Presidente e Vices da CDHM pedem ao MP providências sobre possíveis crimes contra crianças e adolescentes cometidos por Jair Bolsonaro
Na última sexta-feira (16), o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES) e os vices Padre João (PT/MG), Túlio Gadêlha (PDT/PE) e Camilo Capiberibe (PSB/AP), encaminharam pedido de providências para o procurador-geral da República, Antônio Aras, e ao procurador-federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Vilhena. Os ofícios detalham o comportamento do presidente da República e apontam possíveis violações dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
A denúncia foi formulada à CDHM pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná ao lado de oito entidades da sociedade civil, da Associação dos Educadores Sociais de Maringá (Aesmar); da União Brasileira de Mulheres; do Programa Multidisciplinar de Estudo, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente; da Associação Maria do Ingá; Instituto Arquitetos do Brasil / Maringá; do BR Cidades – Núcleo Maringá; e da Cáritas e Fórum Maringuense de Mulheres.
Histórico
Em 2018, em Goiânia, quando ainda era candidato à Presidência, Bolsonaro segurou no colo uma menina de aproximadamente 3 anos e posicionou a mão da menina em L, simulando uma arma. No mesmo ano, segurou no colo um menino de aproximadamente 4 anos vestido com uniforme da Polícia Militar, e perguntou à criança: “Você sabe atirar? Atira!”, enquanto tentava fazer com que apontasse o dedo imitando uma arma em direção ao público. Neste mesmo dia, Bolsonaro afirmou que “Encorajo, sim [o uso arma de fogo para crianças]. Não podemos mais ter uma geração de covardes, de ovelhas, morrendo nas mãos de bandidos sem reagir. A realidade é muito diferente da teoria que está aí (...) o ECA tem que ser rasgado e jogado na latrina. É um estímulo à vagabundagem e à malandragem infantil”
Em 2019, já eleito, o presidente da República disse que não apresentaria projeto para descriminalizar o trabalho infantil porque seria massacrado. No dia seguinte, afirmou “que o trabalho enobrece todo mundo e se aprende a dar valor ao dinheiro desde cedo quando se trabalha”.
Em setembro do mesmo ano, Bolsonaro destituiu todos os membros do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), passou para o Executivo a escolha do presidente e fez várias alterações estruturais que enfraquecem a participação da sociedade civil no órgão. Meses depois, em dezembro de 2019, o Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, cautelarmente, diversos dispositivos do Decreto, ressaltando sua ilegalidade e inconstitucionalidade. A ação segue pendente de julgamento definitivo pelo Plenário da Corte.
No início deste ano, Jair Bolsonaro voltou a defender o trabalho infantil, em evento transmitido ao vivo: “Bons tempos, né, onde o menor podia trabalhar. Hoje ele pode fazer tudo, menos trabalhar, inclusive cheirar um paralelepípedo de crack, sem problema nenhum”.
No dia 7 de setembro de 2020, em plena pandemia do coronavírus, o presidente da República desfilou sem máscara em um carro, com pelo menos 8 crianças, das quais apenas duas usavam a proteção. Ainda durante a cerimônia pela Independência, Bolsonaro chegou a ficar cercado por 12 crianças, expondo o grupo ao contágio por Covid-19 e ameaçando a integridade física delas e de seus familiares.
Nó dia 10 de setembro, Bolsonaro transmitiu uma live, sentado ao lado de criança de 10 anos, Esther Castilho, que se autointitula repórter e apresentadora. Durante a transmissão, o Presidente da República questionou a atuação do Ministério Público do Trabalho em caso de apologia ao trabalho infantil; criticou a aprovação pelo Congresso do aumento da pena para maus tratos a cachorros e gatos; abordou o termo misoginia, sugerindo que seria sinônimo de homossexualidade; questionou a menina sobre vacinação, perguntando-lhe se tomaria vacina sem comprovação científica; fez piada com a obesidade; criticou o isolamento social como método de prevenção à pandemia, dentre outros temas. Todas os pontos tiveram abordagens equivocadas, discriminatórias ou preconceituosas.
Trabalho infantil
Em nota, o Ministério Público do Trabalho ressaltou que o trabalho nas ruas é reconhecido oficialmente como uma das Piores Formas de Trabalho Infantil. No Brasil, cerca de um milhão de crianças e adolescentes são vítimas de trabalho infantil, segundo os últimos dados do IBGE, publicados em 2016.
O documento enviado para a PGR e PFDC lembra que a Constituição determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
O presidente e vices da CDHM ressaltam, ainda, que no âmbito internacional, o Brasil comprometeu-se, em 2000 e em caráter de urgência, a eliminar as piores formas de trabalho infantil, através da Convenção nº 182/OIT, ratificada por todos os países-membros. E o Decreto 6.481/2008 regulamentou o tema, trazendo a denominada Lista TIP (lista das piores formas de trabalho infantil).
Além disso, há o compromisso de eliminar, até 2025, as piores formas de trabalho infantil, que boi firmado pelo Brasil na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Portanto, é inadmissível que discursos e ações que incentivam violações aos direitos das crianças e adolescentes fiquem ignorados ou permaneçam incólumes. O texto constitucional define como crime de responsabilidade atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal, o livre exercício do Ministério Público e o exercício dos direitos individuais e sociais”, ressalta o presidente da CDHM, Helder Salomão.
Os parlamentares lembram que as condutas elencadas nos ofícios e a análise feita por especialistas em uma reportagem do site de notícias UOL, mostram o possível cometimento de quatro crimes contra crianças e adolescentes: de responsabilidade, incitação ao crime (defender trabalho infantil), maus tratos no desfile de 7 de setembro [quando apareceu sem máscara ao lado de 10 crianças em um conversível ] e submeter criança a vexame e constrangimento, como nas situações em que ensinou crianças a fazer “arminha” com a mão e durante a live com a menina Esther.
Pedro Calvi / CDHM