Mais memória, verdade e justiça

Para ajudar a contar a verdade sobre uma triste parte da história brasileira, foram retomados os trabalhos da Subcomissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, uma iniciativa da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). A iniciativa é da deputada Luiza Erundina (PSOL/SP).
01/08/2018 11h19

Arte: Fernando Bola

Mais memória, verdade e justiça

O colegiado trabalhou pela primeira vez em 2011, sempre com o objetivo de acompanhar as recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e dar transparência às violações aos direitos humanos cometidas contra brasileiros, principalmente no período da ditadura civil-militar. Esse período da história brasileira iniciou no dia de 31 de março de 1964, com o afastamento do Presidente da República, João Goulart e a subida ao poder do Marechal Castelo Branco, indo até a eleição de Tancredo Neves em 1985. 

A formação inicial contava com os deputados Luiza Erundina (PSB/SP), Chico Alencar (PSOL/RJ), Jean Wyllys  (PSOL/RJ) Domingos Dutra (PT-MA), Arnaldo Jordy (PPS-PA), Luiz Couto (PT-PB), Rosinha da Adefal (PTdoB-AL) e Erika Kokay (PT-DF). 

Desta vez, integram a Subcomissão os deputados Janete Capiberibe (PSB/AP), João Daniel (PT/SE), Luiza Erundina (PSOL/SP), Luiz Couto (PT/PB), Maria do Rosário (PT/RS), Paulão (PT/AL), Wadih Damous (PT/RJ) e Adelmo Leão Carneiro (PT/MG).

Este ano o grupo quer retomar a luta pelo resgate da memória, verdade e justiça, rearticular forças, realizar eventos e encaminhar iniciativas para implementar itens que estão nas disposições transitórias da Constituição Federal, em tratados internacionais e na legislação interna, como a Lei de Anistia. Tudo em sintonia com o conceito de justiça de transição.

São 6 eixos de atuação propostos:

1-      analisar o relatório da Comissão Nacional da Verdade, especialmente suas 29 recomendações, e os relatórios de outras comissões;

2-      restabelecer a articulação com as comissões e comitês da verdade criados no âmbito dos estados da Federação, assembleias legislativas, universidades e entre entidades da sociedade civil;

3-      promover ações políticas para pressionar o governo federal a implementar recomendações do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade;

4-      acompanhar os trabalhos da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, diante do esvaziamento e retrocessos que ocorrem, como a protelação nos processos e indeferimentos de requerimentos já deferidos;

5-      promover a celebração e difundir o sentido do Dia Nacional pela Verdade e Memória, no dia 24 de março

6-      definir uma agenda legislativa com proposições favoráveis e contrárias aos objetivos da Subcomissão para acompanhamento e intervenção no Congresso.

Audiências públicas

Estão previstas duas audiências públicas da Subcomissão. Uma, para definir agenda de atuação, apresentar uma análise das recomendações da CNV, da agenda legislativa da Subcomissão, da situação da Comissão de Anistia, e discutir a situação dos camponeses da chamada Revolta dos Perdidos, na região do Rio Araguaia. Outro encontro, dia 29 de agosto, deve marcar os 39 anos da Lei da Anistia.

Também em agosto deve ser realizado um encontro de entidades sindicais da região metropolitana de São Paulo, com a Subcomissão.

As 29 recomendações da Comissão Nacional da Verdade

Um dos principais objetivos da Subcomissão para 2018 é investigar e mobilizar segmentos da sociedade civil sobre a situação das 29 recomendações do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entregue à ex-presidente Dilma Rousseff no final de 2014. São recomendações sugeridas por órgãos públicos, entidades da sociedade e de cidadãos através de consulta pública.

