Observatório Parlamentar verifica situação de proteção a defensoras e defensores de Direitos Humanos no Brasil

Entre 2015 e 2019, 1323 defensores de direitos humanos foram assassinados em todo o mundo, sendo que 174 eram brasileiros, o que corresponde a 13% do total e coloca o Brasil em segundo lugar em número de assassinatos
16/09/2021 15h35

Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Observatório Parlamentar verifica situação de proteção a defensoras e defensores de Direitos Humanos no Brasil

Da esquerda para a direita: Marina Lacerda, Secretária-Executiva da CDHM, o presidente do colegiado, deputado Carlos Veras (PT/PE), e no painel em participação remota, Mary Lawlor, Relatora Especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos da

O Observatório Parlamentar da RPU, sediado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, verificou nesta quarta-feira (15) o cumprimento pelo Brasil de recomendações para garantir a segurança de defensoras e defensores de direitos humanos. 

A proteção às defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil está amparada pelo Decreto n° 6.044/2007, que aprovou a Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PNPDDH), e pelo Decreto nº 9.937/2019, que instituiu o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH).

“Defensoras e defensores de direitos humanos são imprescindíveis à democracia, à manutenção da paz e do desenvolvimento sustentável de todos os estados e nações”, afirmou Anastasia Divinskaya, representante da ONU Mulheres Brasil. 

Anastasia destacou que relatório de 2021 da relatora especial da ONU mostrou que, entre 2015 e 2019, 1323 defensores e defensoras de direito foram assassinadas em todo o mundo, sendo que 166 eram mulheres e 174 eram brasileiras e brasileiros, colocando o Brasil em segundo lugar com maior número de assassinatos, atrás apenas da Colômbia, com 397 casos. 

A representante da ONU Mulheres enfatizou ainda a importância de esforços para investigar o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. 

Mary Lawlor, Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação dos defensores dos Direitos Humanos, comentou o quadro atual no país e o contraste entre a realidade dos números e o apoio formal às recomendações sobre o tema.

“Quando olhei a série de recomendações relativas a pessoas defensoras de direitos humanos que o Brasil apoiou em 2017, meu primeiro pensamento foi que se essas recomendações tivessem sido implementadas plenamente, talvez tivéssemos visto menos assassinatos e ataques contra pessoas defensoras de direitos humanos nos últimos quatro anos. Infelizmente, este não é o caso”, disse.

Lawlor também apontou o assassinato de 174 pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil entre 2015 e 2019, o que corresponde a 13% do total global de mortes registrado no período.

Em sua avaliação, a situação no país permanece crítica, sendo um dos exemplos da gravidade da questão no Brasil o assassinato de Fernando dos Santos Araújo, testemunha-chave e sobrevivente do massacre de Pau D’Arco em 2017, e o assédio judicial contra seu advogado, José Vargas Sobrinho Junior.

“Tivemos um ataque a pessoas defensoras exigindo o direito de comunidades para o acesso e posse de terras, assassinatos extrajudiciais por parte das forças do Estado, uma investigação profundamente falha dos perpetradores e a acusação de um advogado de direitos humanos e de testemunha por exigirem justiça e responsabilização”, comentou.

Para ela, a falta de proteção oferecida a Fernando e José Vargas, apesar do perigo que existia – e continua existindo para José Vargas – sugere uma falta de vontade política e “na melhor das hipóteses, uma atitude sem comprometimento das autoridades em levar a sério suas responsabilidades para proteger pessoas defensoras de direitos humanos”.

Lawlor também mencionou o caso de Cacique Babau, líder indígena e defensor dos direitos humanos que recebeu informação de uma fonte confidencial sobre um plano para assassiná-lo. Apesar de ter sido formalmente incluído no programa de proteção, o líder indígena continuou enfrentando ameaças em sua comunidade, e não houve abertura de investigação sobre as supostas ameaças de assassinato.

A Relatora enfatizou que, no Brasil, há violência sistemática contra lideranças indígenas e defensores de direitos humanos devido ao que considera um “ambiente favorável” para mineiros, madeireiros e pecuaristas agirem sem punição, relembrando a violência e as ameaças sofridas pelos povos Munduruku e Yanomami devido à mineração ilegal em territórios indígenas. 

Sociedade Civil 

“O país pouco ou quase nada fez para atender as recomendações que espontaneamente acatou a fim de garantir a proteção e o enfrentamento à impunidade das violações cometidas contra defensores e defensoras de direitos humanos”, afirmou Alane Luzia da Silva, da Terra de Direitos. Para ela, o grave cenário de ameaças é resultado da impunidade vivenciada ao longo de décadas. 

“Com tramitações em instâncias internacionais, temos exemplos como o de Marielle Franco e Anderson Gomes, Monica Benício, o assassinato dos trabalhadores sem-terra Antonio Tavares e Sebastião Camargo, ambos já atravessando vinte anos de impunidade, na Amazônia o Pau D’arco, na Bahia violência contra lideranças quilombolas, e o assassinato do líder quilombola Flavio Gabriel, que completa seus quatro anos de impunidade”. 

