Observatório Parlamentar examina evolução dos direitos à manifestação e à organização

Participantes defenderam arquivamento de projeto que pode criminalizar movimentos sociais, celebraram a revogação da Lei de Segurança Nacional, mas lamentaram veto presidencial a artigo que tinha como objetivo prevenir violência contra manifestantes
06/09/2021 11h30

Captura e Montagem: Fernando Bola/CDHM

Observatório Parlamentar examina evolução dos direitos à manifestação e à organização

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, no âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, examinou nesta sexta-feira o cumprimento das recomendações feitas ao Brasil para garantir os direitos de livre manifestação e organização.

A Revisão Periódica Universal (RPU) é um mecanismo onde os países membros da Nações Unidas fazem recomendações uns aos outros com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos.

Os participantes demonstraram preocupação com o andamento do PL 1595, por entenderem que criminaliza os movimentos sociais e representa graves riscos à liberdade de organização e manifestação.

Alan García Campos, Chefe da Seção sobre graves violações de Direitos Humanos do Escritório ACNHUD no México, reforçou a importância do Poder Legislativo para a garantia dos direitos humanos, seja por meio de legislações, seja pela ratificação de tratados internacionais ou por meio de processos participativos. García Campos destacou que o tema é relevante em toda a América Latina e que nos últimos dois anos foram vistas manifestações populares em países como Chile, Peru, Bolívia, Paraguai e Brasil, mas que muitas vezes as autoridades reagiram utilizando força desnecessária e desproporcional.

Lembrou que a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos divulgou relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil alertando sobre medidas legislativas e judiciárias que pretendem limitar o exercício das manifestações e sobre o uso crescente das polícias militares nos protestos intimidando manifestantes, com registro inclusive de pessoas feridas. “Nenhum país está isento dos desafios que representam respeitar o direito a manifestações e reuniões pacíficas”, disse.

E citou ainda a preocupação do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos com tendências repressivas aos movimentos sociais, mas também sobre a  existência de manifestações que promovam uma agenda anti-direitos humanos e promovam discursos de ódio, contra instituições com papel insubstituível para a vigência de todo o regime democrático, como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

“A plena proteção daqueles que participam em reuniões pacíficas somente é possível quando a gente protege os outros direitos relacionados à liberdade política. Particularmente a liberdade de expressão, mas também direitos como a liberdade de associação e a participação política.”

“O respeito ao direito da reunião pacífica deve ser neutro e deve favorecer a expressão da pluralidade política social e cultural dos nossos povos”, reforçou Alan García Campos.

Preocupação com legislações antiterroristas

“Ao comparar a atuação dos movimentos sociais ao conceito de terrorismo, ao propor a criação de todo um sistema paralelo de segurança, ao estabelecer que ações contraterroristas possam ser consideradas hipóteses de excludente de ilicitude, a eventual aprovação do PL 1595 pode criar fortes limitações a liberdades fundamentais, impactando diretamente na atuação da sociedade civil e dos movimentos sociais”, afirmou Jan Jarab, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

“Esse projeto traz conceitos muito abertos, excludentes de ilicitude, investigações sem processo, estruturas de investigação paralela. A quantidade de investigações sobre atos de terrorismo no Brasil é muito pequena e ela é feita pelas estruturas do CISBIN, da ABIN, da Polícia Federal, do Ministério Público, de forma absolutamente eficiente. A constituição de uma estrutura desse tipo seria inclusive um desperdício de dinheiro público”, argumentou o Procurador Enrico Rodrigues.

“E esse projeto, se aprovado, gera a possibilidade de criminalização de movimentos e organizações da sociedade civil”, finalizou, pedindo a inclusão de nota técnica elaborada pela PFDC sobre o projeto.

“Esse projeto (PL 1595) já recebeu alertas da comunidade internacional, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos enviou carta técnica à Comissão de Direitos Humanos e Minorias destacando graves violações do direito internacional dos direitos humanos, inclusive destacando que há um impacto direto na sociedade civil, movimentos e defensores”, alertou Camila Asano, da Conectas Direitos Humanos

“Para que nós não descumpramos essa recomendação (Iraque), é necessário que se suspenda a tramitação e o arquivamento imediato do Projeto 1595”, reforçou Asano.

Liberdade de reunião e organização

Enrico Rodrigues de Freitas, Procurador da República e Coordenador do Grupo de Trabalho Liberdades: Consciência, Crença e Expressão, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (PFDC), elencou notas técnicas emitidas pelo órgão que procuram contribuir com o respeito a liberdades fundamentais para a democracia, como a de imprensa, a de reunião e de organização.

“O Supremo fixou a tese de que não há necessidade de um aviso prévio de forma a determinar que uma manifestação se tornasse ilícita. Que esse aviso pode ser feito de qualquer forma, inclusive por meio de redes sociais que cheguem ao poder público. Não há exigências de nenhuma comunicação formal e prévia”, destacou Enrico.

O Procurador ainda chamou atenção para duas medidas: a implementação de câmeras de filmagem pelos policiais em suas abordagens e a necessidade de protocolos de atuação policial públicos.

