Observatório da RPU debate cumprimento das recomendações feitas ao Brasil sobre trabalho e redução da pobreza
Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Diretor do escritório da Cepal em Brasília, Carlos Henrique Fialho Mussi
O Observatório Parlamentar da RPU, sediado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, examinou, nesta quarta-feira (29), o cumprimento das recomendações feitas ao Brasil para melhorar a situação de trabalho no país e para reduzir a pobreza e a desigualdade.
A audiência pública foi a 17ª realizada pelo Observatório Parlamentar da RPU, parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que verifica a evolução dos direitos humanos no Brasil.
Recuperação pós-Covid 19
Carlos Henrique Fialho Mussi, diretor do escritório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) das Nações Unidas em Brasília, afirmou que relatório recente do órgão apontou a desigualdade vivenciada pelos países em uma retomada econômica pós-Covid 19. “É uma recuperação que traz ainda mais desigualdade, pobreza, pouco investimento e baixa produtividade. A recuperação pós-Covid apenas acentuou a necessidade de reformas estruturais. Vivemos um grande momento de incerteza. Essa recuperação não assegura um crescimento sustentável.
“Os impactos sociais apenas pioraram com a crise. A pandemia também tem piorado o estado do meio ambiente. Recentes relatórios e o próprio discurso do secretário António Guterres na abertura da Assembleia Geral nos alertam que o nosso tempo está acabando para cuidar do planeta”, disse.
Mussi lembrou que o ambiente ainda é de muitas incertezas: ondas de contágio, tempo de eficácia das vacinas e grande assimetria entre os países no acesso a imunizantes. “E, portanto, a recuperação ou até a retomada de níveis que tivemos antes da pandemia nos parece cada vez mais distantes”.
“Nós temos que fortalecer o papel do Estado, sustentar políticas fiscais e monetárias expansivas, potencializar o investimento, dar continuidade às transferências de emergência, dar força ao sistema de proteção social, estruturar os sistemas de educação e saúde e políticas transversais, incluindo questões de gênero na questão social e na política industrial setorial na área produtiva. Também temos que pensar numa integração produtiva regional da América Latina e voltar a discutir um pacto global sobre uma arquitetura financeira internacional”, recomendou Carlos Henrique como caminhos para a superação da crise.
Trabalho e redução da pobreza
Renato Zerbini, presidente do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC ONU), reforçou que são as condições justas e favoráveis de trabalho que possibilitam vidas decentes aos trabalhadores e a suas famílias.
“A primeira [condição] seria a proibição do trabalho forçado e da exploração social e econômica de crianças e jovens, a ausência de violência e assédio, licença maternidade, paternidade ou parental paga. Todos os trabalhadores têm direito a um salário justo, à igualdade de remuneração por trabalho de igual valor, sem distinção de qualquer tipo”, listou Renato, a respeito dos elementos que devem estar presentes em trabalhos decentes.
Thaís Dumêt Faria, Oficial Técnica em Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho para América Latina e Caribe da Organização Internacional do Trabalho no Brasil (OIT), reforçou que as normas internacionais sobre o trabalho têm como objetivo garantir que o desenvolvimento econômico seja centrado no bem-estar estar de todos.
“O trabalho decente para homens e mulheres se constitui no eixo central da estratégia necessária para o avanço na superação da pobreza, da fome e da desigualdade social. O trabalho é um dos principais vínculos entre o desenvolvimento econômico e o social, uma vez que representa um dos principais mecanismos por intermédio dos quais os seus benefícios podem efetivamente chegar às pessoas”, afirmou Thaís.
“Entretanto, não é qualquer trabalho que promove a superação da pobreza e da desigualdade. Além da remuneração adequada, o trabalho decente também supõe o acesso aos direitos associados ao trabalho e à proteção social e, quando combinado com aumento de produtividade, igualdade de oportunidades, de tratamento, tem o potencial de diminuir exponencialmente a pobreza extrema e a fome por meio do aumento e melhoria da distribuição de renda”, complementou a oficial sobre a importância da promoção do trabalho decente.
Representantes do Governo
Luis Felipe Batista de Oliveira, Secretário de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, destacou que apesar da alta taxa, o programa executado pelo Brasil de apoio às empresas salvou milhões de empregos no momento de crise.
“Graças ao programa de benefício emergencial de manutenção de emprego e da renda, nós conseguimos preservar cerca de 11 milhões de empregos no país, foi garantido o emprego durante o acordo e por igual período, e esse efeito ainda é mantido. A gente entende que a sustentabilidade é indispensável para termos conseguido alcançar o maior programa de preservação de empregos da história”, disse.
Luis Felipe reconheceu que é preciso fazer mais e defendeu a necessidade de o Congresso retomar a discussão para a inclusão de pessoas de baixa renda e beneficiários do programa Bolsa Família no mercado de trabalho, que possivelmente encontrarão dificuldades no pós pandemia.
Fernanda Marsaro dos Santos, diretora do Departamento de Políticas das Mulheres e Relações Sociais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, destacou que o MMFDH vem trabalhando para amenizar os impactos sociais e econômicos resultantes da pandemia da Covid-19.
Sobre a recomendação de Singapura (176), para ampliar a promoção de igualdade de gênero, em particular para mulheres das áreas rurais, das famílias de baixa renda, Marsaro apontou o programa “Qualifica Mulher”, que tem como objetivo promover ações de capacitação e qualificação profissional, bem como a geração de emprego as mulheres. “O programa foi instituído em dezembro de 2020 e com menos de um ano de existência já promove ações em 18 estados do Brasil. Já chegamos a beneficiar 33 mil mulheres”, afirmou, reconhecendo a necessidade de um olhar ainda mais atento ao público feminino das áreas rurais.
