Fome e pobreza agravam abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil

Entidades da sociedade civil, parlamentares e especialistas foram unânimes em afirmar que a pandemia, o desmonte das políticas públicas e a piora das condições materiais de vida no Brasil são agravantes para o aumento do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil
12/05/2022 16h55

Fome e pobreza agravam abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil

Elaine Menke/Câmara dos Deputados

O tema foi objeto de debate em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, realizada nesta quinta-feira (12/05), em alusão ao 18 de Maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, data instituída pela Lei 9.970/00 para lembrar o assassinato da menina Araceli Crespo, morta aos 8 anos de idade, em 1973, no Espírito Santo. A iniciativa do debate foi das deputadas Maria do Rosário (PT-RS), Erika Kokay (PT-DF) e Vivi Reis (PSOL-PA).

“A violência sexual que já acontecia em índices alarmantes no Brasil e no mundo, encontrou terreno ainda mais fértil durante a pandemia de Covid-19, com o isolamento social, o fechamento e a restrição dos serviços de proteção, que se viram sem condições de seguir funcionando”, afirmou Luíza Teixeira, especialista em Proteção de Crianças e Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef Brasil).

Um estudo do Unicef em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que entre os anos de 2017 e 2020, 180 mil crianças e adolescentes sofreram violência sexual no país, uma média de 45 mil por ano.

Luiza citou, ainda, levantamentos do Unicef nos anos de 2020 e 2021 que apontam para uma diminuição das notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes durante a pandemia. “Um estudo realizado em São Paulo pelo Unicef, Instituto Sou da Paz e Ministério Público Estadual, verificou que no primeiro semestre de 2020 houve uma diminuição de mais de 15% nas notificações desse tipo de violência”, afirmou.

“Esses dados confirmam que a gente continua lidando com uma dificuldade de denunciar a violência sexual contra crianças e adolescentes. Dificuldade que advém de diversos fatores, a exemplo, da naturalização da violência, do desconhecimento do que constitui a violência sexual e a dificuldade de identificar os sinais dessa violência”, explicou, ao afirmar que campanhas como “Faça Bonito” são importantes para quebrar a cultura de normalização da violência.

A deputada federal Vivi Reis (PSOL-PA) seguiu na mesma linha. “Com certeza há muita subnotificação, o que mostra um sistema de segurança pública que não está preparado para lidar com casos de abusos e exploração sexual de crianças e adolescentes”, disse.

Para Vivi, a pandemia contribuiu decisivamente para a subnotificação dos casos, os quais foram silenciados e subnotificados. “Muitos serviços foram interrompidos durante a pandemia, quando muitas crianças e adolescentes ficaram em casa vulneráveis a essas práticas abusivas e exploratórias”, afirmou.

Diego Bezerra, presidente do Conselho Nacional dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Conanda), trouxe os avanços conquistados nos últimos anos na área, com a criação de assistência, delegacias e varas especializadas para o enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.

Segundo ele, o Conanda aprovou o Plano Nacional de Combate à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, fruto das contribuições da campanha Faça Bonito e das entidades da sociedade civil, que trouxeram a questão para o centro do debate da sociedade brasileira.

“O Plano foi abandonado pelo governo Bolsonaro. Nós do Conanda queremos uma política de Estado sobre esse tema, queremos atualizar o Plano, com garantia orçamentária, com recursos adequados da União, Estados e Municípios para as políticas públicas”, disse Bezerra, ao denunciar que apenas 3,2% do orçamento da União são destinados exclusivamente para crianças e adolescentes no Brasil. “Isso está muito longe de garantir prioridade absoluta para crianças e adolescentes”, criticou.

Karine Figueiredo, coordenadora do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, disse que o 18 de Maio é momento para referenciar a luta e a história do movimento em defesa de direitos de crianças e adolescentes. “Se hoje temos algum nível de enfrentamento é porque nós lutamos para que tivesse legislação, planos de enfrentamento, delegacias especializadas”, lembrou.

Karine também criticou a falta de orçamento federal, estadual e municipal para coibir a violência e a exploração sexual contra crianças e adolescentes. “Mesmo sem um real, estamos nas ruas e nas escolas falando da importância de proteger nossas crianças e adolescentes”, disse.

 

Questão social como agravante para a violência

O aumento do desemprego, da inflação e a volta do Brasil para o Mapa da Fome foram considerados elementos que aumentam a vulnerabilidade de crianças e adolescentes à violência e exploração sexual.

A realidade de crianças e adolescentes do Estado do Pará foi exposta na audiência por Irmã Henriqueta Cavalcante, coordenadora da Comissão Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

“São muitos os desafios para regiões de maior vulnerabilidade como é o caso do Estado do Pará. A exploração sexual tem revelado não somente o crime, mas a vergonha, a miséria, o silêncio, a insegurança que sofrem na pele pela ineficácia da rede de proteção. Aqui no Pará as crianças sobem nas balsas para ganhar R$ 1, R$ 2, por um pedaço de pão ou 1 litro de óleo diesel”, relatou.

“Estamos vivenciando um contexto de violações e de desmonte inadmissível no nosso país nesses últimos anos. Nossas ações devem estar focadas na realidade. Vivemos o aumento da fome, da exploração do trabalho infantil, da exploração sexual, crimes que estão naturalizados na nossa sociedade”, lamentou Irmã Henriqueta.

Em depoimento emocionado, a deputada Vivi Reis reafirmou que a fome tem relação direta com a exploração sexual. “Nos territórios com maior vulnerabilidade social as meninas ficam mais expostas. Vivenciamos essa realidade nas estradas e nos rios do Estado do Pará. Meninas balseiras são abusadas e exploradas sexualmente”, disse Vivi, repudiando a desigualdade, fome e pobreza.

O deputado federal Léo de Brito (PT-AC), disse que o momento é de resistência e luta frente aos inúmeros retrocessos que o Brasil vivencia. “Nós temos um orçamento secreto que é maior do que o orçamento de ministérios que reputamos importantes, como é o ministério dos Direitos Humanos”, denunciou o parlamentar. A situação social do país é uma situação trágica. questão da exploração do abuso sexual são cada vez mais candentes. Nosso papel é ter medidas concretas e atuar de forma muito forte”, completou.

 

Educação Sexual para prevenir a violência

 A deputada federal Erika Kokay (PT-DF), que defendeu a criação de uma Comissão permanente da Câmara para tratar das questões de crianças e adolescentes, falou da importância da educação para o enfrentamento da violência e criticou propostas como o Escola Sem Partido.

“A escola amordaçada fere um dos principais elos de proteção de crianças e adolescentes que são as escolas”, afirmou a parlamentar.

A educação sexual para crianças como forma de enfrentar uma cultura patriarcal e misógina também foi discutida por outros participantes da audiência. “É necessário incluir na grade curricular de crianças e adolescentes a questão de desigualdade de gênero, de educação sexual. Promover um processo de transformação social e cultural”, sugeriu Karime Moura, coordenadora do Centro de Defesa da Criança e Adolescente Emaús do Movimento República de Emaús.

 

Texto: Wanderson Mansur – Gabinete da Deputada Erika Kokay