Lei Contra a Tortura - Audiência Avalia Resultados de Dez Anos
Fonte: Jornal da Câmara
Obter dos governos estaduais um compromisso efetivo no combate à tortura foi uma das principais dificuldades apontadas pelos participantes da audiência pública promovida ontem pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias para comemorar os 10 anos da Lei 9455/97 (Lei Contra a Tortura).
Apesar de ressaltar os avanços registrados no período, os debatedores reconheceram que a prática da tortura ainda é diária no País, sobretudo contra a população pobre e militantes sociais.
Ao relembrar a votação da lei, o ex-deputado e ex-secretário nacional de Direitos Humanos Nilmário Miranda afirmou que houve mais de 70 votos contra a aprovação do texto pois vários parlamentares argumentaram na ocasião que ele inviabilizaria o trabalho policial.
A crença de que a polícia só é eficiente graças à tortura, segundo o secretário especial dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, é uma das maiores dificuldades a serem enfrentadas. “A luta contra a tortura tem o braço da repressão, mas também da prevenção, que é feito educando, qualificando e aparelhando a polícia”, disse.
O coordenador da Comissão Permanente de Combate à Tortura e à Violência Institucional, Pedro Montenegro, afirmou que essa distorção também transparece no Judiciário. Ele citou uma tese do pesquisador Luciano Maia, que conclui que os problemas não são da lei, mas do pré-julgamento feito a partir dela. O texto cita uma corrente que vê o torturador como um ser doentio e exige do acusador provas de que o de tortura não foi fruto de uma doença.
Mentalidade repressiva. Para o deputado Chico Alencar (Psol-RJ), apesar dos avanços, o momento atual não é propício à instituição de uma cultura de Direitos humanos no País e, por isso, é necessário discutir formas de superar o fato de a grande maioria da população ter opinião favorável à pena de morte ou à redução da maioridade penal.
Nesse sentido, o secretário Paulo Vanucchi anunciou que será realizado um seminário sobre os diversos aspectos ligados à tortura nos dias 23, 24 e 25 de abril, como parte do processo de construção do mecanismo nacional para prevenir os maus-tratos em manicômios, penitenciárias, delegacias, asilos públicos e demais unidades de detenção para adultos e adolescentes,
conforme previsto no Protocolo Facultativo das Nações Unidas à Convenção Contra a Tortura, ao qual o Brasil aderiu no início deste ano. Segundo o secretário, isso exige um comprometimento dos governos em todos os níveis e entidades da sociedade civil.
A questão do comprometimento estadual foi levantada pelo representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Percílio de Souza Lima. Ele relatou um caso bárbaro de tortura num presídio considerado modelo no interior da Bahia. Apesar da constatação da tortura, somente o governo estadual poderia intervir, e não o fez.
Para o subprocurador-geral da União, Eugenio Aragão, um dos fatores que tem permitido a tortura como prática no País é a falha em reformar o aparato repressor. “É a mesma doutrina de tratar o criminoso como inimigo interno e, nessa guerra, vale tudo, mesmo a tortura”, explicou. Para ele, há conivência do Estado quando torturadores não são condenados e punidos. Aragão informou que está pronto para ser votado na Câmara o Projeto de Lei 5546/01, que cria a ação penal subsidiária organizacional. Pela proposta, sindicatos, organismos da Igreja e organizações sociais poderão entrar com a ação em nome do torturado, caso isso não seja feito pelo Ministério Público. (Vania Alves)