Perfil de jornalista é retirado do Orkut

04/05/2006 16h05

O Liberal - 04/05/2006

Repórter paraense foi expulso da rede de relacionamentos após denunciar as comunidades virtuais que pregam o racismo, disseminam o suicídio e até recomendam práticas criminosas

No início era uma brincadeira inocente. Uma página, dados pessoais, respostas de praxe a perguntas como 'prato preferido' e uma espécie de mural onde os amigos podiam deixar recados, convites para a balada, elogios. Lançado em janeiro de 2004, o Orkut virou febre em todo o mundo especialmente no Brasil onde estão mais de 70% dos usuários da ferramenta criada para aproximar as pessoas na Internet e facilitar discussões entre os que têm interesses comuns. O que era uma brincadeira inofensiva, contudo, tornou-se mais um caso em que a rede mundial de computadores acaba usada para incitar preconceitos e promover crimes como pedofilia. Os problemas estão nas chamadas comunidades, grupos criados por pessoas que têm interesses comuns. Existem hoje milhares de comunidades que tratam de assuntos que vão da greve de fome do ex-governador do Rio de Janeiro Antony Garotinho, seriados de TV e passando por temas mais sérios como saúde. Nem tudo é inofensivo na rede, contudo.

Desde que foi criado, o Orkut vem abrigando comunidades que incentivam o preconceito, recomendam práticas criminosas e até ensinam as pessoas a cometerem suicídio. Os paraenses, por exemplo, são alvo de uma comunidade criada no Amazonas especialmente para ofender os moradores do Estado.

O uso das comunidades do Orkut para fins criminosos e racistas foi parar na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e no Ministério Público que investiga a origem desses grupos. A investigação esbarra, contudo, no sigilo que protege os usuários da rede. Enquanto isso, as comunidades proliferam.

Denúncia - No mês passado, o jornalista paraense Ullisses Campbell descobriu uma série de comunidades que incentivam o suicídio e publicou matéria sobre o assunto no jornal 'Correio Braziliense', onde trabalha como repórter. Entre as comunidades citadas na matéria está uma batizada de 'Suicídio é a solução' que teria mais de mil participantes. 'Nos fóruns de discussões, as pessoas que administram a comunidade ensinam, passo-a-passo, os doentes de depressão a tirar a própria vida. Os administradores instruem até como deve ser o bilhete de despedida. Fiquei horrorizado. Com isso, resolvi fazer uma matéria denunciando o fato', conta o jornalista que, dois dias após a publicação da reportagem, acabou expulso do Orkut, onde mantinha seu perfil.

Campbell conta que o seu acesso ao site foi cortado. 'Ao tentar entrar com a minha senha, o Google (que mantém o Orkut) me enviou mensagem informando que meu perfil foi excluído porque ‘contém imagens que não estão de acordo com nossas diretrizes de upload de imagem’'.

Ullisses diz que nada em sua página justificaria a expulsão e diz que a decisão pode ter sido motivada pela matéria publicada no 'Correio Braziliense'. O álbum de fotos dele na Internet, por exemplo, reunia doze imagens pessoais. Eram fotos de sua última viagem aos Estados Unidos.

O jornalista diz que uma fonte extra-oficial do Google teria justificado a expulsão ao fato de ele ter entrado em comunidades criminosas durante a apuração da reportagem. Como explicar, contudo, que as comunidades se mantenham com centenas e até milhares de participantes. 'Na minha opinião, a expulsão foi uma forma de retaliar o meu trabalho. Não faço questão de ter perfil no Orkut. Principalmente depois que foi revelado que o Google não colabora com a Justiça brasileira na caça aos criminosos da Internet', declara.

Assessoria diz que desconhece motivos da 'expulsão'

A assessoria do Google no Brasil diz desconhecer os motivos que podem ter levado à expulsão do jornalista paraense do site de relacionamentos e diz que está trabalhando para evitar as comunidades criminosas, embora reitere a decisão de manter o sigilo das pessoas que participam dessas comunidades.

Durante audiência na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, na semana passada, os representantes do Google ressaltaram a importância de manter o sigilo dos usuários do Orkut. 'Buscamos fornecer um ambiente totalmente seguro para nossos usuários, protegendo desta forma sua privacidade, e ainda, procurando agir no sentido de interromper nossos serviços ou acesso para aqueles que abusarem ou infringirem nossos padrões de conduta', afirmam em documento lido na reunião e divulgado pela assessoria de imprensa.

Na nota, a empresa destaca a existência de centenas de comunidades 'do bem' e cita como exemplos as comunidades 'Eu sou contra o preconceito!!!' que tem 620 mil membros e a 'Eu odeio drogas' que reúne mais de 130 mil pessoas. A comunidade, diz a nota do Google, foi 'criada para combater o uso de drogas por meio de informação e respostas de questões levantadas por participantes'.

'Existem milhões de comunidades nas quais os membros do Orkut podem participar. Por exemplo, atualmente existem 222 comunidades relacionadas ao ensino e educação, 197 comunidades dedicadas a promover a paz, 94 sobre saúde e bem-estar, 37 sobre proteção ambiental e 21 comunidades discutindo formas de erradicação da pobreza. Comunidades, como estas, servem para juntar os membros do Orkut, de forma a congregar pessoas do mundo inteiro que possuem os mesmos interesses, opiniões e valores'.