Portaria do MJ que modifica critérios de demarcação de terras indígenas constitui violação de Direitos Humanos, diz presidente da CDHM
Além disso, o GTE, segundo a norma, poderá recomendar a realização de diligências, audiências públicas e “outros meios de participação das partes interessadas, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas”. Trata-se de uma estratégia de protelação dos processos demarcatórios, e mais uma janela para intervenção de ruralistas. Além disso, desconsidera-se que o procedimento já conta com fase de alegações por parte dos proprietários rurais cujos interesses econômicos colidam com os direitos indígenas.
A Portaria fala também em “cumprimento da jurisprudência do STF sobre a demarcação de Terras Indígenas”, o que abre espaço para aplicação das condicionantes estabelecidas no julgamento de Raposa Serra do Sol e do “marco temporal” (necessidade de estar sobre a terra tradicional na data de promulgação da Constituição de 1988). Essas condicionantes e o marco temporal ferem o disposto na Constituição, que determina que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios sejam demarcadas, sem requisitos temporais. A jurisprudência – que não é vinculante! – ainda permite empreendimentos econômicos e de políticas públicas sem autorização dos indígenas e fora das hipóteses autorizadas na Constituição.
A Portaria foi elaborada sem que os indígenas fossem consultados; a Portaria prevê mecanismos de consulta sem estabelecer como obrigatória a participação dos indígenas. Ou seja, a Portaria fere a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que trata dos direitos dos povos indígenas, tanto na maneira como foi editada quanto no conteúdo que dispõe.
A norma do Ministro da Justiça e Cidadania, além de inconstitucional e de violar o Direito Internacional dos Direitos Humanos, vai ao encontro das investidas dos ruralistas frente aos três Poderes da República. Vai no sentido de fragilizar as demarcações para que os interesses econômicos possam prevalecer. Uma sociedade, entretanto, não é feita de commodities. Há outros bens que devem ser preservados. Dentre esses bens, os direitos dos povos indígenas, primeiros habitantes desse continente, que sofrem um genocídio de séculos.
Deputado Padre João
Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados