Nova Comissão discutirá proibição de castigos físicos em crianças
Fonte: Lara Haje (Jornal da Câmara)
A presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputada Manuela d’Ávila (PCdoB- RS), informou que a Câmara vai instalar na semana que vem uma comissão especial para discutir o Projeto de Lei 7672/10, do Poder Executivo, que estabelece o direito de a criança e o adolescente serem educados e cuidados sem o uso de qualquer forma de violência, castigo cruel ou humilhante. A declaração foi dada no Seminário sobre Experiências de Legislação Contra Castigos Corporais de Crianças e Adolescentes, promovido ontem pela comissão e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com a Embaixada da Suécia em Brasília e a organização Save the Children Suécia. A deputada lembrou que o Estado já interferiu nos ambientes privados, de forma acertada, ao proibir a violência doméstica do homem contra a mulher. “Famílias se estruturam na sociedade em torno da violência física”, disse. Segundo d’Ávila, o Estado deve procurar coibir isso e estimular a paz nas estruturas familiares. A vice-presidente do Senado, Marta Suplicy (PT-SP), o coordenador da Frente Parlamentar da Primeira Infância, deputado Osmar Terra (PMDB-RS), e a coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes, deputada Liliam Sá (PRRJ), também defenderam a aprovação do PL 7672/10 pela Câmara. “O projeto causa polêmica, já que muitos dizem que o Estado não deve interferir na educação intrafamiliar das crianças. Contudo, é preciso que criemos uma cultura de paz em nossos lares. O que educa não é a palmada, mas o amor que os pais têm em relação a seus filhos”, argumentou Liliam Sá. Responsabilização - A deputada Erika Kokay (PT-DF), também presente no evento, destacou que o projeto não é centrado na punição de pais e responsáveis, mas na construção de uma rede de proteção à criança e ao adolescente. Ela explicou que as medidas de responsabilização contidas na proposta já estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8069/90). “A proposta prevê a construção de uma rede de apoio às crianças e aos adolescentes e também aos pais e responsáveis.” A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, também acredita que o castigo físico não deve ser considerado prática pedagógica. “Nós, pais e mães, precisamos parar nossos afazeres diários para olhar nossos filhos nos olhos e dizer não”, completou. Chinelada - Já o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) rejeitou o que chamou de “a lei das palmadas”. “Nenhum pai tem prazer de dar uma chinelada no seu filho”, disse. “Queremos educar nossas crianças. Nossa educação vai piorar e muito com a proposta.” Segundo ele, o projeto, que prevê um disque-denúncia, vai permitir que crianças façam chantagem com seus pais. Bolsonaro criticou o fato de representantes da Suécia fazerem recomendações sobre a educação brasileira.
Rainha da Suécia e Xuxa defendem proposta A rainha Silvia, da Suécia, e a apresentadora Xuxa Meneghel, porta-voz da Rede Não Bata, Eduque, defenderam a aprovação do PL 7672/10. Ontem, no seminário, a apresentadora um apelo para que os casos de violência doméstica contra crianças sejam denunciados, antes mesmo da aprovação do projeto. Xuxa citou pesquisa segundo a qual 70% das crianças que vivem nas ruas estão nessa condição porque foram vítimas de violência ou maus-tratos em casa. Para ela, a criança que assiste a violência em casa e recebe castigos pode se tornar violenta. Caso sueco - A rainha Silvia destacou que os castigos corporais em crianças são grave violação aos direitos humanos fundamentais e não se justificam na infância ou em qualquer idade. “Os castigos físicos têm efeitos devastadores e abrem espaço para outras formas de violência, como abuso sexual”, disse a rainha, que também discutiu a política de assistência às crianças no Brasil e na Suécia com a presidente em exercício da Câmara, deputada Rose de Freitas. Em julho de 2009, a Suécia completou 30 anos da abolição do castigo físico, tendo sido o primeiro país do mundo a aprovar legislação desse tipo. Desde 1990, o percentual de crianças em idade pré-escolar que recebem palmadas caiu de mais de 90% para cerca de 10%. Ao mesmo tempo, diminuiu de mais de 50% para quase 10% o número de pais que defendem o castigo físico. Conscientização - A integrante do Parlamento sueco Ulrika Carlsson defendeu que a proteção à infância esteja no centro das políticas públicas estatais. Segundo ela, a aprovação da lei contra castigos físicos é um passo essencial, mas não é o suficiente. O professor Staffan Janson, da Universidade de Karlstad, na Suécia, afirmou que há anos o país não registra nenhum caso de violência contra criança que tenha levado à morte. Para ele, isso é resultado tanto da legislação que proíbe castigos físicos quanto do trabalho de conscientização feito pelo governo. Uruguai - A deputada uruguaia Berta Sanseverino informou que a legislação local proíbe pais, responsáveis e toda a pessoa que lide com crianças e adolescentes de utilizar castigos físicos ou qualquer outra forma de tratamento humilhante, garantindo a integridade física e psíquica deles. “O objetivo da lei não é penalizar os pais e responsáveis, mas facilitar a mudança cultural no modelo de criação de crianças e adolescentes.”
Brasil pode ser 30º país a adotar medida
A representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Violência contra Crianças, Marta Santos Pais, e o professor Paulo Sergio Pinheiro, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), manifestaram o apoio das entidades à proibição de castigos corporais em crianças.
A representante da ONU destacou que, caso aprove a lei, o Brasil será o 30º país a ter essa legislação no mundo, e o 4º na América Latina. Costa Rica, Venezuela e Uruguai já adotam a medida.
Segundo Marta Pais, o Brasil abriu portas, na América Latina, ao aprovar uma legislação que protege a criança e o adolescente – o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90). “A proibição dos castigos físicos pode reafirmar e consolidar a liderança brasileira nessa área.”
Ela afirmou ainda que um estudo recente do Unicef em diversos países do hemisfério sul apontou que pelo menos 80% das crianças sofrem todos os anos alguma forma de violência, física ou psicológica. Por outro lado, cerca de 90% dos pais acreditam que a violência não seja necessária para garantir uma boa educação.
Para Paulo Sergio Pinheiro, a aprovação do projeto será sinal de consolidação da democracia. Ele defendeu o texto elaborado pelo Poder Executivo (PL 7672/10). “Muitas emendas ao projeto podem desfigurar a proposta, que já é muita boa.”