Ministro rejeita viés partidário em debate sobre cotas nas universidades

26/04/2006 13h50

Portal Minas de Fato

As discussões sobre cotas em universidades para alunos do ensino público e para negros e índios ainda travam oposições no Congresso. As comissões de Educação e Cultura; e de Direitos Humanos e Minorias promoveram ontem uma audiência pública para discutir o Projeto de Lei 73/99, da deputada Nice Lobão (PFL-MA), que estabelece um sistema de reserva de vagas para universidades públicas baseado no desempenho escolar dos alunos no ensino médio.

O substitutivo do deputado Carlos Abicalil (PT-MT) ao projeto original destina 50% das vagas para quem cursou o ensino médio em escolas públicas. Dentro desse percentual, haverá também reserva de vagas para alunos que se declararem negros ou índios em uma proporção igual à população de negros e indígenas em cada estado brasileiro. O substitutivo já foi aprovado pelas comissões de Educação e Cultura; de Direitos Humanos e Minorias; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

O projeto já poderia ter seguido para o Senado por ter sido aprovado pelas comissões. Mas um requerimento do deputado Alberto Goldman (PSDB-SP), aprovado pelo Plenário, solicitou que o projeto fosse discutido e votado por todos os deputados. "O requerimento teve o objetivo de trazer a discussão para o conjunto dos deputados, pois até agora ela aconteceu em grupos fechados", justificou o parlamentar.

A partir dos encontros, afirmou, os parlamentares poderão analisar qual é a situação atual e as experiências que já foram colocadas em prática. "Minha opinião só poderá ser dada depois que os especialistas, aqueles que lidam com essa questão no cotidiano das universidades, forem ouvidos", explicou.

O autor do substitutivo, deputado Carlos Abicalil, tem opinião contrária. "Não há ausência de discussão ou de juízo crítico sobre a proposta. Acreditamos que o único objetivo do recurso foi retardar a implementação da reserva de vagas", afirmou.

Segundo as pesquisas divulgadas, há apenas 2% de negros na população universitária, enquanto em Brasília, por exemplo, quase metade da população é negra. Outros dados revelam que 57,7% dos cidadãos negros têm renda inferior a R$ 1,5 mil por mês, enquanto somente 30% de brancos têm esse nível de renda. Na mesma linha, 20,4% de negros ganham acima de R$ 2,5 mil, enquanto entre os brancos o índice chega a 46,6%.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou ontem (25) que a opinião pública nem sempre é corretamente informada sobre a criação de cotas universitárias e que muitos tentam "partidarizar" um tema que não é partidário. "Não se trata de um debate entre progressistas e conservadores ou entre racistas e não-racistas", disse o ministro, ao participar de audiência pública das comissões de Educação e Cultura; e de Direitos Humanos e Minorias.

Haddad destacou que todos os partidos participaram na Câmara da discussão sobre a reserva de vagas no ensino superior. Ele lembrou que esse debate surge da constatação de que existem camadas da população historicamente prejudicadas no acesso à universidade e que necessitam de políticas de afirmação. O problema de exclusão de uma enorme parcela da população brasileira ao ensino superior existe e anteriormente não havia tido nenhuma discussão sobre o tema, ou mesmo algum projeto para trazer as camadas mais pobres à universidade.

Longe das disputas políticas, segundo o ministro da Educação, o presidente Lula já tinha a convicção do mérito da proposta criada pela deputada Nice Lobão (PFL-MA).

O líder do Psol, deputado Ivan Valente (SP), afirmou que o Projeto de Lei tem uma imensa simbologia, porque trabalha contra valores que perpetuam a desigualdade social e contra a "superioridade de uma elite que não tem projeto de Nação". Para ele, é preciso exigir a expansão do ensino superior público e a universalização do ensino básico, com a derrubada dos vetos do Poder Executivo ao Plano Nacional de Educação (PNE).

Atualmente, a Câmara analisa o substitutivo do deputado Carlos Abicalil (PT-MT) a essas propostas, que destina 50% das vagas de universidades federais para quem cursou o ensino médio em escolas públicas.

Com opiniões e análises da forma como o projeto deve ser aprovado, ganha novos adeptos e opositores. Enquanto especialista são procurados para satisfazer o discurso contrário ao percentual de cotas à população menos favorecida, alunos e professores fazem suas observações quanto à nova esperança de freqüentarem uma universidade.

O professor Valdélio Santos Silva, da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), disse que a reserva de vagas em universidades é o reconhecimento de que existe uma população discriminada socialmente por sua cor. Segundo ele, os três principais argumentos contrários à política de cotas já foram desmontados pelas experiências realizadas.

O primeiro deles é de que não existe racismo institucionalizado no Brasil, como houve nos Estados Unidos ou na África do Sul. O professor lembrou que, nesse caso, não é necessária a formalização ou legalização do racismo para comprovar a sua existência.

Silva disse que o segundo argumento, de que o sistema de cotas rebaixaria o nível das universidades, também não se comprovou. "Em muitos cursos a média das notas dos alunos que ingressaram por meio de cotas é superior à dos demais. A pontuação dos dois grupos no processo seletivo também é bastante equilibrada", afirma.

Ele também rejeitou o argumento de que o vestibular é uma boa medida para avaliar os estudantes. Na opinião de Silva, o vestibular beneficia os alunos de escolas particulares e de cursos pré-vestibulares, que oferecem um "adestramento específico" para aprová-los nos concursos.

"Estar no curso é muito mais que tirar notas boas. Além da felicidade que a minha entrada na universidade pública representou para a minha família - fui a primeira a ingressar em uma universidade pública - há um peso político nisso", destaca a jovem, beneficiada pelas cotas da UnB. "Há somente cinco gerações saímos da senzala. Estarmos aqui representa muito mais que darmos uma cor diferente à universidade, pois temos coisas a acrescentar com as nossas vivências e as dificuldades que enfrentamos para estar aqui", observa estudante de Ciências Sociais da UnB Gabriela Carvalho, 19 anos.

Haddad criticou as análises de "especialistas" que fazem projeções sobre a criação de cotas sem levar em conta o que já vem ocorrendo. Ele lembrou que 14 universidades federais já adotam políticas afirmativas e que não houve prejuízo acadêmico, perturbação da harmonia ou falta de diálogo pela introdução das medidas afirmativas.

O ministro também ressaltou que as ações não prevêem o fim do vestibular e de outros processos seletivos, mas pretendem acabar com as desigualdades nas seleções feitas atualmente.

Com informações da Agência Câmara