Parlamentares e Sociedade Civil Querem Organizar Conferência de Comunicação Democrátiva

Fonte: Federação Nacional dos Jornalistas

Com a participação de parlamentares, representantes do governo federal e da sociedade civil, o “Encontro Nacional de Comunicação: na luta por democracia e direitos humanos”, realizado na Câmara dos Deputados nos dias 21 e 22 de junho, com 398 participantes inscritos e mais 300 que não se inscreveram, constituiu-se num marco de uma luta que vem sendo travada há décadas. Em carta aberta ao presidente da República, os participantes defenderam a construção de uma Conferência Nacional de Comunicação legítima e democrática e o controle social dos meios de comunicação.

No evento, a proposta do ministro das Comunicações, de realizar em agosto uma Conferência com participação restrita foi combatida. . "Uma iniciativa tomada por um órgão do governo que tem pouca relação com atores da sociedade que militam na área (em referência ao Ministério das Comunicações) é preocupante e pode atrapalhar muitos os processos democráticos", afirmou a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara.

Para ela e para o presidente Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, deputado Luiz Couto (PT-PB) são necessários ao menos 8 meses para realizar este debate com efetiva participação social. Eles apóiam a proposta defendida por entidades e movimentos sociais de que a Conferência Nacional é um processo que deve ser precedido de conferências municipais e estaduais.

Durante os trabalhos do Encontro Nacional, uma moção proposta por algumas entidades sugeriu que houve censura no Jornal da Câmara ao publicar uma foto da mesa de abertura do evento onde a representante do MST, Marina Santos, não aparecia, como também sua fala não foi registrada na matéria. Tal leitura foi contestada pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Câmara.

Para o presidente da FENAJ, Sérgio Murillo de Andrade, a explicação da Secom e da direção do jornal da Câmara, de que os problemas ocorreram por uma questão técnica da edição e de enquadramento de imagem, é satisfatória. “Não acredito que tenha havido censura, principalmente num evento como este, promovido por duas comissões da Câmara”, disse. Sérgio Murillo atribui o fato a problemas comuns na rotina da profissão. “Os trabalhos dos setores de comunicação tanto da Câmara quanto do Senado são realizados com competência por colegas que se pautam pelo profissionalismo”, concluiu.

Marco Regulatório
Coordenadora de uma das mesas do Encontro, a deputada Luiza Erundina registrou que os parlamentares empenhados em mudanças na legislação das comunicações precisam do apoio da sociedade organizada. Ela acredita que este processo não será rápido e se comprometeu a não encaminhar nenhuma sugestão de modificação do marco regulatório das outorgas para concessão de radiodifusão sem antes discuti-la com entidades que compõem o fórum de organização da Conferência Nacional de Comunicação.

Veja, a seguir, a íntegra da Carta Aberta, onde os participantes pedem o compromisso dos três Poderes com a inclusão dos movimentos sociais no processo de organização da Conferência Nacional de Comunicação.

POR UMA LEGÍTIMA E DEMOCRÁTICA CONFERÊNCIA NACIONAL DE COMUNICAÇÕES
CARTA ABERTA AO PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

É notória a importância da comunicação na formação de valores e opiniões, no fomento e na produção das culturas e nas relações de poder. Por isso, a compreensão da comunicação como um direito humano é condição fundamental para que este processo social seja voltado à promoção da emancipação de homens e mulheres, na consolidação de uma efetiva democracia e na construção de um País justo e soberano.

No Brasil, ainda há um grande caminho a percorrer para que a comunicação cumpra este papel. O modelo vigente é marcado pela concentração e a hipertrofia dos meios em poucos grupos comerciais, cujas outorgas são obtidas e renovadas sem controle da sociedade e sem critérios transparentes. O predomínio da mídia comercial marca também a fragilidade dos sistemas público e estatal, que só agora estão entrando na pauta de preocupação de Estado com o debate sobre a criação de uma rede pública de televisão. Este quadro vem sendo mantido pela ausência do debate e pela exclusão do interesse público na elaboração e aprovação das políticas públicas e de regulação que organizam a área. Historicamente, as decisões relativas à comunicação no Brasil têm sido tomadas à revelia dos legítimos interesses sociais, quase sempre apoiadas em medidas administrativas e criando situações de fato que terminam por se cristalizarem em situações definitivas.

