Evolução dos direitos das pessoas com deficiência é examinada pelo Observatório Parlamentar da RPU
O Observatório Parlamentar da RPU, sediado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, verificou na última sexta-feira (16) o cumprimento das recomendações feitas ao Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal (RPU) para melhorar a situação dos direitos humanos das pessoas com deficiência.
A RPU é um mecanismo da Organização das Nações Unidas no qual os países membros se avaliam mutuamente e fazem recomendações com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos.
A audiência pública foi a décima realizada no âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, iniciativa da Câmara dos Deputados em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, e verificou a evolução de oito das 242 recomendações aceitas pelo Brasil no último ciclo da RPU, iniciado em 2017.
Os participantes da sociedade civil manifestaram preocupação com propostas legislativas que vão contra o estabelecido na Convenção Internacional sobre pessoas com deficiência e na Lei Brasileira de Inclusão, lamentaram a interrupção das atividades do Conselho Nacional das Pessoas com Deficiência (CONADE) e defenderam a importância da participação popular na construção das políticas.
“É importante que o Brasil assuma esse compromisso de responder às recomendações com ações efetivas para sanar os graves problemas de violação de direitos humanos que nós temos no país”, afirmou o deputado Helder Salomão (PT/ES), que presidiu a audiência.
“Apesar de termos uma legislação nacional ampla e os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro, as pessoas com deficiência continuam a enfrentar múltiplas barreiras para exercer cidadania. São barreiras de toda sorte, diversas formas de discriminação que acabam impedindo a efetiva participação na sociedade”, afirmou a Senadora Mara Gabrilli, Membro do Comitê da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.
“A gente percebe que ainda falta muito para que a Convenção seja cumprida, para que a Lei Brasileira de Inclusão seja efetivamente cumprida e para que a nossa Constituição, no que tange à cidadania, à dignidade e à promoção do bem de todos, ainda seja efetivamente cumprida”, apontou Caio Silva de Sousa, do Comitê Jurídico da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down.
Avaliação do cumprimento das recomendações
Em relação às recomendações 209, de Mianmar, e 210, de Portugal, que tratam da assistência a pessoas com deficiência em condição de vulnerabilidade, com o objetivo de garantir padrões dignos de vida, o relatório preliminar apontou progresso com avanços legislativos para concessão do BPC e pensões para pessoas com Síndrome da Talidomida e com Síndrome Congênita do Zika Vírus.
Sobre as recomendações 211, do Egito, e 213, da Líbia, de implementação de políticas públicas relativas aos direitos das pessoas com deficiência, o relatório preliminar apontou progresso, com a regulamentação de dispositivos da Lei 13.146, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI).
Recomendações não cumpridas
A análise em relação à recomendação 212, do Irã, sobre o combate à discriminação em razão da deficiência, é de que ela não foi cumprida. O relatório sugere a revogação dos Decretos 9.546/2018 10.014/2019 e 10.502/2020, por afrontarem preceitos da Constituição de 1988, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da Lei Brasileira de Inclusão.
Sobre a recomendação 214, da Mongólia, relacionada ao fortalecimento do direito de mulheres, crianças e pessoas com deficiência, a avaliação do relatório é de que encontra-se em estagnação, visto que não foram identificadas leis e iniciativas específicas voltadas a esses segmentos.
O relatório preliminar apontou como não cumpridas as recomendações 215, de Israel, e a 216, do Estado da Palestina, relacionadas à participação de pessoas com deficiência na força de trabalho, com especial atenção a mulheres com deficiência. Os dados analisados apontam baixa participação das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho, correspondendo, em média, a 1,1%, indicando que, mesmo depois de 30 anos da Lei das Cotas, não se observa mudança efetiva no cenário, inclusive no serviço público.
No entanto, o Poder Executivo apresentou o Projeto de Lei 6.159/2019, que flexibiliza o cumprimento da reserva de vagas para empregados com deficiência, mediante pagamento de multa. O documento pede atenção à edição de leis e decretos que podem ameaçar fundamentos e direitos garantidos pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e pela LBI.
Representante do Governo
“O auxílio-inclusão foi regulamentado e, embora esteja delimitado aos beneficiários do BPC, a perspectiva é de que seja um instrumento de estímulo ao ingresso no mercado de trabalho [de pessoas com deficiência], e a depender dos resultados, poderá ser ampliado no futuro”, afirmou Priscilla Gaspar, Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em apresentação.
