ONU critica austeridade mal orientada do governo brasileiro no contexto da pandemia

Nesta quarta-feira (29), relatores da Organização das Nações Unidas (ONU) condenaram medidas adotadas pelo governo brasileiro durante a pandemia da Covid- 19.
29/04/2020 18h45

Foto: Marina Lacerda

ONU critica austeridade mal orientada do governo brasileiro no contexto da pandemia

Sede da ONU em Genebra

Em um comunicado, os especialistas consideram que o Brasil deveria “abandonar imediatamente políticas de austeridade mal orientadas que estão colocando vidas em risco e aumentar os gastos para combater a desigualdade e a pobreza exacerbada pela pandemia”.
Para Jamil Chade, jornalista do UOL que acompanha o trabalho da ONU, essa é a “declaração mais dura já feita por relatores da Organização contra o Brasil pela sua gestão da crise e uma das raras direcionadas contra um país específico por sua gestão sanitária”.
Chade relatou ainda que Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos, também afirmou hoje que lideranças no Brasil adotaram uma postura inicial de negar a seriedade da pandemia.
Sem citar nomes, segundo reportagem do UOL, Bachelet disse sobre a situação brasileira que “no começo, não reconheceram, foi negado. Alguns líderes e algumas imagens não foram positivos", afirmou.
Os especialistas da ONU destacam na nota que, por exemplo, apenas 10% dos municípios brasileiros possuem leitos de terapia intensiva e o Sistema Único de Saúde não tem nem a metade do número de leitos hospitalares recomendado pela Organização Mundial da Saúde.
"A epidemia da COVID-19 ampliou os impactos adversos de uma emenda constitucional de 2016 que limitou os gastos públicos no Brasil por 20 anos", disseram o especialista independente em direitos humanos e dívida externa, Juan Pablo Bohoslavsky, e o relator especial sobre pobreza extrema, Philip Alston. "Os efeitos são agora dramaticamente visíveis na crise atual", ressaltaram os especialistas.
Para os peritos, esses cortes de financiamento governamentais “violaram os padrões internacionais de direitos humanos, inclusive na educação, moradia, alimentação, água e saneamento e igualdade de gênero”.
Eles consideram que, dessa forma, o sistema de saúde enfraquecido “está colocando em risco dos direitos à vida e a saúde de milhões de brasileiros que estão seriamente em risco”.
Também alertam que “já é hora de revogar a Emenda Constitucional 95 e outras medidas de austeridade contrárias ao direito internacional dos direitos humanos”.
A declaração dos especialistas foi endossada por Léo Heller, Relator Especial sobre os direitos humanos à água potável e saneamento;  Hilal Elver, Relatora Especial sobre o direito à alimentação,  Leilani Farha, Relatora Especial sobre o direito à moradia adequada,  Dainius Pūras, Relatora Especial sobre o direito à saúde física e mental;  Koumbou Boly Barry, Relatora Especial sobre o direito à educação, e o Grupo de Trabalho sobre discriminação contra mulheres e meninas: Meskerem Geset Techane (Presidente), Elizabeth Broderick(Vice-Presidente), Alda Facio, Ivana Radačić, e Melissa Upreti.
A crítica ocorre depois que várias instituições brasileiras, dentre elas a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (CDHM), fizeram denúncias a autoridades das Nações Unidas sobre a conduta do presidente Jair Bolsonaro como, por exemplo, ignorar as recomendações da Organização Mundial da Saúde.
Na segunda-feira (27), o Alto Comissariado da ONU para os direitos humanos já havia afirmado, em coletiva de imprensa, que está preocupada com o comportamento de autoridades brasileiras diante da pandemia provocada pelo novo coronavírus. A entidade considerou que “mensagens conflitantes por parte do governo minam a capacidade do país em dar uma resposta ao coronavírus”. A diretora de Operações do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, Georgette Gagnon, também alertou sobre possíveis ações que reforçariam tendências anti-democráticas.
“E daí?”
Na noite desta terça-feira (28), ao ser confrontado com o número de mortes no Brasil, Jair Bolsonaro respondeu: "E daí, o que posso fazer?".
Hoje, o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES), sugeriu ao Presidente da República o que poderia ser feito: “Construir hospitais, comprar respiradores, construir leitos de UTI, pagar o auxílio emergencial de 600 reais, manter empregos, respeitar a dor das pessoas e valorizar os trabalhadores da saúde”, enumerou o parlamentar.
Na nota desta quarta, Bohoslavsky e Alston afirmam que  “os Estados de todo o mundo devem construir um futuro melhor para suas populações, e não valas comuns”.
Denúncias da CDHM
Desde março a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) tem denunciado, através de ofícios e notas oficiais, uma série de ações do governo federal que violam os direitos humanos e fragilizam ainda mais alguns segmentos da população em plena pandemia.
No dia 4 de abril, por exemplo, os parlamentares Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM, Padre João (PT/MG), Túlio Gadêlha (PDT/PE) e Camilo Capiberibe (PSB/AC), Vice-Presidentes do colegiado, enviaram para o Diretor-Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, para o presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Joel Hernández García, e para os relatores especiais para direito à saúde, à liberdade expressão e dos direitos das pessoas idosas, um documento enumerando fatos que mostram o comportamento adotado pelo Presidente da República, que consideram irresponsável.
O relatório aponta desde discursos incentivando aglomerações de pessoas, carreatas de apoiadores pelo fim da quarentena, passeios por áreas comerciais até a participação em uma manifestação pedindo intervenção militar no país. Também informaram as autoridades internacionais que Bolsonaro já se referiu ao Covid-19 como "pequena crise", "fantasia", "gripezinha","resfriadinho" e "histeria".
Para os parlamentares, “nenhum cidadão, muito menos um mandatário, pode usar a liberdade de expressão para desinformar e para colocar em situação de risco a saúde e a vida de mais de 200 milhões de pessoas”. A conduta de Jair Messias Bolsonaro a respeito do Covid-19 tinha, até o início deste mês, cinco representações criminais no Supremo Tribunal Federal.
O relatório para a ONU ressalta ainda que "o Presidente da República Federativa do Brasil flerta com o risco de um genocídio e menospreza a possibilidade de óbito de idosos”.
Além desse documento, outros movimentos da presidência da CDHM  pedem a proteção dos cidadãos durante a pandemia. Foram enviados pedidos de informação e solicitação de providências para ministros de Estado, Funai e Ministério Público Federal, entre outras instituições. Nos documentos, o presidente da CDHM levantou questões como a proteção de indígenas isolados; suspensão das reintegrações coletivas de posse; demissões de categorias de trabalhadores; cortes em programas assistenciais como o Bolsa Família; prevenção do feminicídio; e realização de obras que tragam prejuízos sociais e de saúde a povos tradicionais, como os quilombolas.
Leia aqui a íntegra da nota da ONU desta quarta-feira.
Pedro Calvi  / CDHM
Com informações da Jamil Chade (UOL) e ACNUDH