Pesquisa indica moral dupla do brasileiro frente à violência contra as mulheres

Do racismo verificado contra mulheres negras na rede de atendimento de vítimas da violência à violência sofrida nos atendimentos hospitalares, muitos foram os exemplos citados de práticas cotidianas de violência contra a mulher ao longo do seminário promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias para discutir a questão. Hábitos e atitudes da sociedade e a tolerância das instituições às agressões que são praticadas no cotidiano doméstico foram apontados como fatores de geração da violência contra as mulheres. Na contramão dessa tendência, as feministas querem ampliar as ações contra a violência e torná-las mais visíveis.
07/05/2014 21h35

Rogério Tomáz Jr

Pesquisa indica moral dupla do brasileiro frente à violência contra as mulheres

Mulheres de todo o país em confraternização com os parlamentares num dos intervalos do seminário da CDHM

Estudo do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) divulgado em março deste ano mostrou um resultado preocupante: 58,5% dos entrevistados concordavam com a expressão “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”, revelando grande aceitação social à ideia de culpa da mulher pela agressão da qual é vítima.

Números como esse indicam que existe na sociedade aceitação da culpa feminina pelo que pratica o homem, questão reforçada pela tolerância das instituições à violência que se pratica no cotidiano doméstico. Foi o que concluiu Daniel Cerqueira, técnico do IPEA, que falou no seminário “Faces da Violência contra a mulher”, promovido nesta quarta-feira (7) pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

“Apesar dos equívocos da divulgação inicial, o resultado final da pesquisa nos enche de orgulho. Foi abordado um assunto tabu para a sociedade, que mostra grande tolerância à violência doméstica no país.”

Essa abordagem introdutória sobre um tema polèmico, segundo o técnico, ainda é insuficiente para amparar políticas públicas sobre a questão da violência contra a mulher.

A deputada Luiza Erundina (PSB/SP) afirmou que a falta de dados impede um salto de qualidade nas políticas afirmativas para as mulheres. “Enquanto não houver um diagnóstico completo, as políticas públicas continuarão pontuais”, disse a parlamentar. “Isso nos causa aflição, angústia e impotência. Impede uma posição de enfrentamento jurídico contra os agressores”, concluiu.

Para a professora Lia Zanotta, da UnB, a sociedade apresenta uma dupla moral. “O estupro de um parente é um crime hediondo. Já o estupro de uma desconhecida nada significa.” “Apesar de a opinião pública ser favorável à adoção da Lei Maria da Penha, a culpa da agressão continua recaindo sobre a mulher”, afirmou.

Em defesa de partos mais saudáveis

Violência obstétrica foi o segundo tema abordado no seminário. O deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ), que mediou essa discussão específica, lembrou sua participação na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em Estocolmo, em abril. De acordo com o parlamentar, a violência obstétrica foi reconhecida pelos conferencistas como uma das modernas formas de agressão à mulher.

A presidenta da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, Daphne Rattner, comentou que a violência obstétrica faz parte da cultura dos serviços de saúde, é um fenômeno internacional e se insere entre as muitas violências de gênero a que estão sujeitas as mulheres. Para ela, a violência obstétrica se caracteriza pela desumanização do tratamento e pela apropriação dos processos reprodutivos pelos profissionais da saúde. Tal violência retira da mulher paciente a autonomia e capacidade de decidir no processo do parto. “A mulher deve ser protagonista e ter direitos de escolha ao longo do processo do parto”, disse Daphne, que é defensora do parto natural. Ela defendeu também uma formação humanísitica nos cursos de ensino médico.  “Precisamos mudar a cultura das práticas invasivas adotadas pelos profissionais de saúde com uma aprendizagem dos direitos humanos”. Daphne lembrou ainda que em países como Argentina e Venezuela, a violência obstétrica já é reconhecida como crime cometido contra as mulheres.

Raquel Marques, presidenta da Associação Artêmis, lembrou que no ano passado, cerca de 1.800 mulheres perderam a vida no país durante o processo de parto. Ela pediu maior controle social  e atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na avaliação de médicos e hospitais.  “É preciso colocar em prática a Resolução RDC 208 da Anvisa, cobrar os hospitais pela sua aplicação e propor termos de ajuste de conduta para os estabelecimentos de saúde”, afirmou

A deputada Luiza Erundina propôs que os parlamentares da Comissão levem à direção da Anvisa as propostas apresentadas durante o seminário.

Saúde e Justiça: parceiros contra agressões á mulher

No terceiro bloco de debates, as representantes dos ministérios da Saúde e da Justiça informaram que existe trabalho conjunto dos dois órgãos que aperfeiçoem medidas que ampliem as chances de punir os agressores. Beatriz Cruz, do Ministério da Justiça, informou que trabalha pela melhoria da investigação policial em casos de crime de violência sexual. “Trabalhamos em formas de aprimorar técnicas de colheita de vestígios para provas periciais, no âmbito do SUS”. Além das melhorias no processo investigativo, Beatriz diz que se trabalha também em elaborar forma mais adequada e humanizada do atendimento policial às mulheres que sofreram algum tipo de agressão.

A representante do Ministério da Saúde, Maria Esther de Albuquerque, anunciou que o SUS já trabalha com um sistema de monitoramento do parto, o SISPARTO, que permite avaliar como as mulheres estão sendo atendidas pelo sistema. De acordo com Esther, para ampliar esse sistema à rede privada de hospitais, será necessário criar uma lei específica. A técnica da saúde lembrou ainda que está sendo ampliada a rede de centros de partos naturais no país, que hoje conta com  130 unidades.