Priscilla Gaspar é surda e a assessora bilíngue, Dânnia Vasconcelos fez a versão voz da Secretária, que se comunicou por meio Libras durante a apresentação realizada por teleconferência.
O auxílio inclusão, previsto na Lei no 13.146 (LBI), é um benefício financeiro, no valor de meio salário mínimo, a ser pago à pessoa com deficiência moderada ou grave que ingresse no mercado formal de trabalho. No entanto, só podem ser beneficiárias as pessoas que recebem o BPC ou já foram beneficiárias nos últimos cinco anos, e que recebam remuneração de até dois salários mínimos. A nova política pública deve ser implementada a partir de outubro deste ano.
Priscila afirmou que a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência vai analisar os decretos citados como discriminatórios pelo relatório para tomar providências. Também elencou medidas voltadas para pessoas com deficiência, como a estruturação do Cadastro Inclusão, regulamentação da LBI, inclusão dos recortes de mulheres e crianças com deficiência nas políticas setoriais, cooperação técnica internacional com o programa Eurosocial, além de estudo e revisão de normativos para tornar as políticas mais efetivas.
Decreto 10502/2020
No entanto, o Decreto ainda é motivo de debates. Moisés Bauer, presidente executivo do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência, reconhece a necessidade de ajustes do Decreto, mas defende a coexistência dos dois modelos. “Eu não estou defendendo o decreto na sua íntegra, estou defendendo um entendimento de que no ordenamento jurídico brasileiro, em conformidade com a convenção e a Constituição, é possível sim termos ambientes apropriados para o melhor desenvolvimento educacional das pessoas com deficiência e isso não significaria discriminação”.
“Eu entendo que a polêmica se instala sobre a educação inclusiva não pelo fato de ela não ser melhor, mas pela falta de investimento para uma educação inclusiva da melhor qualidade possível”, disse Izabel de Loureiro Maior, Professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Primeira Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Ela afirmou que o necessário é investimento, e que se os recursos previstos na LBI tivessem sido disponibilizados, esse debate não seria necessário.
Raphael Otávio Bueno, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), afirmou que o Ministério Público entende o Decreto como um retrocesso, que representa uma volta ao passado, com classes paralelas para pessoas com deficiência. Ele afirmou ainda que o Ministério Público identificou um vácuo na legislação em relação à contratação de professores para a educação especial, pois não inclui um modelo de contratação que contemple professores com habilidades diferenciadas.
Inclusão no mercado de trabalho
“Nós não podemos admitir que, 30 anos depois de comprovação de que os dispositivos não são suficientes para implementar uma empregabilidade efetiva para as pessoas com deficiência, o próprio poder público, na política de cotas no serviço público, receba um tratamento desigual em relação às empresas privadas”, disse Moisés Bauer Luiz, Presidente Executivo do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência.
“Quando a gente pensa no número de vagas existentes pela Lei de Cotas, ainda temos uma lacuna na contratação das pessoas com deficiência no nosso país. Qual é a solução do problema? Vamos fazer uma campanha para empregabilidade? Não, vamos criar um projeto para que a empresa que não cumpra a lei pague uma multa”, alertou Caio Silva.
Conselho Nacional de Pessoas com Deficiência
“Cada uma das leis precisa passar pelo crivo do confronto com o texto constitucional, pelo crivo do Conselho Nacional dos Direitos da pessoa com deficiência. O ‘nada sobre nós, sem nós’, no Brasil, está tecnicamente prejudicado, porque o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência não está em ação”, destacou Izabel Maior.
Pandemia do novo coronavírus
Raphael Otávio Bueno, da PFDC, afirmou que houve desrespeito à prioridade na vacinação das pessoas com deficiência no Plano Nacional de Imunização a COVID-19, por estados e municípios e pelo judiciário.
“Quando a gente olha as recomendações que foram feitas para o Brasil, assistência necessária a grupos vulneráveis, esforços para consolidar direitos, se a gente pensar em tudo isso e tem uma convenção que informa que, em casos de calamidade pública, a pessoa com deficiência tem que ter atendimento prioritário, e no primeiro plano nacional de imunização da COVID-19 a pessoa com deficiência não é incluída em nenhuma das três fases prioritárias, a gente tem um problema”, afirmou Caio Silva.
O encontro contou com a participação da deputada Erika Kokay e de Milton Nunes Toledo, Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Fábia Pessoa/CDHM