A necessidade de corrigir tais distorções históricas emerge justamente na hora em que a convergência digital torna cada vez mais complexo o processo de produção, difusão e consumo das informações. Frente a isso torna-se urgente a redefinição de um novo e legítimo marco institucional para as comunicações, haja vista que a legislação para as comunicações carecem de revisão seja pela necessidade de sua atualização, seja por falta de regulamentação específica dos princípios constitucionais ou, ainda, por sua inadequação à noção da comunicação como direito humano e social.

Isso inclui o debate sobre a comunicação em toda a sua complexidade, envolvendo todos seus setores, bem como a interface destas áreas com a cultura, a educação, a saúde, as tecnologias e a cidadania. Ressaltamos aqui que não se trata apenas da reflexão sobre os meios, a cadeia produtiva e os sistemas, mas sim, das diversas formas pelas quais o conteúdo, enquanto conhecimento, cultura, lazer e informação - inclusive comercial -, são produzidos, difundidos, assimilados e usufruídos pela população.

Diante de todos estes pontos, nós, parlamentares, pesquisadores, trabalhadores e representantes dos movimentos sociais e de entidades voltadas à democratização da comunicação, presentes ao Encontro Nacional de Comunicação, convocado pelas comissões de Ciência Tecnologia, Comunicação e Informática e de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, vemos na realização da Conferência Nacional de Comunicações - legítima e democrática - a oportunidade concreta para enfrentarmos este debate.

A Conferência Nacional de Comunicações pode constituir um marco histórico de mudança da relação passiva da população com a mídia, significando uma inflexão no histórico de baixa abertura do Estado brasileiro à participação social na elaboração, acompanhamento e avaliação das políticas públicas para o setor.

Para que a Conferência cumpra este papel, é fundamental que ela se constitua como processo e inclua, entre outras coisas:

- A sua incorporação como compromisso dos poderes da República, especialmente do Executivo Federal com todos seus órgãos relacionados ao setor; bem como o Congresso Nacional, o Judiciário e o Ministério Público;

- A adoção do princípio da ampla e democrática participação como forma de trazer as contribuições das mais várias representações da sociedade organizada para o debate da Conferência;

- O mais amplo envolvimento da população através da realização de etapas estaduais e regionais antes da etapa nacional;

- A inclusão da sociedade civil no processo de organização da Conferência, garantindo inclusive meios materiais para esta participação; e

- O compromisso de, a partir do debate com métodos democráticos, construir linhas gerais para um novo momento nas políticas públicas para as comunicações; entendendo que qualquer mudança substancial nas políticas vigentes deva ser feita somente a partir das deliberações da Conferência.
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Tais preceitos não são uma novidade resultante de elaboração deste Encontro Nacional de Comunicação, mas a reafirmação de formatos de construção que vêm marcando a realização das conferências promovidas por este governo. Já no caso da comunicação, estranhamos o anúncio do Ministério das Comunicações sobre a realização de um evento que está sendo chamado de "conferência nacional" já para o mês de agosto de 2007. O caráter sinalizado pelo Minicom contrasta com os procedimentos adotados por este governo em outras conferências, pois inviabiliza a construção democrática e a organização de etapas prévias estaduais e regionais preparatórias que garantam a legitimidade da Conferência Nacional de Comunicações.

Esperamos que a coerência e o respeito às experiências relativas às conferências sejam a tônica da construção deste processo no setor da comunicação. Do contrário, este governo corre o risco de promover aparentes processos democráticos enquanto perpetua o alijamento dos cidadãos brasileiros da definição sobre os rumos deste instrumento fundamental à democracia em nosso País.

Encontro Nacional de Comunicação: na luta por democracia e direitos humanos
Brasília, 22 de junho de 2007

Com informações da Agência Câmara