Presidente da CDHM pede ao Advogado Geral da União revogação da Portaria 303
Na última quinta (02/06) o presidente da CDHM, Deputado Paulo Pimenta, reuniu-se com o Advogado-Geral da União, Ministro Luís Inácio Adams. Pimenta pediu a revogação da Portaria n° 303, de 16 de julho de 2012. Leia a manifestação do deputado.
“A Sua Excelência o Senhor
LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS
Advogado-Geral da União
Este colegiado parlamentar, no exercício de suas atribuições regimentais de receber e investigar violações de direitos humanos, realizou duas diligências a terras indígenas no Mato Grosso do Sul, entre os dias 31 de maio e 2 de junho e 25 e 27 de junho. Considerando as constatações das visitas e os inúmeros relatos de lideranças indígenas sobre a situação desses povos em outras regiões do país, tem-se um quadro preocupante de graves violações de direitos humanos que incluem estupros, envenenamento, desaparecimentos e assassinatos.
A causa principal desse quadro de violações são os conflitos fundiários – que envolvem muitas vezes fazendeiros armados – e a falta de garantias territoriais aos povos indígenas. Algumas de suas terras tradicionais tiveram seu processo de demarcação iniciado, tendo sido delimitadas; outras já estão declaradas, homologadas ou mesmo regularizadas. Alguns processos de demarcação encontram-se paralisados em razão de decisões judiciais, que tem retroagido mesmo em caso de áreas regularizadas.
Esse cenário de insegurança territorial indígena tem sido severamente agravado pela Portaria n° 303, de 16 de julho de 2012, dessa Advocacia-geral da União, assinada por Vossa Excelência. Como é de seu conhecimento, o ato normativo determina que devem ser seguidas pelos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal as condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Pet. 3.388 – caso raposa Serra do Sol. As condicionantes violam a Constituição e o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
A Constituição é expressa em assegurar aos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, que se destinam a sua posse permanente. A condicionante que veda a ampliação de terra indígena já demarcada contraria diametralmente a Constituição, que não só não coloca qualquer limite temporal às demarcações, mas também determina que as terras tradicionais sejam demarcadas. Essa condicionante provoca um quadro de instabilidade a diversas áreas já consolidadas, agravando os conflitos territoriais.
Ao direito de usufruto exclusivo dos indígenas sobre suas terras a Constituição prevê apenas duas as exceções: o aproveitamento dos recursos hídricos e a lavra das riquezas minerais. Em ambos os casos, empreendimentos só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas. Dessa forma, violam a Constituição as condicionantes que preveem a instalação de equipamentos públicos e da política de defesa em terras indígenas, que pode se dar, de acordo com o texto, “independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI”.
Essas últimas condicionantes não apenas ampliam as exceções previstas pela Constituição, mas também contrariam a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais. Essa norma, de hierarquia supralegal, estabelece a necessidade de consulta aos povos interessados cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.
Os indígenas brasileiros, em decorrência da expansão da fronteira agrícola, sofrem todo tipo de violência, por lutarem pelas terras que tradicionalmente ocupam e com as quais nunca perderam o vínculo. Essas terras são expressamente garantidas pela Constituição. A limitação dessa proteção, contrariando o texto constitucional, é inaceitável em um Estado de Direito.
Além disso, como decidiu o Pleno do STF nos embargos de declaração à Pet. 3.388, a “decisão proferida em ação popular é desprovida de força vinculante, em sentido técnico. Nesses termos, os fundamentos adotados pela Corte não se estendem, de forma automática, a outros processos em que se discuta matéria similar”. Dessa forma, se o próprio STF decidiu que as condicionantes fixadas na Pet 3.388 não se estendem automaticamente a outros casos, tampouco Vossa Excelência poderia fazê-lo. Isso pelos limites que a Suprema Corte deu à própria decisão.
Senhor Advogado-Geral da União, considerando que os efeitos da decisão na Pet. 3.388 não são vinculantes, a afronta à literalidade da Constituição que representam as condicionantes expressas no acórdão, e o consequente agravamento dos conflitos territoriais, solicito que Vossa Excelência revogue a Portaria n° 303, de 16 de julho de 2012.
Deputado PAULO PIMENTA
Presidente”