MENSAGEM DO PRESIDENTE DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS SOBRE AS CHACINAS EM CAMPINAS E MANAUS

Ainda era a madrugada do dia 1º de janeiro quando doze inocentes pessoas eram abatidas a tiros em plena festa de ano novo, na cidade de Campinas, São Paulo. Feminicida, o assassino matou sua ex-esposa, seu filho e familiares exaltando em carta premeditada o ódio ao feminismo, às mulheres, aos direitos humanos, à democracia. Matou a si próprio ao final da chacina, apesar da bravata de um de seus textos sobre o crime premeditado: "Não tenho medo de morrer ou ficar preso, na verdade já estou preso na angustia da injustiça, além do que eu preso, vou ter 3 alimentações completas, banho de sol, salário, não precisarei acordar cedo pra ir trabalhar, vou ter representantes dos direito humanos puxando meu saco, tbm não vou perder 5 meses do meu salário em impostos".
02/01/2017 16h25

Em Manaus, Amazonas, outra chacina produzida numa instituição do próprio Estado, sob as vistas omissas ou cúmplices de seus agentes e autoridades, matou entre 50 e 60 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). Dominados pelo crime organizado e entregues à própria sorte, bem distantes do figurino do assassino de Campinas e de comunicadores da cultura do ódio, os presos brasileiros continuam em 2017 vitimados por um sistema penal corrompido, injustoe violento, em que a tutela do Estado é ineficaz.                       

O que une o técnico de laboratório Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos, responsável pela morte de 12 pessoas na noite de Réveillon em Campinas, e parcela significativa e crescente da opinião pública brasileira? O discurso de ódio. O discurso que aponta que as hierarquias sociais, e que devem ser mantidas com violência se for preciso.

Talvez suas cartas fossem subscritas por milhares de pessoas que compartilham com ele a visão misógina sobre a luta por igualdade, que tratam de "vadias" todas as mulheres - da ex-esposa à ex-Presidenta da República –, que vociferam contra os direitos humanos, a política, as instituições democráticas, os direitos da criança e do adolescente. Sem identificação de autoria, é possível que suas cartas fossem publicadas, compartilhadas, retuitadas e divulgadas em redes sociais por outras pessoas que alçaram o "politicamente incorreto" a um patamar de respeitabilidade, ganhando manchetes de jornais e discursos em tribunas parlamentares.     

É preciso que se diga que os defensores de direitos humanos não “puxam saco” de criminosos, como afirma o homicida e suicida em sua carta, e tampouco defendem que criminosos não sejam punidos. Os ativistas de direitos humanos criticam, sim, a seletividade do sistema punitivo, que histórica e sistematicamente prende negros e pobres, e que deixa impunes membros de outras classes sociais. Os ativistas de direitos humanos criticam, sim, a punição criminal como resposta para injustiças sociais.

É preciso que se diga que o feminismo é um dos movimentos sociais mais significativos do século XX, e que se faz tão mais necessário quanto mulheres que buscam sua autonomia ou que ocupam posições de poder são vilipendiadas, física e simbolicamente. Ou são eliminadas, como ocorreu com a ex-esposa de Sidinei.

É preciso que se diga que a demonização da política e da democracia leva ao autoritarismo. Autoritarismo representado na usurpação de mandatos eletivos – que tem como consequência a efetivação de um projeto de expoliação do patrimônio nacional e dos direitos conquistados pelos cidadãos brasileiros ao longo de décadas. Autoritarismo expresso na capilaridade das relações cotidianas: “se você não faz o que eu quero eu te mato”. O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias se manifesta neste primeiro dia útil de 2017, com a responsabilidade do mandato institucional que detém do Parlamento Brasileiro, para gritar Basta! a esse vale-tudo que gera violência e morte, indignidade e vergonha, para toda uma Nação que afunda na crise ao não alimentar valores sólidos que a sustentem de forma livre, democrática e respeitosa dos direitos fundamentais da pessoa humana.                       

Em 2017, a CDHM continuará sendo uma trincheira de afirmação dos direitos, de sua defesa e promoção,  mesmo neste ambiente regressivo e autoritário imensamente fortalecido com o golpe contra a democracia. Ressalto em particular a necessidade de um corajoso esforço de educação para os direitos humanos, de diálogo com o mundo da comunicação social, de ativismo na sociedade, de luta dos movimentos sociais, para que os valores que nos chocam quando colocados de forma nua e crua - como nas cartas do assassino de Campinas - não sejam vitoriosos e determinantes na condução das consciências das pessoas e de suas opções políticas.                       

Como dizia Paulo Freire, é preciso esperançar mesmo neste contexto tão adverso. É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo...”                       

São esses os desejos e a conduta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados para o ano novo de 2017.

 

Deputado Padre João

 

Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados