Nota pública do presidente da CDHM em defesa do ensino democrático

Em resposta a dois episódios de cerceamento do trabalho de professores devido aos conteúdos que trabalhavam com seus alunos - diversidade sexual e as ideias de Karl Marx - o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias publica nota em defesa do livre exercício da docência, previsto na legislação brasileira.
11/07/2016 18h15

NOTA PÚBLICA

Recentemente, mais dois episódios de cerceamento ao exercício da docência consumaram-se no Brasil. A professora de sociologia Gabriela Viola, da rede de ensino público do estado do Paraná, foi afastada da escola em que lecionava. A justificativa foi a de que ela teria difamado a instituição de ensino. Tal difamação, entretanto, consiste tão somente na abordagem das ideias de Karl Marx em sala de aula. No Distrito Federal, uma deputada distrital pediu “providências legais” contra o professor Deneir, que teria pedido um trabalho sobre homofobia, transexualidade, poliamor, pansexualidade e integração entre gêneros para os alunos do segundo ano do Ensino Médio de uma escola pública do DF.

Um processo de perseguição aos profissionais da educação no Brasil parece ter se iniciado e estar crescendo rapidamente. Cumprir com determinados aspectos das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos – como a laicidade do Estado e a abordagem do respeito e valorização das diversidades (Art. 3°, III, IV) –, é motivo de suspeita. Seguir o currículo escolar que, para o Ensino Médio, prevê a abordagem das ideias de Karl Marx tanto na Filosofia quanto na Sociologia, também.

A acusação é a de que abordar esses conteúdos faria parte de um plano maior de doutrinação ideológica de esquerda nas escolas. A perseguição se concretiza, geralmente, através das notificações extrajudiciais ou do afastamento do (a) professor (a) de seu cargo.

As ideias de Marx – além de previstas no currículo escolar – não são tratadas isoladamente nas escolas. Elas devem ser estudadas para a compreensão da economia do século XIX e para entender as relações entre seres humanos e trabalho naquele contexto. Isso é feito contrastando seu pensamento com o de outros teóricos do tema, como Émile Durkheim e Max Weber.

A abordagem do respeito e valorização da diversidade nas escolas, por sua vez, que compreende o combate à discriminação de gênero, orientação sexual, raça, classe, etnia, etc., perpassa todas as diretrizes e planos nacionais de educação recentes, além de estar presente em outros dispositivos da Constituição, como na Lei Maria da Penha (artigo 8º, inciso IX). O intuito de tratar desses temas é promover uma cultura de direitos humanos que busque mudar a realidade cotidiana de assassinatos, agressões e alijamento de direitos vivida pelas minorias políticas brasileiras.

Tratar desses conteúdos na escola, portanto, é cumprir a Constituição, as diretrizes nacionais de educação e os conteúdos previstos no currículo escolar. O afastamento de professores e as notificações extrajudiciais por essas motivações são ilegais. Eles visam impedir o exercício das próprias prerrogativas da docência – que preveem o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, o respeito à liberdade e apreço à tolerância (Lei nº 9.394/96, art. 3º, incisos III e IV) e violam a liberdade de expressão desses profissionais.

Além disso, uma educação democrática – que supera a instrumentalização do ensino para o mercado e visa formar seres humanos sujeitos de sua história e trajetória –, é coerente com os princípios elaborados por Paulo Freire, um pedagogo mundialmente reconhecido por suas ideias. Essa educação deve permitir que as pessoas participem ativamente do mundo que as cerca. Deve, portanto, ser comprometida com a desconstrução de todas as estruturas de opressão e discriminação que impedem certos grupos de vivenciar isso.

Não podemos permitir que a ignorância passe a nortear os rumos da educação brasileira e justifique práticas ilegais e persecutórias contra os (as) professores (as). Repudiamos o afastamento da professora Gabriela Viola, o pedido de providências contra o professor Deneir, e quaisquer práticas guiadas pelos mesmos princípios. A democracia na educação é um valor fundamental a ser observado.

 

DEPUTADO PADRE JOÃO

PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS