O curto caminho de volta ao Mapa da Fome
Agora, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) o Brasil está voltando ao Mapa da Fome. Um caminho contrário ao anterior. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), do IBGE, entre 2016 e 2017, a pobreza da população passou de 25,7% para 26,5%. Já os extremamente pobres, que vivem com menos de R$ 140 mensais, pela definição do Banco Mundial, saltaram de 6,6%, em 2016, para 7,4%, em 2017.
Essa situação e a volta da insegurança alimentar ao país foram debatidas nesta quinta-feira (25) na audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM).
Representantes do extinto Consea, FAO, conselhos estaduais de nutrição e parlamentares e Ministério Público discutiram como reverter esse quadro.
“A extinção do Consea fragiliza o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Essa lei é muito importante para o cumprimento do direito humano à alimentação adequada, que também está na Constituição e em pactos internacionais dos quais o Brasil faz parte”, explica Helder Salomão (PT/ES) presidente da CDHM.
A ponta do iceberg
A ex-presidente do Consea, Elisabetta Recine, confirma que desde a data de extinção todas as atividades foram suspensas. Nem mesmo a Conferência Nacional de Segurança Alimentar, realizada há 6 anos, deve acontecer.
“Acabar com a fome não é oferecer qualquer tipo de comida. Tem que oferecer alimentos produzidos de maneira limpa, justa, promovendo o desenvolvimento econômico e social. A fome é a ponta de um iceberg de violações de direitos”, explica Elisabetta.
Ela lembra que o Consea reunia indígenas, população urbana, povos tradicionais, representantes da saúde, cadeia de produção e agricultores familiares. Isso, para Elisabetta, era o retrato da sociedade brasileira.
“O Consea promovia e forçava o diálogo entre setores. Era uma estratégia intersetorial. Sempre trabalhamos orientados e dirigidos pelos princípios dos direitos humanos, prioridade aos mais vulneráveis, transparência e estado de direito. Esse é o caminho para um país que quer a civilidade”, afirma.
Rafael Zavalla representante da FAO no Brasil, também diz que o Brasil mostrou que é possível erradicar a fome e a miséria através dessas políticas públicas. “Recomendamos a aplicação do modelo do Consea no Conselho Mundial de Alimentação, é um modelo consolidado em plataformas globais”.
A medida provisória
A Medida Provisória 870, que reorganizou a estrutura de órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, já é alvo de audiências públicas no Congresso. Entre outras iniciativas, reduziu de 29 para 22 o número de órgãos com status ministerial.
“Hoje, há uma compreensão no direito internacional e no Supremo Tribunal Federal, que existe a dimensão material, mas também a organizacional quanto aos direitos humanos. Prever um direito, ter esse direito garantido e não ter estrutura mínima do Estado para executar, não é correto”, afirma Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão.
Para Duprat o país está diante de uma luta contra a discriminação e desigualdade, tendo como centro a luta contra a fome.
“Tínhamos uma estrutura reconhecida mundo afora de combate à fome. Por conta dessa política o Brasil saiu do Mapa da Fome e a Organização das Nações Unidas estimula países em situação semelhante a usaram o nosso modelo. Porém, o baixo investimento em políticas públicas, a reforma trabalhista e a provável reforma da previdência podem aumentar a população em situação de risco”, ressalta Duprat.
Para Frei Anastácio (PT/PB) o Congresso tem grande responsabilidade para tentar barrar a medida provisória. “É uma medida criminosa. Precisamos organizar trabalhadores e trabalhadoras para organizar uma luta de resistência. Sou nordestino, onde 70 por cento da área estão no Semiárido. Por causa de políticas públicas anteriores, milhares de famílias de assentados colocavam a sua produção para alimentar a periferia das cidades”.
Nadison Batista, do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional também fala dos benefícios das políticas de segurança alimentar para a população do Nordeste. Para ele, os ricos têm políticas e os pobres projetos, “porque um dia acaba”.
“Com o Consea levamos mais de um milhão de cisternas para escolas e famílias. Com a água, os camponeses entraram nos Programas de Aquisição de Alimentos e no de Alimentação Escolar. E essa experiência das cisternas já levamos para a Guatemala e regiões de seca na África”, informa Nadison.
Reforçar as bases
Padre João (PT/MG) solicitou a realização da audiência pública e levanta formas para que a segurança alimentar seja mantida.
“Se perdermos o Consea não teremos interlocução da sociedade civil com o Executivo para as políticas públicas de combate à fome. Também precisamos de uma estratégia para reforçar os conselhos nos estados e municípios, para que não sejam extintos também. Como vimos exemplos aqui, tem criança que chora na sexta quando sai da escola porque só vai comer de novo na segunda, quando voltar”, observa Padre João.
Também participaram do encontro Valéria Burity da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, Gulnar Azevedo da Associação Brasileira de Pós- Graduação em Saúde Coletiva e Kátia Maia da Oxfam Brasil.
O ministro da Cidadania Osmar Terra foi convidado, mas não compareceu por motivos de agenda.
Pedro Calvi / CDHM
Fonte: IBGE