Povos de matriz africana querem direito à sacralização de animais; CDHM pede audiência com presidente do STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar, nesta quinta-feira (28), o recurso extraordinário 494601, que discute a constitucionalidade de uma lei do Rio Grande do Sul que autoriza o sacrifício ritual de animais aos cultos das religiões de matriz africana. Hoje, terça-feira (26), representantes Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais e de Matriz Africana (FONSAPTMA), pediu o apoio da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) na pactuação de pontos após o julgamento do recurso.
26/03/2019 17h00

Foto: Fernando Bola

Povos de matriz africana querem direito à sacralização de animais; CDHM pede audiência com presidente do STF

A CDHM já solicitou um encontro do grupo com o presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

“Temos línguas próprias, visão de mundo, cultura e soberania alimentar. Ou seja, somos um povo tradicional assim como os ciganos ou pomeranos. Portanto, dentro do contexto da soberania alimentar, temos direito à sacralização de animais para garantir nossos ritos religiosos e a alimentação. Defendemos o abate tradicional doméstico e, claro, de acordo com cada unidade territorial tradicional”, explica Tata Edson do FONSAPTMA.  

 “O fato de os povos tradicionais estarem inseridos no contexto da agricultura familiar também permite a criação e o abate de animais. E essa sacralização do animal é essencial para manutenção das tradições desses povos. Sem esse ritual, morre uma história”, coloca Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM.

Helder Salomão ampliou a forma de encaminhar o debate.

 “A Comissão é um grupo heterogêneo, mas queremos dar apoio às demandas dos povos tradicionais. Vamos trabalhar com a lógica das garantias constitucionais. Nosso papel não é discutir religião, mas direitos humanos. E esse é o caso”, diz o deputado.

 O recurso

O recurso em análise no STF foi feito pelo Ministério Público estadual contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que declarou a constitucionalidade da Lei 2.131/2004. A norma acrescentou ao Código Estadual de Proteção de Animais gaúcho a possibilidade de sacrifícios de animais, destinados à alimentação humana, dentro dos cultos religiosos africanos.

Já para o MP-RS, a lei invade a competência da União para legislar sobre matéria penal, e privilegia os cultos das religiões de matriz africana para o sacrifício e ritual de animais. Ainda de acordo com o MP gaúcho, isso ofenderia a isonomia e iria contra o caráter laico do país.

Histórico

No dia 9 de agosto de 2018 a CDHM promoveu uma audiência pública justamente para debater o recurso que está no STF. No mesmo dia, o processo entrava em julgamento no Supremo. Porém, houve pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes.

Na audiência pública, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat questionou “alguém já viu a Justiça preocupada com abate de animais para a alimentação de judeus e muçulmanos”?

“Podíamos falar de muitas convenções ou instrumentos jurídicos, mas o certo é que que as práticas religiosas são perseguidas. Esse problema existe porque é uma prática que vem da diáspora africana. Vamos parar com a hipocrisia. Queremos saber como ficará a liberdade religiosa neste país”, pontuou Débora Duprat.

Regina Nogueira, do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais e Matriz Africana, que também esteve na audiência pública, foi na mesma direção.

“Os povos resistiram com sua língua e tradições. A nossa alimentação é um ritual e também um ato doméstico, sem nenhum tipo de sofrimento animal. Queremos direito a uma alimentação de quantidade e adequada ao que acreditamos. E isso é garantir que se cumpra a Constituição brasileira.  Não queremos ser franqueados pelo Estado. Tradição alimenta, não violenta. Difícil mesmo foi ser carregado da África”, afirmou Regina.

O decreto 6.040 de 2007, do governo federal, instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). O decreto prevê, entre outros pontos, que a visibilidade dos povos e comunidades tradicionais aconteça através do pleno exercício da cidadania, do direito à segurança alimentar e nutricional, do desenvolvimento sustentável para promover a melhoria da qualidade de vida, tanto econômica como cultural.

Pedro Calvi / CDHM

No Congresso Nacional tramitam quatro proposições sobre o sacrifício de animais no contexto religioso.

Pedro Calvi / CDHM