Nota Oficial - Comissão Pede Reconsideração sobre Processos por Aborto contra 10 Mil Mulheres
No ano 20 da promulgação da Constituição Federal de 1988 - a Constituição Cidadã - e quando se comemoram os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, vimos, alinhados com os pressupostos humanistas e avanços sociais desses diplomas, apelar para que seja reconsiderada e afastada a hipótese de indiciamento das 9.896 mulheres pela prática de crime de aborto, em Campo Grande-MS.
A decisão foi tomada pelo juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri do MS, Aloísio Pereira dos Santos, atendendo pedido do promotor estadual de Justiça Paulo César dos Passos, o qual solicitou investigação à delegada Regina Rodrigues da Mota, da 1ª Delegacia Policial de Campo Grande. Segundo o juiz, as mulherers acusadas "são arroladas em procedimentos abortivos considerados crimes, ocorridos entre 1º de agosto de 1999 e 2001, que devem ser qualificadas, interrogadas e, logicamente, se culpadas, indiciadas. A pressa é para evitar a prescrição do delito, que ocorre em oito anos".
Além de inusitada, a hipótese de condenação coletiva é profundamente injusta. Se consideramos que essas mulheres não engravidaram sozinhas, porque apenas elas, a médica Neide Mota Machado, proprietária da Clínica de Planejamento Familiar, foram arroladas no processo?
Seu caráter é flagrantemente discriminatório, pois se está a criminalizar o gênero e não as pessoas. Indiciamento e processamento judicial coletivo, sem o necessário exame das razões e características de que se revestem cada um dos milhares de casos, é um aberração jurídica.
Chama a atenção a inoportunidade, pois tal emprego dessa legislação punitiva e anacrônica para criminalizar as mulheres, ocorre num momento em que o tema da descriminalização do aborto está em discussão na sociedade e no Congresso Nacional.
O possível indiciamento dessas 10 mil mulheres representa cerca de 40% de toda a população feminina cumprindo pena em todo o território nacional (25 mil mulheres). Nem mesmo nos anos de ditadura militar, o Brasil registrou ação penal dirigida dessa magnitude. Onde obter celas ou mesmo entidades preparadas para prestação de penas alternativas para tal contingente ?
Todos sabem que a criminalização do aborto tem sido ineficaz para impedir sua prática. Hoje, o aborto só é permitido em casos de gravidez decorrente de estupro ou em risco de vida para a mãe. Mas, devido ao proibicionismo, estima-se em 1,5 milhão os procedimentos realizados a cada ano de forma insegura. A prática do aborto deve ser examinada à luz dos princípios constitucionais e do bom senso, no âmbito das políticas de saúde pública e de cidadania. Tendo como premissa que o direito à reprodução O Brasil já assumiu compromissos internacionais de revisar a legislação que criminaliza o aborto e condena milhares de mulheres à morte, a exemplo da Declaração da Conferência do Cairo (1994), da Plataforma de Beijing (1995) e da Convenção de Belém do Pará (1995). Em âmbito nacional, essa revisão também é uma das políticas aprovadas na I e na II Conferência de Política para as Mulheres realizadas respectivamente em 2004 e 2007.
No dia 6 de maio teremos, como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, uma reunião com a ministra da Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, em busca de ações que agilizem o tratamento institucional dos temas relacionados à agenda social de gênero, incluindo as matérias em tramitação no Congresso Nacional.
Por fim, conclamos os parlamentares a revisar a legislação punitiva para que ela esteja em conformidade como os principios constitucionais da dignidade, autonomia e direito à saúde reprodutiva das mulheres.
Brasília, 30 de abril de 2008
Deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS)
Presidente