“Não se tem sequer notícias sobre a instalação de investigação federal de todos os casos de violência contra defensores”, disse Alane, comentando a recomendação 112. Ela ainda destacou a falta de respostas aos crimes de violência contra mulheres na política. 

“A política não cumpre seus objetivos diretos, ou seja, a proteção eficaz e adequada a cada uma das realidades, e também seus objetivos indiretos, que seria o enfrentamento das causas que geram as ameaças e as violações sofridas pelas defensoras e defensores”, apontou. 

Luismar Ribeiro, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, sustentou que a política pública deve ir além dos programas de proteção a defensores. “São necessários, mas insuficientes, é preciso pensar em uma proteção integral”. 

“A gente acha que esse plano precisa contar com a participação da sociedade civil. Sem a participação, vai ser um plano de cima para baixo, que dificilmente vai considerar as ações necessárias para atuar na proteção integral aos defensores de direitos humanos”.

“O plano precisa criar conexões com outras políticas públicas a fim de resolver as causas desses desses problemas”, acrescentou. Luismar ainda destacou a dificuldade encontrada por defensores com delegados de polícia, que muitas vezes se negam a registrar boletim de ocorrência ou que não resultam em investigação. 

“Temos o direito de nos organizar para fazer a luta pelos direitos humanos. Parece óbvio o que eu estou dizendo, mas não é assim para a imensa maioria dos brasileiros e das brasileiras”, afirmou Paulo César Carbonari, do Movimento Nacional de Direitos Humanos. 

“Sobre nós pesa a pecha de que somos defensores de bandidos, esse é o contexto geral, ainda estamos longe de encontrarmos um ambiente onde a atuação dos defensores e defensoras dos direitos humanos seja respeitada, seja valorizada, seja tida pelas autoridades como uma atividade de ampla, profunda e reconhecida relevância pública”. 

Fragilização de direitos 

Para o Procurador Enrico Rodrigues de Freitas, da Procuradoria de Defesa do Cidadão, existe uma relação direta entre o risco e ataques a defensores de direitos humanos com a fragilização dos próprios direitos.

“A defesa dos direitos dos defensores de direitos humanos passa pela defesa e garantia mais ampla de direitos”. 

Enrico lembrou que o Estado brasileiro está com mais de 14 anos de atraso na elaboração do plano e defendeu como essencial a participação da sociedade civil. “Sem ela é absolutamente impensável construir um plano de proteção a defensores e defensoras de direitos humanos e entendemos inclusive que essa participação deve ser paritária em todo o processo de construção e diálogo sobre esse plano”.

MMFDH

Mariana Neris, Secretária Nacional de Proteção Global do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), afirmou que o órgão vem preservando o programa, destacando que hoje ele atende 604 pessoas em todo o território nacional. 

Neris demandou esforços do Congresso Nacional para o fortalecimento das estruturas estaduais. “Eu queria destacar a importância de termos esse olhar regionalizado, para que possamos ter maior efetividade em termos de proteção e defesa de direitos humanos desses ambientalistas, comunicadores e defensores de direitos humanos. O olhar local é fundamental”, defendeu. 

Neris destacou que o MMFDH vem realizando, junto com as entidades executoras, diagnósticos com o objetivo de aprimorar o programa. Afirmou ainda que o Ministério está comprometido com a elaboração do Plano Nacional e com a execução do plano em curso. 

Relatório Preliminar 

As 12 recomendações podem ser agrupadas em cinco sugestões: melhorar a proteção dos defensores de direitos humanos (recomendações 111, 114, 117, 120 e 121); fortalecer a participação da sociedade civil no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (111, 117); assegurar a investigação e a responsabilização nos casos de violência contra defensores (112, 114, 121); implementar efetivamente a Política Nacional de Proteção de Defensores (113, 122); e implementar e reforçar o Plano/Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (115, 116, 118, 119, 121, 122).

Relatório preliminar avaliou que nenhuma das 12 recomendações foi cumprida. O documento aponta que não houve melhoria dos mecanismos de proteção, nem sinalização de mudanças para incluir a sociedade civil no processo de concepção e execução das políticas de proteção. 

O documento também apontou que persistem os assassinatos de ativistas, que as investigações dos casos continuam na esfera estadual, e que não há mudanças em curso no sentido de sua federalização. E que a impunidade e a ausência de responsabilização na maioria dos casos permanece como uma característica do problema no Brasil

Segundo a avaliação técnica preliminar,  o Programa continua a ser executado de forma dispersa, intermitente e com carência de medidas mais efetivas de proteção e a sociedade civil continua alijada da participação na Política e no Programa de Proteção.

 

Fábia Pessoa/ CDHM