A seguir, um resumo de cada uma das 29 recomendações:

1-Reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de violações de direitos humanos durante a ditadura militar;

2-Determinação da responsabilidade jurídica (criminal, civil e administrativa) dos agentes públicos que causaram graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado;

3-Proposição, pela administração pública, de medidas administrativas e judiciais contra agentes públicos autores de atos que geraram a condenação do Estado em decorrência da prática de graves violações de direitos humanos;

4-Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964;

5-Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, para valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos;

6- Modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais, para promoção da democracia e dos direitos humanos;

7- Retificação da causa de morte a pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos;

 

8-Retificação de informações na Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg) e, de forma geral, nos registros públicos;

9-Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura;

10-Desvinculação dos institutos médicos legais e órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das polícias civis;

11-Fortalecimento das Defensorias Públicas;

12- Dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso;

13- Instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário e nos órgãos a ele relacionados;

14- Fortalecimento de Conselhos da Comunidade para acompanhamento dos estabelecimentos penais;

15- Garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às vítimas de graves violações de direitos humanos;

16- Promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na educação;

17- Apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e promoção dos direitos humanos;

18- Revogação da Lei de Segurança Nacional;

19- Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado;

20- Desmilitarização das polícias militares estaduais;

21- Extinção da Justiça Militar estadual;

22- Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal;

23-Supressão, na legislação, de referências discriminatórias das homossexualidades;

24 - Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão;

25 - Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal;

26- Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV;

27- Prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos;

28- Preservação da memória das graves violações de direitos humanos;

29- Prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar.

A história da Subcomissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça

Em 2011, a Subcomissão foi instalada pela primeira vez a partir de um pedido da deputada Luiza Erundina, então no PSB paulista, que foi nomeada presidente do colegiado. “O foco será nos casos de perseguição, sequestro, tortura, assassinato e ocultação de cadáveres de opositores políticos da ditadura entre 1964 e 1985. É nesse período que se concentram os fatos a esclarecer, como, por exemplo, o papel do governo brasileiro na Operação Condor, uma articulação entre governos do Cone Sul e os Estados Unidos para perseguir e eliminar militantes políticos de esquerda dos países envolvidos”, já afirmava Luiza Erundina.

Entre os temas discutidos naquele ano, a reintegração dos servidores federais demitidos pelo governo de Fernando Collor e os 32 anos da promulgação da Lei 6.683 da Anistia Política, feita para reverter punições aos cidadãos brasileiros que, entre os anos de 1961 e 1979, foram considerados criminosos políticos pelos governos militares.

Em 2012, a Subcomissão Parlamentar foi revalidada para formar uma frente com fóruns da sociedade civil, como os comitês estaduais, de universidades, da OAB e de outras entidades de classe. Nesse ano, foram ouvidas testemunhas em audiências públicas e feitas diligências pelo país.

Formavam a Subcomissão nesse ano, os deputados Luiza Erundina (PSB-SP) Arnaldo Jordy (PPS-PA) Chico Alencar (PSOL-RJ) Domingos Dutra (PT-MA) Érika Kokay (PT-DF) Janete Capiberibe (PSB-AP) Janete Rocha Pietá (PT-SP) Jean Wyllys (PSOL-RJ) Luiz Couto (PT-PB) Manuela d’Ávila (PC do B-RS) Rosinha da Adefal (PT do B-AL).

Ainda em 2012, um projeto da CDHM devolveu, de forma simbólica, a representação popular e a dignidade dos mandatos de deputados federais cassados por atos de exceção entre 1964 e 1977. Além disso, foi disponibilizado, para a Comissão Nacional da Verdade, todo o acervo de informações, documentos e objetos sobre o tema, com aproximadamente 20 mil páginas.

A Subcomissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça já incluía nas suas ações a perspectiva da justiça de transição, conceito fundado em tratados internacionais e presente nos processos de restauração democrática de outros países que também superaram regimes ditatoriais.

Também em 2012, durante o 12º Fórum Parlamentar Nacional de Direitos Humanos, foi criada a rede de comissões e parlamentares municipais, estaduais e federais, para apoiar o esclarecimento das violações de direitos humanos cometidas por agentes públicos entre 1946 e 1988. Participaram do Fórum representantes de 11 comissões de direitos humanos de assembleias legislativas e de 5 câmaras municipais.

