O Brasil na CDHM: a participação no primeiro semestre

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) fez, durante o primeiro semestre de 2019, 31 audiências públicas, 8 reuniões deliberativas e 2 diligências. O programa de trabalho foi desenhado a partir de um encontro, em março, com lideranças dos movimentos sociais. Confira alguns dos principais temas tratados no semestre.
15/07/2019 17h50

Arte : Fernando Bola

O Brasil na CDHM: a participação no primeiro semestre

Devido processo legal

A CDHM trouxe o jornalista Glenn Greenwald e o ministro da Justiça, Sergio Moro, para tratar das mensagens publicadas no site de notícias Intercept Brasil. “Como um juiz estava colaborando, não às vezes, mas o tempo todo, durante cinco anos, com um dos lados que estava julgando? Em qualquer país democrático ele teria punição, perderia o cargo e seria proibido de exercer o cargo para sempre. O juiz que diz que você é culpado estava o tempo todo ajudando a construir as acusações que ele estava julgando. Ele era o chefe da Lava Jato”, disse Greenwald. “Alguém com muitos recursos está por trás desses procedimentos. É um expediente de contrainteligência, um grupo criminoso. Não fui consultado sobre a divulgação das reportagens. Não reconheço essas mensagens, podem até ser minhas, terem sido adulteradas parcialmente ou totalmente”, ponderou Moro.

O procurador da República Deltan Dallagnol recusou o convite para uma audiência pública.

Ministros

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, esteve na CDHM para discutir a paralisação e o esvaziamento dos conselhos e comissões ligados ao governo federal. A ministra negou qualquer tipo de paralisação nas atividades dos conselhos. No dia seguinte, o governo extinguiu todos os conselhos.

Em junho, 39 quilos de cocaína foram apreendidos em um avião da FAB que fazia parte de uma missão do governo federal ao Japão. A CDHM ouviu representantes Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), da FAB e do Ministério da Defesa. O general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ministro do GSI, afirmou que “isso não acontecerá de novo, as medidas de prevenção serão reforçadas”.

O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, falou sobre o decreto 9.785/2019, que flexibiliza o porte de armas. O presidente da CDHM disse ao ministro que, com Decreto, “o governo  transfere para o cidadão comum a responsabilidade pela sua própria segurança. Consideramos que esse decreto é um atentado à vida no nosso país”.

Quilombolas

A situação das comunidades que vivem em Alcântara é acompanhada de perto. Além da audiência pública com o ministro Marcos Pontes, a CDHM fez diligência ao local e audiência pública reunindo todos os envolvidos. Os quilombolas querem, antes de tudo, a titulação das terras aprovada pelo Incra em 2008. “Antes de qualquer discussão sobre o acordo com os Estados Unidos, queremos a titulação dos nossos territórios, onde estamos há 300 anos. Como vai ser o passo a passo deste projeto, como ele vai acontecer? E isso tem nome, é racismo institucional estrutural contra negros, indígenas, quilombolas, qualquer população tradicional deste país”. A afirmação é de Célia da Silva Pinto, Coordenadora Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas. As Forças Armadas negam que haverá expansão do CLA, apenas “consolidação”.  O Ministério Público Federal e a CDHM devem articular um movimento para garantir os direitos dos quilombolas que habitam a região.

Já o ministro Marcos Cesar Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, trouxe explicações sobre o acordo entre o Brasil e Estados Unidos para uso comercial do Centro de Lançamentos de Alcântara (MA). “Discutir antes vai atrasar o cronograma, aprovar antes daria uma base sólida para ir adiante e resolver todas as questões”, insistiu o ministro. 

Indígenas

A medida provisória do governo federal que passava para o Ministério da Agricultura a demarcação de terras indígenas e a Funai para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foi pauta de reuniões e audiências públicas. “O genocídio indígena do tempo da monarquia continua. Passou pelo projeto integracionista criado em 1910 do presidente Nilo Peçanha, com o nome de Serviço de Proteção ao Índio, que pretendia aculturar os índios sob o pretexto de integrar, aí veio a Funai em 1967 e hoje querem levar de volta os indígenas para o Ministério da Agricultura”, disse Antônio Bigonha, coordenador da 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República. A MP não passou no Congresso Nacional. “Se a gente é perseguido, nossa alma fica presa”, afirmou Clara Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul.

LGBTI+

Em junho a CDHM aprovou o PL 7582/2017, de Maria do Rosário (PT/RS), que define crimes de ódio e intolerância. O relatório, de Carlos Veras (PT/PE), prevê aumento de pena para homicídio e lesão corporal, cria injúria qualificada e tipifica a discriminação. No mesmo mês, foi promovido o Seminário "Memória, Verdade e Justiça - 50 Anos de luta LGBTI+".

