Oito desaparecidos de favela foram mutilados
Menor confessa que bandidos torturaram rapazes seqüestrados em Vigário Geral, cortando dedos, nariz, orelhas e língua
O Globo - 25/01/2006
Contando detalhes das torturas a que foram submetidos os oito jovens de Vigário Geral seqüestrados, na madrugada de 13 de dezembro passado, por uma quadrilha da rival Favela de Parada de Lucas, o menor X. participou da reconstituição do crime ontem à tarde. Preso desde o dia 14 de dezembro, ele disse ter ajudado nas sessões de mutilação.
Dos oito jovens levados — e que ainda estão desaparecidos — a polícia diz ter absoluta certeza de que pelo menos dois não tinham qualquer relação com o tráfico de drogas. Mesmo assim, disse o delegado da 38ª DP (Brás de Pina), Marcos Neves, os dois foram submetidos a torturas.
Menor sorriu e ameaçou família dos seqüestrados
O menor repetiu para os policiais o percurso que ele e os traficantes de Parada de Lucas teriam feito com as oito vítimas seqüestradas. Mostrou as casas de onde os jovens foram retirados à força, em Vigário Geral, e depois o local para onde foram levados. As vítimas foram espancadas e depois sofreram as mutilações numa casa num beco conhecido como Botafogo, em Parada de Lucas.
Segundo sua descrição, primeiro cortaram a língua dos rapazes; depois, cada um dos dedos das mãos; em seguida, as orelhas e, por último, o nariz.
Sempre com um sorriso no rosto, fazendo gestos intimidadores e ameaçando as famílias das vítimas que acompanharam a reconstituição, X. ainda levou os policiais ao lugar em que os jovens teriam sido vistos com vida pela última vez, numa casa na beira do Rio Acari, próximo a um chiqueiro. As vítimas teriam sido entregues a um homem conhecido como Açougueiro. Daí em diante, X. diz não saber o que aconteceu com os jovens.
O trajeto mostrado por X. coincidiu com o indicado mais cedo por um dos sobreviventes. Ele fez a reconstituição usando um capuz, uma capa preta e um colete a prova de balas.
X., de 16 anos, foi criado em Vigário Geral. Expulso da favela pelos traficantes locais, ele se associou a criminosos da vizinha Parada de Lucas, que o usaram de guia para indicar os lugares em que moravam seus rivais. Por causa disso, X. foi apelidado de Parada Geral. Na noite do seqüestro, ele usava uma farda da Polícia Militar.
Na operação feita ontem nas duas favelas, que reuniu a Delegacia de Homicídios, a Delegacia de Repressão a Entorpecentes, a Core, o Batalhão de Choque, policiais do 16º BPM (Olaria ) e o Corpo de Bombeiros, pretendia-se fazer, além da reconstituição do crime, buscas pelos corpos dos desaparecidos. Mas as tentativas foram frustradas.
A polícia suspeita que os rapazes tenham sido mortos e que seus corpos tenham sido esquartejados e jogados aos porcos ou no rio — onde, ontem à tarde, esperava-se que fosse feita uma dragagem pela Superintendência Estadual de Rios e Lagoas, o que não ocorreu.
O delegado titular da Delegacia de Homicídios, Carlos Henrique Machado, que está coordenando as investigações, descartou novas buscas.
— Não há condições técnicas de fazer a dragagem do Rio Acari, onde se supõe que parte dos corpos tenham sido levados.
Segundo o delegado, a polícia pretende finalizar o inquérito e incriminar os responsáveis, mesmo que os corpos não apareçam:
— Temos que encontrar outros caminhos possíveis de incriminá-los. Os depoimentos de testemunhas e os vestígios de sangue podem ser suficientes para o inquérito, mesmo que os corpos não sejam encontrados — disse Carlos Henrique.
As mães dos jovens seqüestrados fizeram ontem protestos em Vigário Geral.
— Não foi o filho da governadora que desapareceu. Foram os filhos de umas marias-ninguém de Vigário Geral. Se fosse alguém importante, já teriam encontrado — disse uma das mães, que preferiu não ser identificada.