Impasse sobre novo traçado da BR 158 no Mato Grosso está perto do fim, após audiência pública da CDHM

A BR 158, em parte do trecho que atravessa o Mato Grosso, na região nordeste do estado, passaria pela terra indígena Marãiwatsédé do povo Xavante. A área foi alvo de disputa e tem uma extensão de mais de 165 mil hectares e está registrada em nome da União. Depois de muita discussão, índios, empresários e órgãos públicos responsáveis pela construção da estrada estão chegando a um acordo. Um novo traçado já foi aprovado, contornando a terra indígena, e o asfaltamento desse trecho, parado há sete anos, deve ser retomado. A situação da BR 158 foi tema de uma audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), na última terça-feira (14).
16/08/2018 14h30

Foto: Fernando Bola

Impasse sobre novo traçado da BR 158 no Mato Grosso está perto do fim, após audiência pública da CDHM

De um lado do debate, os Xavantes, que pediam a mudança no traçado na BR 158, contornando a terra indígena e não mais atravessando em linha reta por dentro da reserva, como o plano original. Os Xavantes de Marãiwatsédé têm, durante todos esses anos, buscado a reconstrução do seu território tradicional e a mudança no trajeto da estrada. 

Do outro lado, estavam os produtores e comerciantes, que queriam o projeto inicial sem desvios. Eles alegavam que o trecho em questão é uma rota de escoação da produção. Afirmam que o novo desenho, já aprovado em um acordo entre Funai, Ibama e Dnit, aumenta em 70 km o transporte de cargas e eleva e custo do frete.

Os deputados Patrus Ananias (PT/MG) e Nilton Tatto (PT/SP) pediram a realização do encontro.

“Consideramos que a audiência pública cumpriu os objetivos. O trabalho do legislativo é fiscalizar e questionar, pelas vias democráticas, o poder legislativo. Vamos continuar esse trabalho de acompanhamento da obra,  pressionando os responsáveis para o cumprimento do que já foi acordado, e mantendo o diálogo com os povos indígenas”, afirma Patrus.

O deputado pontua dois aspectos importantes da BR 158 nesse trecho do Mato Grosso. “ Um, é a importância da estrada para promover o desenvolvimento regional, a agricultura, as comunidades da região. Outro ponto, é que a estrada não pode passar pelos territórios indígenas. Temos que respeitar os planos de proteção ambiental, das águas, da cultura e da integridade do povo Xavante, e de outros que habitam a região. Ao mesmo tempo buscando a construção da estrada com um traçado que não passe pelo território, como já foi acordado com o Dnit, Funai de governo do estado”, pondera o deputado.

Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil destaca que a estrada no novo traçado, traz benefícios para a região. “São vários municípios como Bom Jesus, Serra Nova, Santo Antônio, Alto da Boa Vista e São Felix do Araguaia e mais seis aldeias indígenas. Isso significa integração regional. O asfaltamento desse trecho traz o desenvolvimento da agricultura. O novo traçado aumenta o percurso, mas também traz lucro para todos. Da economia ao meio ambiente”, analisa Dom Leonardo.

André Martins de Araújo, diretor de Planejamento e Pesquisa do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) informa que, com o novo traçado, esse trecho da BR 158 passa de 121 quilômetros para 195. “Já foi definido que haverá o contorno e por ali devem passar este ano três milhões de toneladas de soja e milho. São  2.242 veículos por dia após o asfaltamento. Já tivemos a emissão de licença prévia em abril deste ano e agora aguardamos a contratação do Plano Emergencial Ambiental Indígena para continuar o asfaltamento”.

Também participaram da audiência pública representantes da Superintendência Regional do Dnit de Mato Grosso, da Procuradoria da República no município de Barra do Garças,  e do Conselho Indigenista e Missionário. 

Histórico

Os índios, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), ocuparam a terra na década de 1960. Naquela época, a Agropecuária Suiá-Missú foi instalada na região. Em 1967, os índios foram transferidos para a Terra Indígena São Marcos, na região sul de Mato Grosso, e lá ficaram por cerca de 40 anos.

Em 1980 a fazenda foi vendida para a petrolífera italiana Agip. Naquele ano, a empresa foi pressionada a devolver aos Xavantes a terra durante a Conferência de Meio Ambiente no ano de 1992, realizada no Rio de Janeiro. Dezoito anos depois, em 1998, houve a homologação, por decreto presidencial, da terra indígena. Mas o retorno dos Xavantes não aconteceu de forma pacífica. Só em 2013 foi entregue, pelo governo federal, a posse plena da terra, a partir de uma operação de retomada determinada pelo Supremo Tribunal Federal em outubro de 2012.

Porém, diversos recursos impetrados na Justiça marcaram a divisão de lados entre os produtores e indígenas.

 “A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios decorre de imperativo constitucional, que determina que compete à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Os Xavantes têm o direito de viver na terra deles protegendo o meio ambiente e produzindo alimentos da forma que escolherem, sem interferência externa, se assim desejarem”, afirma o deputado Luiz Couto (PT/PB), presidente da CDHM.

A estrada

A BR 158 atravessa o país de norte a sul. No planejamento do Ministério dos Transportes, o ponto inicial estaria entre as rodovias BR-230 e PA-415 no município de Altamira, no Pará. Entretanto, esta ligação com Altamira nunca foi colocada em prática. Na realidade, ela só está pavimentada a partir de Redenção, também no Pará. Passa depois pelos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde termina, na fronteira com o Uruguai, no município de Santana do Livramento.

 

Pedro Calvi / CDHM