Qualidade de vida para o trabalhador
Alair Luiz dos Santos, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), defendeu que a questão do trabalho deve ser abordada de forma conjunta com outras políticas, como habitação, saúde, educação e lazer. “É preciso pensar no trabalho, no emprego, seja ele o trabalho de empregado ou um trabalho autônomo em propriedades rurais, mas também pensar no trabalho que garanta a qualidade de vida do trabalhador”.
O representante da CONTAG também afirmou que as mudanças trabalhistas vêm gerando afastamento do emprego formal e que muitos trabalhadores estão perdendo acesso a direitos.
Débora Nunes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, reforçou que as medidas adotadas atualmente são insuficientes e pouco sentidas na realidade das pessoas. “A vida do povo tem sido cada dia mais dura”, afirmou.
A representante do MST reforçou a discrepância entre as situações vivenciadas no Brasil atualmente, com o aumento da fome indicado por pesquisas recentes, que demonstraram que 19 milhões de brasileiros passaram fome em 2020 e 116 milhões conviveram com algum grau de insegurança alimentar, enquanto o agronegócio brasileiro registra recordes de produção e super safras.
“A gente percebe o impacto disso e como a fome volta a ser uma questão presente. Existe um abismo no nosso país. É necessário que nós possamos relacionar esse tema a questões estruturais, a exemplo da falta de investimentos na agricultura, além do desmonte de políticas, negligenciando os trabalhadores e trabalhadoras”, apontou Débora, que ainda lamentou o veto total ao projeto Assis Carvalho II, que tem como objetivo socorrer e fomentar a produção da agricultura familiar neste momento de crise.
Teto de gastos
Getúlio Vargas Júnior, da Coalizão Direitos Valem Mais, reforçou que a Emenda Constitucional 95 (teto de gastos) prejudica o financiamento das políticas sociais. “Entendemos que tão importante quanto cumprir a responsabilidade fiscal, afinal, ninguém é a favor do uso indiscriminado do recurso público, é o Estado arcar com a sua responsabilidade social. Então, nenhuma medida pode se dar em cima da qualidade do serviço público”.
“A realidade da periferia do nosso país é fome, e só não é pior porque aqueles que são mais pobres são os mais solidários entre si, mas não podemos contar com a solidariedade, é preciso políticas públicas que garantam comida no prato dos brasileiros”, disse Getúlio, que destacou também que, em 2021, ano mais letal da pandemia, a Saúde teve orçamento reduzido em 40 bilhões de reais, quando comparado ao de 2020.
Nathalie Beghin, do Instituto de Estudos Econômicos (Inesc), apontou que nos últimos 30 anos diferentes governos construíram ações integradas para o enfrentamento da fome, desde a estratégia Comunidade Solidária de Fernando Henrique Cardoso, ao Fome Zero, com o ex-presidente Lula, e ao Brasil Sem Miséria, do governo Dilma, coordenando ações federais e envolvendo estados e municípios.
“O que esses planos tinham em comum? Um conjunto de ações que vão do campo da agricultura até a comercialização dos alimentos, passando pelas ações universais de saúde e educação, pelas políticas de transferência, acesso à água, enfim, um conjunto de ações que tenta enfrentar problemas como a pobreza, a fome, a desigualdade”, reforçou, apontando que com desmonte do SUS, SUAS e SISAN, a fome volta a fazer parte da agenda brasileira.
“E além disso, eu gostaria de apresentar outras três dimensões: a gente não vai conseguir enfrentar a fome, a pobreza, a desigualdade, sem combater o racismo, o sexismo, que estão na raiz das nossas desigualdades no Brasil, a gente não vai conseguir enfrentar a fome e a desigualdade se não retomar a participação da sociedade civil e se não acabar com o teto de gastos”, finalizou.
Relatório preliminar
Relatório preliminar sobre as 12 recomendações voltadas à promoção do trabalho e à redução da pobreza e desigualdade, indicou sete como não cumpridas, quatro em retrocesso e em uma das recomendações foi verificado avanço.
O documento aponta que o cumprimento das recomendações foi impactado pelo contexto de crise e de mudança na estratégia de desenvolvimento econômico e social no Brasil. Os indicadores avaliados mostram descontinuidade da atuação governamental em direção a menor desigualdade e a maiores ganhos para trabalhadores, especialmente os mais pobres.
Segundo o relatório, o auxílio emergencial evitou que milhões de brasileiros mergulhassem na mais absoluta miséria. Com o fim do benefício, é provável que as taxas de pobreza assumam patamares maiores que os observados antes do início da pandemia de Covid-19.
Além disso, o Novo Regime Fiscal (teto de gastos) impede a necessária expansão da cobertura e transferência de renda do Bolsa Família, sobretudo no contexto pós-pandemia. O documento apontou ainda que mais de 1,3 milhão de famílias elegíveis aos benefícios do programa permaneceram meses ou anos sem acessar as transferências de renda, o que as expôs ao risco de insegurança alimentar.
A avaliação do relatório é de que a pobreza será agravada pelo fim do auxílio, pelo alto índice de desemprego e pela disparada da inflação, que se aproxima da casa de 2 dígitos e vem corroendo o poder de compra da renda das famílias mais pobres.
Fábia Pessoa/CDHM