Mudanças na legislação podem promover avanço da agricultura familiar, afirmam palestrantes

Além da questão legislativa, o redesenho para ampliar o espaço da agricultura familiar no país requer redefinir diretrizes das políticas públicas para o setor, ampliar o compromisso com as reformas política e agrária, e mobilizar os agricultores para evitar o retrocesso das conquistas obtidas, afirmaram especialistas e membros do governo federal.
26/11/2014 19h24

Patricia Soransso

Mudanças na legislação podem promover avanço da agricultura familiar, afirmam palestrantes

Produtores da agricultura familiar acompanharam o Seminário promovido pela CDHM

“Se não avançarem as leis (do setor cooperativista), que são dos anos 70, vamos passar dificuldades nos próximos anos”, afirmou Luiz Possamai, presidente da União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias, no Seminário “Direito Humano à Alimentação Adequada e Agricultura Familiar: intervenções da sociedade civil e do Governo”, na manhã desta quarta-feira (26). O Seminário integra o evento “Câmara dos Deputados no Ano Internacional da Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena”, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias ao longo desta semana.

“Não tem lei cooperativista que nos reconheça”, complementou Possamai. O produtor e cooperativista lembrou que a legislação que dá as diretrizes da produção familiar é posterior às leis que estruturam a agricultura brasileira. Para ele, é preciso alterar a legislação mais antiga. Luiz Possamai lembrou ainda que é preciso regulamentar a Lei que estabelece diretrizes para a agricultura familiar (11.326/06), aprovada durante o governo Lula.

Julian Perez, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, afirmou que a tendência à concentração de mercado pelas grandes empresas da produção de sementes e processamento de alimentos pode ser revertida a partir da rediscussão da legislação. “Vivemos um totalitarismo na agricultura. O produtor familiar não encontra insumos, assistência técnica e tem dificuldades em comercializar seu produto”, advertiu.

O professor afirmou ser necessário promover um esforço parlamentar para rediscutir os PLs  em pauta no Congresso  que tratam da questão do abastecimento alimentar .

De acordo com o especialista, o sistema agroalimentar mundial produz alimentos suficientes para alimentar a população do planeta. Mas apontou paradoxos. “É um sistema que não alimenta, ou alimenta mal. No mundo, a cada oito pessoas, uma passa fome. No Brasil, mais de 50% da população está acima do peso.”

Iridiani Seibert, da Via Campesina, e Willian Matias, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), pediram maior compromisso dos parlamentares com as reformas estruturais do país, principalmente a reforma política e a reforma agrária.

“A reforma política é necessária para que possamos contar, no futuro, com um Congresso com representação proporcional maior da agricultura familiar”, afirmou Iridiani.

Para Írio Conti, representante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), as propostas legislativas contemplam diferentes pontos de vista e o Congresso é espaço para o diálogo. O palestrante advertiu para a necessidade de organização e mobilização dos agricultores familiares como forma de impedir retrocessos em conquistas alcançadas nas últimas décadas.

Írio Conti destacou ainda que a agricultura familiar hoje toma uma dimensão cultural, pois se tornou “estilo de vida” para uma grande quantidade de pessoas que a praticam.

Juliana Casemiro, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar, destacou a importância da agricultura familiar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, programa que atende 44 milhões de crianças e jovens no país. A Lei exige a aquisição de 30% dos alimentos produzidos pela agricultura familiar. Ela explicou que o Fórum defende a ampliação desse percentual. No entanto, existem municípios que nem mesmo atendem o mínimo. “Existem barreiras para a compra, como (a exigência de) documentos, assistência técnica e uma legislação sanitária pensada para (a estrutura) de grandes empresas.”

Representantes do Governo

Lilian Rahal, da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar do Ministério de Desenvolvimento Social, elencou duas outras formas de aquisição alimentar pelo governo federal, além do Programa Nacional de Alimentação Escolar: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Compra Institucional, por meio de cestas de alimentos e compras diretas.  

João Marcelo Intini, diretor de política agrícola da Conab, disse ser preciso redesenhar a arquitetura de políticas públicas do governo federal de enfrentamento da pobreza e pela segurança alimentar. “Temos outra sociedade hoje, diferente daquela de doze anos atrás. É preciso rever a questão do abastecimento, repensar o Programa de Aquisição de Alimentos, rever processos e formas de relacionamento.”

Rosana Miranda, do Ministério das Relações Exteriores, destacou o reconhecimento internacional obtido pela agricultura familiar neste ano que a celebra.  A diplomata lembrou sobre o que falou o papa Francisco aos delegados de 172 países participantes da Conferência Internacional sobre Nutrição, realizada em Roma. O papa afirmou que as questões alimentares estão sujeitas às manipulações econômicas. Pediu tratamento da alimentação e da nutrição como questões públicas globais. O pontífice disse que a luta contra a fome e pelo alimento como direito vem sendo derrotada pela prioridade dada ao mercado e à proeminência do lucro, que reduziu a comida a algo que é comprado, vendido e sujeito a especulação.  

Educação diferenciada

Um projeto educacional diferenciado para a formação técnica de jovens na agricultura familiar foi apresentado no Seminário. A Campanha Escola Família Agrícola – rede CEFAS utiliza a “pedagogia da alternância”, método criado na França, que busca solucionar a questão do ensino regular nas cidades, que pode levar os estudantes campesinos a repudiar a terra. A rede de EFAs no país permite aos jovens receber, de forma alternada, duas semanas de conhecimentos gerais e técnicas voltadas para a realidade agrícola na escola e duas semanas na propriedade rural.  O trabalho da rede CEFAS foi apresentado pelo seu representante Marco Antonio Geffer.