A Subcomissão homenageou, em 2012, o líder operário Manuel Fiel Filho, sequestrado, torturado e morto por agentes da ditadura, em 1976. Foi exibido o filme documentário “Perdão, Mr. Fiel – o operário 31 que derrubou a ditadura no Brasil”.

Outra audiência pública debateu o massacre da etnia indígena waimiri-atroari. As vítimas da chacina estão fora da lista oficial de desaparecidos políticos e das relações de vítimas de violação de direitos humanos durante a ditadura de 1964. Segundo os relatos, entre 1972 e 1975, dois mil indígenas waimiri-atroari desapareceram sem deixar vestígios. Eles teriam sido considerados pelos militares um obstáculo para a construção da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, e tratados como guerrilheiros e inimigos do regime vigente.

 A Comissão Parlamentar, Memoria e Verdade, também promoveu em 2012 um seminário internacional sobre a Operação Condor, nome pelo qual ficou conhecida a articulação entre as forças armadas dos países do Cone Sul, formado por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, com participação dos Estados Unidos, e resultou na maior e mais duradoura ação repressiva da história do continente. Foram mobilizados, secretamente, militares e policiais desses sete países nos anos 1970. Houve uma série de violações de Direitos Humanos e a eliminação de vários opositores políticos dessas ditaduras.

No seminário, foi divulgado o “Arquivo do Terror”, com quatro toneladas de papéis, descoberto no Paraguai em 1992, com 60 mil documentos, totalizando 593 mil páginas microfilmadas. O cálculo total de vítimas, a partir desse arquivo, chega a 30 mil desaparecidos, 50 mil mortos e 400 mil encarcerados.

Nesse esmo ano, foi apresentado o Projeto de Lei 4903/2012, para incluir o Dia Internacional do Direito à Verdade, 24 de março, no calendário nacional de datas

Em 2013, a Subcomissão Parlamentar da CDHM foi desativada em razão de mudança de orientação política da Comissão

Em 2014, a Subcomissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça retoma as atividades. Novamente presidida pela deputada Luiz Erundina. Para marcar a reinstalação da Subcomissão, foi realizado um Ato Público de solidariedade àqueles que resistiram e lutaram contra o regime militar.

Nesse ano, foi assinado um protocolo de intenções com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para análise do DNA dos restos mortais exumados de uma vala clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus (SP).

A “Vala de Perus” como ficou conhecida, foi descoberta no final da década de 70 por movimentos sociais e parentes das vítimas do regime militar. Em 1990, a então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, determinou a abertura da vala, onde foram descobertas 1.049 ossadas não identificadas.

Um ato público promovido pela Subcomissão Parlamentar homenageou os primeiros 41 deputados de oposição cassados por atos da ditadura civil-militar. Assinados em 10 de abril de 1964, os atos representaram a cassação de 10 por cento do total de deputados da Câmara dos Deputados à época. No total, foram cassados 173 deputados federais.

Também em 2014, uma audiência pública discutiu a continuidade nas buscas de corpos de vítimas da chacina no Parque Nacional do Iguaçu, cometida por agentes da repressão durante o regime militar.  A “Chacina do Parque” vitimou cinco brasileiros e um argentino em 1974. 

Em outro debate de 2014, foram abordadas as circunstâncias da morte de Anísio Teixeira. Um dos principais formuladores da educação brasileira, Anísio Teixeira, foi encontrado morto em 14 de março de 1971, num fosso de elevador, no Rio de Janeiro. A perícia firmou na época que a morte foi acidental, mas há indícios de que o educador teria sido assassinado pela repressão por causa de suas convicções.

Nos anos de 2015, 2016 e 2017 a Subcomissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça não foi instalada. Os temas até então acompanhados pelo colegiado passaram a ser fiscalizados por outras iniciativas do Congresso Nacional e da sociedade Civil.

 

Pedro Calvi / CDHM