Mulheres indígenas denunciam violências vivenciadas
As Comissões de Direitos Humanos e Minorias e de Defesa dos Direitos da Mulher realizaram nesta quinta-feira (9) audiência pública com o objetivo de debater as violações e violências vivenciadas por mulheres indígenas no Brasil.
A audiência foi presidida pela deputada Joenia Wapichana (REDE/RR), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e primeira mulher indígena eleita para a Câmara Federal. Joenia lembrou que a população indígena do Brasil é formada por 305 povos, aproximadamente 900 mil pessoas, sendo 448 mil mulheres, que historicamente atuam em defesa de seus territórios e contra toda vulnerabilização das políticas indigenista e ambiental.
Joenia ressaltou a ausência de dados específicos que abordem a violência contra a mulher indígena, o que impossibilita a formulação de políticas públicas efetivas.
Participantes reforçaram a importância da questão territorial para a identidade indígena e manifestaram preocupação com iniciativas legislativas que podem impactar negativamente os direitos dos povos indígenas, como os projetos de lei 490 e 191, além do Projeto de Decreto Legislativo, cujo objetivo é retirar o Brasil da Convenção 169 da OIT, que trata da consulta prévia. Cerca de 4000 mil mulheres indígenas estão em Brasília para participar de agendas que compõem a Marcha Nacional de Mulheres Indígenas.Elas também desejaram força a deputada Joenia Wapichana e afirmaram que ela sim representa os povos indígenas.
As mulheres indígenas também cobraram a investigação e respostas para os assassinatos de Daiane Griá, do povo Kaingang, de 14 anos, e Raissa Silva, de 11 anos, do povo Guarani Kaiowá.
Maria Betania Mota de Jesus, Secretária do Movimento de Mulheres Indígenas (CIR/UMIAB), destacou que as mulheres são fundamentais na luta em defesa dos direitos indígenas, e que os territórios estão diretamente ligados à identidade dos povos.
Ela, que é do povo Macuxi, em Roraima, explicou que a violência alcança as mulheres indígenas de muitas formas: ameaças, estupros, assassinatos, invasões de territórios. E destacou que a luta das mulheres indígenas é uma luta pela humanidade.
“Nós defendemos a nossa mãe terra não só para nós, mas para o mundo. Pelo nosso bem viver, pela nossa soberania, pela nossa autonomia enquanto povo. Os nossos territórios estão clamando por socorro. Nós, mulheres, estamos na linha de frente, ao lado das nossas lideranças. A mãe terra é sagrada para nós”, afirmou.
Para Alessandra Munduruku, da Associação das Mulheres Munduruku e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), as grandes economias também são cúmplices no cenário de violações aos direitos dos povos indígenas. “Os países da Ásia, da Europa são culpados por essa violações também, porque compram a soja, os minérios, gado, madeira e isso vem de sangue indígena”.
Alessandra ainda apontou a importância dos povos indígenas para a preservação climática do planeta. “Nós fazemos tudo de graça, em troca de nada. A única coisa que nós queremos é viver em paz, infelizmente nós não temos isso, o que temos é violência”.
Elisângela Baré, representante da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), afirmou que as mulheres indígenas já marcham há mais de 521 anos.
“Nós, mulheres indígenas, somos biomas desse Brasil, estamos na luta e na resistência contra a violência doméstica, contra a invasão dos nossos territórios, contra todas as atrocidades que vêm atingindo os povos originários. Nós precisamos ser ouvidas. Vocês não querem respirar, não querem água? Vocês não querem ar puro? Nós, mulheres indígenas, fazemos isso pelo coletivo, Nós estamos aqui com o propósito de reflorestar a mente dos humanos”, afirmou.
Baré contou ainda que as comunidades trabalham na gestão territorial do próprio território e com base em um desenvolvimento sustentável, mas lamentou o aumento da violência doméstica causado nos territórios em razão da pandemia.
“O fogo e a bala não vão nos calar. A gente vai continuar a lutar porque é a vida do nosso filho que está em jogo. Nós sabemos desenvolver o nosso território, jamais a gente vai trocar o nosso desenvolvimento pelo desenvolvimento que eles querem, barragem, ferrovia, hidrovia, mineração, destruir tudo”, afirmou Maria Leusa, do povo Munduruku, que chegou a ter sua casa invadida.
Mulheres-biomas
A procuradora Márcia Brandão Zollinger, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, apontou as múltiplas violações vivenciadas por mulheres indígenas, como a discriminação e o racismo, e comentou que iniciativas legislativas podem contribuir ainda mais com o cenário de violação de direitos dos povos indígenas, como os PLs 490 e o 191,l e o PDL 177, que tem como objetivo autorizar o presidente a denunciar a convenção 169 da OIT.
“A gente deveria estar fazendo o contrário, deveria estar garantindo a todos os povos indígenas que eles fossem consultados a respeito de todos esses projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados, pois diz a convenção 169 da OIT que qualquer medida legislativa que possa impactar povos indígenas devem ter o procedimento de consulta prévia, livre e informada, visando o consentimento desses povos por meio das suas instituições representativas”, disse.
“As mulheres indígenas sofrem duas vezes o racismo e a discriminação, em razão da sua identidade étnica e da questão do gênero. As mulheres indígenas carregam no seu corpo essa sobreposição de sistemas de opressão, de dominação e de discriminação”.
“Elas resistem e não se curvam jamais a essas violações de direitos que lhes são impostas e a vida e a existência dessas mulheres é a prova de que todas as violências das colonialidades no passado e de agora não conseguiram derrotá-las. Essas mulheres, com sua vida e seus corpos, demonstram o sucesso dessa estratégia de enraizamento dessas mulheres-biomas nos seus solos, nos seus territórios”, afirmou a procuradora sobre as mulheres indígenas.
Múltiplas violências
Anastasia Divinskaya, representante da ONU Mulheres Brasil, apontou que mulheres que defendem o direito à terra, como as indígenas, correm ainda mais riscos e estão expostas a múltiplas violências.
“As violações de direitos humanos sofridas por mulheres e meninas indígenas devem ser vistas no contexto do amplo espectro de violações dos direitos humanos, devido às suas vulnerabilidades como membros das comunidades indígenas. Os abusos e violações são alarmantes e constituem uma violência estrutural”, apontou a representante da ONU, defendendo uma abordagem multidimensional.
“É fundamental que as mulheres indígenas tenham a possibilidade de afirmar sua autonomia e o papel que desempenham nas comunidades. Portanto, o empoderamento das mulheres indígenas não deve ser considerado um fator de desintegração de sua cultura, ou interpretado como imposição de direitos individuais sobre direitos coletivos”.
Parlamentares
A deputada Vivi Reis (PSOL/PA) celebrou a presença de tantas mulheres indígenas na Câmara dos Deputados e defendeu a necessidade de um parlamento mais diverso. “Que possamos ter muito mais mulheres indígenas em todos os lugares”, disse. Reis ainda questionou a demora do Governo para tirar os invasores das terras indígenas e a falta de prioridade dada a esses povos, representada na ausência de recursos do orçamento.
“O cocar veio antes da coroa, veio antes da farda, veio antes da faixa presidencial. Os povos indígenas foram vítimas de um colonialismo, um genocídio que os arrancou do seu próprio território. O marco temporal foi construído por aqueles que querem passar as boiadas nos territórios indígenas”, apontou a deputada Erika Kokay (PT/DF).
Fábia Pessoa/ CDHM