, um policial e um preso haviam morrido por conta da Covid-19 na capital. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 5 de maio, apontava que o DF concentra 70% dos casos de Covid-19 em presídios no Brasil. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, já foram feitos 3.988 testes nos presídios do DF, o que corresponde a 87,5% de todos os testes realizados no país.
26/05/2020 14h00

Fernado Bola/CDHM

Prisão domiciliar para grupos de risco e visitas virtuais; CDHM debate propostas para o sistema prisional do DF na pandemia

Para discutir essa situação e denúncias recebidas, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) promoveu, nesta segunda-feira (25), um encontro entre representantes do Governo do Distrito Federal, da sociedade civil, judiciário e parlamentares. O convite foi feito pelo deputado Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM.

 

Erika Kokay (PT/DF), que pediu a realização da reunião, levanta uma série de pontos como a falta de banho de sol diário, contato quinzenal telefônico com a família ou em intervalos de 21 dias, a falta de outras formas de visita, a ausência de proteção para os agentes penitenciários como máscaras e álcool gel, a regulamentação da profissão de policial penal, testagens para todos e manutenção das gratificações durante afastamentos do trabalho por causa da Covid-19. “São pessoas isoladas e aglomeradas, uma profusão de infectados e todas as vidas importam, de quem trabalha, de quem está sob responsabilidades do Estado”, diz a parlamentar.

 

O Juiz Márcio Evangelista, representante do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) na reunião, informa que foi criada uma comissão interdisciplinar que se reúne todas as semanas para acompanhar a situação da Covid-19 nos presídios. A comissão é formada por um juiz assistente do TJDFT, um juiz assistente da Corregedoria do TJDFT, a juíza titular da Vara de Execução Penal do Distrito Federal; por representantes do MPDFT; Defensoria Pública do Distrito Federal; Ordem dos Advogados do Brasil; e pela SESIPE e PCDF. Ele ressalta a diminuição, entre 40 e 70% na redução de entradas de novos presos através das audiências de custódia, além de outras iniciativas. “Já tivemos 66 decisões para concessão de prisão humanitária domiciliar, 182 progressões do semiaberto para o aberto, e 903 pessoas do regime aberto com estão com tornozeleiras eletrônicas.”

Werner Rech, defensor público do Núcleo de Execuções Penais da Defensoria Pública do Distrito Federal, afirma que existem 1.300 presos que se enquadram nos critérios para grupo de risco, como doenças pré existentes e faixa etária. “A prisão humanitária domiciliar já teve liminar deferida pelo STJ para outros estados, e queremos que seja estendida para o Distrito Federal”.

 

 

Para o defensor público e coordenador do Núcleo de Fiscalização do Sistema Prisional da Defensoria Pública do Distrito Federal, Reinaldo Alves, “é impossível gerenciar o sistema prisional do jeito que está, com superlotação e falta de servidores. O sistema já tinha esses problemas e com a pandemia piorou”. Ele informa que a Defensoria tem feito cerca de 180 atendimentos telefônicos por dia a famílias de presidiários. Para Alves, a prioridade é implantar o projeto das visitas virtuais através de tablets. O maior problema é a falta de internet no Presídio da Papuda. O defensor também alerta que foram suspensas as bolsas pagas pela Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) aos detentos do semiaberto que trabalham externamente. Como o benefício foi suspenso, eles foram considerados desempregados.

 

Deuselita Martins, diretora-executiva da Funap, esclarece que os pagamentos estão suspensos porque os órgãos contratados estão com limitação orçamentária e que a situação já foi encaminhada ao governador do DF, Ibaneis Rocha. “Já houve parecer favorável para a manutenção do contrato e pagamento da bolsa, desde que haja compensação pelo tempo em que não trabalharam”.

 

“Além dos números, o que preocupa é que recebemos inúmeras denúncias de deficiência nas medidas de contenção ao Covid-19 no sistema penitenciário, e relatos de famílias desesperadas que não têm informações sobre seus internos. Nós reconhecemos que a gestão do sistema penitenciário em qualquer lugar do Brasil é difícil, ainda mais na pandemia. Mas os problemas estão aí e por isso precisamos dialogar”, pondera Helder Salomão, presidente da CDHM.

