Palestrantes pedem compromisso do Estado no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes

Crime de difícil flagrante e responsabilização, praticado nos subterrâneos das relações de poder do agressor sobre a vítima, a violência sexual contra crianças e adolescentes não é debelada pela impunidade, pela desarticulação dos Poderes no enfrentamento do grave problema e pelo trâmite lento dos processos na Justiça, concluíram palestrantes na audiência pública da CDHM realizada para discutir casos de agressão na Paraíba, Goiás e Pará. Os relatos sobre a recorrência de violência praticada contra adolescentes na Amazônia ganharam destaque e a audiência pública, que superou quatro horas, sensibilizou parlamentares.
06/05/2015 21h10

Fabricio Carbonel

Palestrantes pedem compromisso do Estado no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes

Deputado Paulo Pimenta entre palestrantes do Pará

A presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Goiás, deputada delegada Adriana Accorsi, afirmou que a diligência seguida de audiência pública realizadas pelo presidente da CDHM, deputado Paulo Pimenta, com representantes do ministério público federal para ouvir autoridades locais e familiares de crianças e adolescentes da comunidade calunga, vítimas de exploração sexual na cidade de Cavalcante (GO), foi importante porque provocou, na sequência, a expedição de 27 ações judiciais. “Em Goiás, a morosidade dos casos de exploração sexual significa impunidade”, afirmou a deputada estadual goiana.  

Preocupado com a demora da Justiça para julgar processos contra esse tipo de violência, o procurador do Ministério Público do Trabalho da Paraíba, Eduardo Araruna, denunciou que, apesar da existência de leis e recomendações de corregedorias de justiça, os processos de violência sexual acabam não sendo destacados para tramitar com prioridade. “Na prática não existe. São poucos tribunais que fazem destaque para tramitação prioritária”.   O procurador destacou ainda a conquista de ter equiparado a exploração de crianças e adolescentes à concepção de trabalho forçado, o que deu condições e competência para que esses tipos de processo fossem julgados pela Justiça do Trabalho. "Hoje existem de 8 a 10 ações civis públicas propostas para buscar a responsabilidade patrimonial dos corruptores de menores", disse. Por fim, Araruna afirmou que é preciso mudar a mentalidade que perdura na sociedade brasileira do “dono de senzala”. “É preciso um movimento de contracultura,  de mudança de mentalidades, de aplicação dos conceitos de vítima e delinquente”. Para ilustrar a mentalidade prevalente, o procurador citou o caso das crianças da cidade de Sapé, causa de violência que a Justiça reparou com a responsabilização patrimonial dos agressores, mas que precisaram sair da cidade porque passaram a ser consideradas "vilâs" do caso. 

Uma das saídas para reduzir o problema da morosidade dos processos na Justiça foi apresentada pela deputada Erika Kokay (PT-DF). Para evitar o que chamou de "naturalização da impunidade" nas comunidades, a deputada disse que apresentou Proposta de Emenda Constitucional para federalizar casos de violência e exploração sexual de menores. "É uma forma de fazer o enfrentamento com um olhar diferenciado para a questão das crianças e adolescentes".

A maior parte dos representantes do Pará na audiência pública cobraram do governo iniciativas de enfrentamento da violência contra crianças e jovens não apenas na região de Marajó, onde o problema aumentou, mas também em toda a Amazônia, principalmente nas regiões afetadas por grandes obras públicas de infraestrutura. Dom José Azcona, bispo da Paróquia de Marajó (PA), afirmou que quem trabalha na defesa dos direitos humanos nas comunidades corre risco de vida na Amazônia, porque acaba tendo que enfrentar o poderio econômico e político local. O padre alertou para a "degradação ética do país" que leva os homens a não lutar por mudanças sociais. afirmou que aumenta o número de meninos e meninas abusados sexualmente, principalmente na região de Melgaço, onde o IDH é o mais baixo do país. Dom José denunciou que falta promotor na cidade de Breves há mais de um ano, o que considerou "crime de Estado".   

Rita Tomaz, defensora pública federal no Pará, afirmou que as situações de vulnerabilidade envolvendo crianças e adolescentes se transmitem por gerações diante de uma contínua "indiferença" das autoridades. "Há um mecanismo de consenso e dominação que leva os adolescentes a não se identificar como vítimas, não se reconhecer como sujeito e não ser visto como sujeito pela sociedade". Rita diz que, no momento, o enfrentamento é solitário e realizado por alguns componentes da igreja católica. "Falta compromisso estatal", destacou ela. 

A religiosa Henriqueta Cavalcanti disse que se empenha em dar o máximo de visibilidade pública a situação "vergonhosa" da exploração sexual de meninas e meninos "balseiros" na região ribeirinha do rio Tajapuru, principalmente entre as cidades de Breves, Melgaço e Curralinho. "São crianças que deixam a escola para dispor do corpo em troca de um pacote de bolacha, com a tolerância das famílias", ressaltou.

A delegada da Polícia Civl do Pará, Simone Araújo, afirmou que a maior parte dos autores de abusos fazem parte da família. "Infelizmente no nosso Estado ainda prepondera a violência sexual. E a região de Marajó tem uma comunidade carente que necessita de amparo". A delegada relatou a dificuldade física de atendimento à comunidade (situada "a 6 ou 7 horas de voadeira") e na apuração do crime, ("porque é um crime intrafamiliar onde o Estado não está presente"). Ela apresentou como ações de enfrentamento do problema, o fortalecimento do atendimento às vítimas e o envolvimento da comunidade. "Não há como resolver a questão apenas com a abordagem penal, afirmou.  

Isabela jatene, secretária de Integração de Políticas Sociais do Pará, diz que o Governo precisa ter um "olhar diferenciado para (os problemas sociais) da Amazônia.

O deputado Arnaldo Jordy (PPS/PA) disse que é necessário rediscutir o modelo de grandes obras públicas do governo brasileiro na Amazônia, que geram enorme impacto social e ambiental na região. Para enfrentar o grave problema da violência sexual contra crianças e adolescentes, Jordy sugeriu ações emergenciais que integrem a Polícia Federal e as polícias do estado para uma ação de repressão local, de forma a servir como exemplo para um princípio de mudança de cultura local.