Direitos das mulheres

O desrespeito a direitos fundamentais das mulheres em várias situações, como a violência doméstica, a violência obstétrica e a situação das mães e mulheres encarceradas foi pauta da CDHM. A cada 11 minutos uma mulher é estuprada no país, e o Brasil tem a 5ª maior taxa de feminicídio do mundo. A cada duas horas uma mulher é assassinada no país, a maioria mortas por seus companheiros ou por parentes próximos.

Brumadinho

A situação das famílias das vítimas do rompimento da Barragem de Brumadinho trouxe especialistas para um debate. Na tragédia, 243 pessoas morreram e 23 continuam desaparecidas. “As grandes mineradoras, como a Vale, usam o sistema de automonitoramento, escolhem as empresas que monitoram e pagam por isso. Em Minas Gerais, tanto em Brumadinho como em Mariana os auditores disseram que as barragens estavam estáveis e elas caíram. Há anos os auditores fazem as mesmas recomendações e nada acontece”, afirmou Bruno Milanez, pesquisador da Universidade de Juiz de Fora (UFJF).

Água e comida saudáveis

No primeiro semestre o governo federal apresentou, pela segunda vez, uma medida provisória que previa privatizar os serviços de abastecimento de água e esgoto. Trabalhadores, juristas e representantes da sociedade civil se reuniram em seminários em Santa Catarina, Bahia, Rio de Janeiro e Brasília. Marcos Montenegro, do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento considerou que água e tratamento sanitário não podem ser tratados como mercadoria. “Isso é um ataque aos direitos humanos, é uma medida nefasta”. A MP foi aprovada no Senado, seguirá para o plenário da Câmara e depois retornará para o plenário do Senado.

Entre os conselhos com participação da sociedade civil extintos pela administração federal está o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea). De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o Brasil está voltando ao Mapa da Fome. “Acabar com a fome não é oferecer qualquer tipo de comida. Tem que oferecer alimentos produzidos de maneira limpa, justa, promovendo o desenvolvimento econômico e social. A fome é a ponta de um iceberg de violações de direitos”, explicou a ex-presidente do Consea, Elisabetta Recine,

Em outro encontro, foi discutido o estudo “Por Trás do Alimento”, feito pelas organizações Agência Pública, Repórter Brasil e Public Eye. O  trabalho revelou que foram encontrados resíduos de agrotóxicos nas águas consumidas por moradores de 1.300 cidades brasileiras, uma mistura de 27 produtos químicos, alguns classificados pela Anvisa como extremamente ou altamente tóxicos e até associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, disfunções hormonais e reprodutivas.

Sistema carcerário

Pela segunda vez, a CDHM fez diligência pública para avaliar a situação dos presídios em Manaus (AM). Em 2017, ocorreram 67 mortes dentro de unidades prisionais. Até o momento, em 2019, foram 55 presos assassinados.  A diligência esteve nos dois presídios com maior número de mortos, Compaj e Ipat, encontrou-se com familiares das vítimas e sobreviventes, e também com o Ministério Público do Amazonas. Participaram representantes do Governo do Estado, da empresa Umanizzare, Defensoria Pública e Ministério Público. Celas projetadas para até oito pessoas abrigam entre 28 e até 60 presos, conforme denúncia recebida pela Comissão. O relatório final da diligência está disponível na página oficial da CDHM no site da Câmara dos Deputados.

Crimes contra comunicadores

Em audiência pública, parlamentares e jornalistas pediram a federalização de crimes contra trabalhadores da comunicação. “A partir do momento que o próprio jornalista tem medo da sua integridade, teme pela sua vida, perde-se um pilar da democracia. Lideranças sociais, políticas e econômicas têm responsabilidade por esse tempo de polarização que estamos vivendo, não estamos ouvindo o diferente”, ponderou o jornalista Leonardo Sakamoto.

Saúde

Microcefalia, a política nacional de drogas, saúde mental, hanseníase e autismo foram temas discutidos nestes primeiros meses de trabalho.  Ana Beatriz de Souza, coordenadora do Grupo Neurodiversos da Casa da Esperança de Fortaleza e administradora da página Vida no Espectro, explica que, para os autistas, o processo de formação da identidade funciona da mesma forma que para qualquer outra pessoa: “Se a pessoa tem vergonha, escondida, têm uma identidade negativa. Isso provoca depressão e até suicídio. Quem se identifica, se assume como autista, quer seus direitos, mas não milita. A Identidade politizada participa dos movimentos e luta pelos direitos dela e dos outros, e essa é formada através da convivência em grupo”.

Estas informações e todas as demais atividades da Comissão de Direitos Humanos e Minorias estão disponíveis em https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm e também na página oficial da CDHM no Facebook, com fotos e vídeos.

Pedro Calvi / CDHM