 

Tapar o sol com a peneira

 

 

“O encarceramento em presídios superlotados, em plena pandemia, é o atestado de atuação criminal do Estados brasileiros. Não adianta querer tapar o sol com a peneira”, denuncia Samuel Borges, da Frente Pelo Desencarceramento. Ele considera ainda que “o sistema de comunicação com familiares é extremamente precário, temos que colocar em prisão domiciliar imediatamente quem é dos grupos de risco e é contraditório suspender a visitação, mas o agente de segurança traz o vírus da rua”.

 

Em 2019 a CDHM lançou a Agenda de Segurança Pública e Direitos Humanos, que elenca propostas legislativas sobre a reforma do sistema penitenciário e desencarceramento.

 

O deputado distrital Fábio Felix (Psol/DF), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa, afirma que já recebeu cerca de 300 denúncias relativas ao sistema prisional. “Existe um momento de muita agonia entre os familiares, já fizeram atos públicos pedindo informações sobre a situação dentro dos presídios. Temos dezenas de relatos de famílias de detentos contaminados e que não foram avisadas. A situação no sistema prisional no DF pode virar um caos, e sugiro uma força-tarefa para superar os problemas”.

 

 

Leonardo Santana, da Rede Justiça Criminal, chama a atenção para o não cumprimento da Recomendação 62, do CNJ, emitida no contexto da pandemia. “Precisamos de maior vontade política, para que pessoas que cumprem pena em semiaberto ou aberto possam ficar em prisão domiciliar, elas já passaram por uma análise criteriosa por parte da justiça. Manter pessoas presas nessas condições é uma sentença de morte”.

 

A Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elaborada no contexto da pandemia, sugere aos magistrados a concessão de saída antecipada dos regimes aberto e semiaberto, às mães e mulheres responsáveis por crianças de até 12 anos, pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções. A Resolução recomenda progressão de regime para pessoas que não tenham cometido crimes praticados com violência ou grave ameaça à pessoa estão excluídos.

 

Ribamar Araújo, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, alerta que “a incomunicabilidade gera violência e fatores estressores podem resultar em rebelião, além da falta de prevenção, restrições alimentares e falta de transparência”. Ele ressalta ainda que o GDF comprou 6 mil tornozeleiras eletrônicas e pouco mais de 900 são usadas.

 

Sesipe

 

Adval Cardoso de Matos, subsecretário do Sistema Penitenciário do Distrito Federal, afirma que todo o trabalho feito pela instituição é acompanhado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Secretaria de Saúde e pela Vara de Execuções Penais. “A suspensão das visitas sei que é triste, mas se não tivéssemos feito isso o número de contaminados seria muito maior. Temos uma dificuldade enorme para operar o contato telefônico, vamos tentar implantar a visita virtual através de tablets doados pelo Depen, mas a tecnologia é deficitária dentro de um presídio. Estamos tentando um sistema por interfone com contato visual também”. Ele acrescenta que, seguindo determinação da justiça, sacolas com alimentos e quantias de dinheiro estão sendo entregues e todo material é desinfectado, o que é feito também nos pátios usados para o banho de sol. Matos discorda da ideia de desencarceramento: "Não é justo que a população pague pela inoperância do Estado. O indivíduo que comete furtos, por exemplo, faz isso sem parar até ser preso. Tem que soltar com responsabilidade”.

 

 

A gerente de Saúde Prisional do Distrito Federal, Simone Souza, explica que “temos trabalhado na esperança de não entrar no caos fazendo ações de prevenção com poucos recursos. Mesmo assim temos feitos os testes rápidos em todos os detentos e, se der positivo, confirmamos com o teste padrão ouro, mas nestes casos precisamos de uma logística laboratorial junto ao Lacen (Laboratório Central), que atende todo DF e entorno”.

 

 

Mário Lacerda Guerreiro, do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, lembra que a situação no Distrito Federal é um exemplo. “Justamente porque fez muitos testes e os números, infelizmente altos, são verdadeiros. Se medidas assim fossem adotadas em outros estados os números seriam alarmantes, mas são todos subnotificados. O DF fez o diagnóstico correto do que acontece dentro dos presídios”.

 

Também participaram do encontro; Jorge Manzur, do Núcleo de Controle do Sistema Prisional do MPDFT, e Cláudia Tomelin, promotora de justiça do Núcleo de Fiscalização do Sistema Prisional do MPDF.

 

A reunião foi acompanhada, ao vivo, por familiares dos detentos. Veja aqui como foi a transmissão pelo Facebook da CDHM.

 

Pedro Calvi / CDHM