Uso da força

Davi Quintanilha, Defensor Público do Estado de São Paulo, representando a Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (ANADEP), apontou a ausência de protocolos de uso da força por agentes em contextos de manifestações e destacou ação por parte do órgão, que busca a edição de uma normativa.

Quintanilha lembrou que a perda da visão por uma manifestante levou a Defensoria a fazer denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que o Brasil adequasse o seu padrão de atuação às normas internacionais de direitos humanos e para que editasse uma legislação federal com diretrizes para o uso da força no contexto de manifestação.

“A Defensoria busca que o poder público aprimore esse treinamento da força de segurança pública e também do próprio sistema de justiça”, afirmou, indicando que as iniciativas já existentes ainda são insuficientes para coibir excessos e garantir a liberdade de manifestação. O defensor concluiu lembrando que manifestações culturais também sofrem com a repressão.

“A gente viu o que aconteceu em Pernambuco numa manifestação em maio, quando a polícia, de forma desproporcional, atirou contra os movimentos populares. A gente vem acompanhando a forma com que o Estado ataca os movimentos populares no seu direito de se manifestar”, afirmou Ana Maria Moraes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

 

Lei de Segurança Nacional

Apontaram ainda a importância da revogação da Lei de Segurança Nacional e a aprovação da nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, mas lamentaram o veto do presidente justamente ao trecho que tinha como objetivo prevenir a violência contra manifestantes.

“Aqui eu faço um chamamento para que o Parlamento siga no seu papel de garantidor das liberdades democráticas e derrube esse veto”, disse Camila Asano, da Conectas Direitos Humanos.

“Enfrentamos um contexto de avanços do autoritarismo no país permeado por uma crise sanitária que aprofunda desigualdades e aumenta a perseguição às vozes dissidentes. Falar de liberdade de expressão e do direito de protesto hoje no Brasil é falar do uso da força e da emergência de legislações que criminalizam movimentos sociais e quem vai às ruas, mas é também falar do crescimento da lógica do inimigo interno, da promoção do racismo, da LGBTQIA+fobia, do discurso de ódio pelas autoridades brasileiras”, comentou Raisa Ortiz Cetra, do Coletivo RPU e do Artigo 19.

“O Brasil hoje persegue e intimida as vozes dissidentes, reduz os espaços democráticos, retrocede no que havíamos avançado e algumas autoridades usam a liberdade de expressão como um pretexto para fortalecer um governo que o que faz é violar sistematicamente a liberdade de expressão no país”, afirmou Raisa.

 

7 de setembro

 O presidente da CDHM, deputado Carlos Veras (PT/PE), apontou a contradição de movimentos que ocupam as ruas, mas defendem medidas autoritárias. “É bom lembrar também para aqueles que vão às ruas pedir intervenção militar que eles estão cometendo um ato contra o próprio ato deles de se manifestarem. Porque, com intervenção militar, com ditadura, não tem manifestação, não tem direito de organização”.

“Eu peço que os olhos do mundo estejam voltados às ruas no dia 7 de setembro. É muito importante que a gente possa acompanhar a movimentação. Eu espero e desejo que os protestos sejam pacíficos e ordeiros”, afirmou Ana Maria, do MST.

Parlamentares

“O Brasil vive um franco retrocesso, a democracia está ameaçada, a soberania ameaçada, os direitos dos trabalhadores, ameaças aos movimentos sociais, a livre manifestação, a a liberdade de imprensa e ameaça sobretudo aos direitos humanos”, afirmou o deputado Helder Salomão (PT/ES).

“A liberdade de manifestação e liberdade de organização são valores que por si só se justificam, mas são instrumentos para construção de uma sociedade democrática, uma sociedade de direitos. Quando se silencia um segmento da sociedade, você está criando as condições para o domínio e para o arbítrio”, argumentou a deputada Erika Kokay (PT/DF).

Relatório Preliminar 

Segundo o relatório preliminar que avalia o cumprimento das recomendações, as realizadas pelo Egito, de certificar que a Lei Antiterrorista de 2016 corresponda aos padrões internacionais de direitos humanos, e pelo Iraque, para assegurar que a legislação combata apenas grupos terroristas e não englobe defensores dos direitos humanos, não foram cumpridas, já que a legislação não foi alterada no sentido indicado.

O relatório reconhece avanço no cumprimento das recomendações da Eslováquia, para um código de conduta baseado em padrões internacionais de direitos humanos, a fim de estabelecer condições específicas para o uso da força por parte de agentes da lei durante protestos e manifestações, e de Ruanda, para prevenir abusos por parte de alguns agentes responsáveis pela aplicação da lei, inclusive através do treinamento apropriado em direitos humanos.

A aprovação da Lei 13.675/2018, que criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criou uma base normativa de âmbito nacional para orientar a formação e treinamento dos agentes responsáveis pela aplicação da lei.

Sobre a recomendação do Sudão, para fortalecer a sociedade civil para que ela possa participar da assistência humanitária e de grandes eventos esportivos, o documento identifica retrocesso no cumprimento, pois desde 2017, houve redução dos espaços de deliberação e participação social no âmbito do governo federal.

 

Fábia Pessoa/CDHM