Justiça do Maranhão suspende duplicação de estrada em terras quilombolas; CDHM atuou no caso
A consulta prévia, livre e informada é um direito previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, e adotada pelo Brasil através de um decreto de 2004.
A realização dessa consulta é uma das exigências feitas agora pela Justiça. Porém, por causa das medidas de distanciamento social, o juiz determina que sejam adotadas medidas de comunicação com as comunidades que limitem aglomerações de forma que sejam “informadas, ouvidas, consideradas e respeitadas”, através da distribuição de material informativo e de comunicação por meio de rádios, TVs, mídias sociais, blogs, jornais e sites locais, carros de som, com apoio dos poderes públicos municipais. A decisão judicial determina, ainda, que, antes de reiniciarem as obras, sejam realizadas pelo menos duas audiências públicas, em datas distintas, com as orientações das autoridades sanitárias para evitar concentração de pessoas.
A justiça concluiu também que a obra teria sido iniciada sem o parecer prévio e favorável da Fundação Cultural Palmares e sem a apresentação de um relatório detalhado sobre as interferências nas comunidades quilombolas. Além disso, o DNIT teria recusado adotar critérios da Fundação sobre medidas de compensação relativas à área e às famílias afetadas. Agora, o estudo do componente quilombola deve ser feito de forma adequada e completa e deve incluir as comunidades quilombolas autodeclaradas, que ficam em um raio de 40 km a partir do eixo da rodovia federal. No total, são 62 comunidades, entre as quais 45 estariam no raio de 10 km a partir desse eixo.
No processo, Ricardo Macieira considera ainda que o acordo realizado sem a participação efetiva dos quilombolas não havia sido homologado pela justiça. Também foi aceita a participação da Defensoria Pública como parte do processo já que há “existência de nexo entre a demanda coletiva e o interesse de coletividades compostas por pessoas claramente hipossuficientes”.
A decisão da Justiça também determina a complementação e correção dos estudos de impacto socioambiental referentes às comunidades quilombolas, tanto de forma efetiva como os impactos potenciais.
Repercussão
Na visão do defensor público federal que atua no processo, Yuri Costa, “a decisão proferida pelo juiz é acertada para o atual momento pelo qual passamos. A crise sanitária impossibilita todo e qualquer avanço das obras de duplicação. Do contrário, tornaríamos populações vulneráveis ainda mais fragilizadas. O acordo, pelo menos na forma como proposto pelo MPF, é inadequado para o momento”.
Prazos
A Justiça havia dado o prazo de 90 dias para que todas as partes ligadas ao processo se manifestassem, mas agora “fica postergado até mesmo porque tal postulação, neste momento, parece contraditória com sua alegação de óbice para realização de consultas em razão do atual quadro de crise sanitária, parecendo mais profícuo, neste momento, o prosseguimento das tratativas conciliatórias, que poderá culminar no estabelecimento de parâmetros/procedimentos consensuais para realização das consultas e complementação do estudo ambiental”.
Os recursos destinados para a obra é de oitenta milhões de reais, inscritos sob a rubrica de restos a pagar, e poderá ser cancelado em 31.12.2020. Portanto, a deve ser retomada até 30 de junho deste ano, para o dinheiro possa ser utilizados.
CDHM
No dia 23 de abril o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), Helder Salomão (PT/ES) e os vice-presidentes do colegiado, Padre João (PT/MG), Túlio Gadêlha (PDT/PE) e Camilo Capiberibe (PSB/AP), assinaram uma nota oficial mostrando preocupação sobre o início das obras. Para o grupo, o empreendimento teria forte impacto negativo na vida de dezenas de quilombos. Os parlamentares afirmaram também que a situação é ainda pior por estarmos em meio à pandemia do Covid-19, o que impossibilita até mesmo reuniões para definir métodos de trabalho. Os deputados lembraram ainda que o Supremo Tribunal Federal também reconhece o direito dos povos tradicionais a suas terras como direito fundamental, e consequentemente norma de eficácia plena e imediata.
Em 28 de abril, o presidente da CDHM enviou para o juiz Ricardo Felipe Rodrigues Macieira um ofício informando que os quilombolas atingidos pela duplicação da BR 135 não se sentiam contemplados pela proposta de acordo judicial que “estaria prestes a ser homologada, diante da indefinição de quais comunidades seriam consideradas como impactadas e dos procedimentos que não consideram suficientes”.
Salomão argumentou ainda que a “gravidade potencial dos fatos” poderia causar desrespeito aos direitos fundamentais.
Conaq
Segundo a Coordenação Nacional de Articulações das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, os territórios quilombolas já são invadidos por vários empreendimentos que impactam diretamente a vida das comunidades. Além da BR 135, fazendas, linhas de energia elétrica , duas estradas de ferro e um aqueduto produzem impactos negativos e já reduziram o acesso à parte do território pelos quilombolas.
Leia aqui a íntegra da decisão da Justiça Federal do Maranhão.
Pedro Calvi / CDHM