Especialistas temem retrocessos na política de saúde mental
Desde a aprovação da Lei da Reforma Psiquiátrica (10.216/01), a política brasileira de saúde mental restringe ao mínimo as internações. O atendimento é multidisciplinar e visa a inserção do indivíduo na comunidade.
De acordo o representante do Conselho Federal de Psicologia, Eduardo Mourão Vasconcelos, “a equipe de saúde mental do Ministério da Saúde foi sucateada, com funcionários exonerados ou intimidados a ponto de pedir demissão”. Vasconcelos lembrou que o novo ministro, Ricardo Barros, anunciou planos de reduzir recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e estimular os planos privados.
Coordenação de saúde mental
Vasconcelos destacou ainda que um dos cotados para assumir a coordenação de saúde mental do ministério é o psiquiatra Valencius Wurch. Segundo o especialista, a “única marca” do candidato é ser dono do maior asilo psiquiátrico privado da América Latina, que já foi fechado por violação de direitos humanos. “O risco que corremos com esse golpe é de desmonte das políticas públicas e financiamento de instituições privadas”, sustentou.
Representante do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA), Rosemar Lemos afirmou que os movimentos sociais vão continuar mobilizados por uma coordenação de saúde mental alinhada com a política antimanicomial. “Temos quatro sedes do ministério da Saúde ocupadas nos estados contra os manicômios e para que a política atual seja mantida e ampliada”, disse.
Lógica punitiva
O representante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), Vinicius Suares de Oliveira, destacou que o atual ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, defende penas duras para usuários de drogas. “Essas pessoas necessitam é de cuidados”, reforçou.
Na opinião da deputada Érika Kokay (PT-DF), essa lógica de culpabilizar o usuário “é fascista e traz a desumanização simbólica”. Para a deputada, é necessário reconhecer que a sociedade de consumo causa frustração e estimula o uso de drogas, e, nessa lógica, medidas punitivas são inócuas. A única saída, conforme acredita, é reconhecer os indivíduos como sujeitos de direitos.
Rosemar Lemos também reclamou de declarações de Osmar Terra. O ministro anunciou que pretende ampliar convênios com comunidades terapêuticas e defendeu que os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) atuem apenas após a internação.
Presidente da CDHM, o deputado Padre João (PT-MG) ressaltou que o atual sistema de atenção a pessoas com sofrimento psíquico resultou de muita luta da sociedade brasileira. “Essa é uma política construída com o povo, e passa a ser patrimônio do povo brasileiro”, asseverou.
Comunidades terapêuticas
Presente na reunião, o deputado Lincoln Portela (PRB-MG), disse discordar “de coisas que aconteceram e que estão acontecendo”, mas que o momento é de diálogo. Na concepção do deputado, é preciso “somar esforço com comunidades terapêuticas sérias, com a frente parlamentar da saúde para encontrar caminhos”.
Os demais participantes concordaram com a necessidade de diálogo, mas foram unânimes em se opor à destinação de recursos públicos a comunidades terapêuticas. Na concepção da pesquisadora em Saúde Mental da Fiocruz, não é um problema que essas instituições existam, “o problema é que sejam financiadas por dinheiro público e entrem em conflito com políticas oficiais do Estado laico”.
Segundo o enfermeiro, psicólogo e militante dos Direitos Humanos em Saúde Mental, Edmar Carrusca, o Estado já destinou R$ 1,2 bilhão às comunidades terapêuticas. “Para onde vai esse dinheiro? A gente não sabe por que não há fiscalização”.
Eduardo Mourão Vasconcelos também concorda com existência das comunidades, desde que sem fins lucrativos e que não sejam filantrópico-religiosas. O psicólogo relata que participou de fiscalizações a esses locais e verificou “várias violações de direitos humanos com ausência de abordagem terapêutica”.
A representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Ana Paula Guljor, ressaltou que, na maioria dos casos, essas instituições segregam os pacientes. “Isso é grave, é o único espaço onde existe prisão perpétua”, sentencia.
A reunião foi realizada em parceria com a Comissão de Legislação Participativa.