Sociedade reivindica direito humano à comunicação
Reunidas em Brasília no mais importante encontro do ano na área, organizações de defesa dos direitos humanos reforçam a importância da efetivação do direito à comunicação para a consolidação dos demais direitos fundamentais, algo distante da realidade brasileira.
Bia Barbosa — Carta Maior 18/08/2005
Brasília — O debate acerca da promoção, garantia e efetivação dos direitos humanos é um dos mais amplos da sociedade contemporânea. Abarca temas que vão do combate à prática da tortura ao acesso à Justiça por parte da população excluída sócio e economicamente. Pela primeira vez, no entanto, entidades de direitos humanos de todo o país se reuniram num fórum representativo para discutir a questão da comunicação. Nesta quarta e quinta-feira (18), em Brasília, centenas de militantes participam do Encontro Nacional de Direitos Humanos 2005, cujo tema central é o direito humano à comunicação. O assunto sempre foi tratado de forma periférica, entendendo a comunicação como um instrumento para as organizações e movimentos desenvolverem suas lutas ou restrito a uma crítica à atuação da mídia, que, apesar de importante, não dava o salto necessário a visão da comunicação como um direito humano.
Esta concepção de direito humano à comunicação ganha destaque na medida em que a informação e o conhecimento se tornam centrais na era contemporânea. Na década de 60, no âmbito da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), começam os debates acerca do que ficou conhecido com a Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic), que não se restringia apenas ao problema do fluxo internacional de informações, mas ampliava a abordagem sobre o setor. No final dos anos 70, no entanto, os governos norte-americano, inglês e outros próximos a esses países — contrários a esta concepção — passam a acusar a Unesco de usar esta "retórica" para promover o controle dos veículos por parte dos governos e, assim, limitar a liberdade de imprensa — este sim, um conceito liberal amplamente defendido pelas potências mundiais. A orientação política da Unesco então muda, e há um recuo nesta luta.
Mesmo assim, em 1980, a organização da ONU publica o relatório "Um Mundo, Muitas Vozes), conhecido como relatório McBride, resultado dos trabalhos de uma comissão coordenada pelo ex-ministro das relações internacionais da Irlanda e prêmio Nobel da paz, Sean McBride. O documento, progressista, se posicionava contra a censura, o monopólio estatal, propunha que se reduzisse a influência das considerações comerciais na organização das comunicações nos países, era a favor de políticas nacionais de comunicação e chamava atenção para a importância do direito à comunicação, com destaque para o respeito aos direitos humanos e à ética.
"O relatório, no entanto, foi assassinado pelas políticas neoliberais que passaram a dominar os organismos da ONU na década de 60. Estados Unidos e Grã Bretanha deixam a Unesco neste momento, o que quase levou a discussão sobre o direito à comunicação ao esquecimento", conta o professor Murilo César Ramos, da Universidade de Brasília (UnB). O tema resistiu na luta dos movimentos sociais e com o crescimento da centralidade dos meios de comunicação nas sociedades modernas. E, aos poucos, também foi mudando de concepção.
"No sentido tradicional, o direito à comunicação significava basicamente o acesso à informação e à liberdade de opinião e expressão. Nesta concepção, tomamos o cidadão como receptor. A mudança que aconteceu está em reconhecer que, para a efetivação deste direito, todos precisam ser difusores e produtores de conteúdo próprio; todos devem poder se comunicar enquanto protagonistas da comunicação. Essa nova perspectiva coloca a noção do direito ao acesso como direito de cidadania", explica a professora Cicília Peruzzo, da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), que participou da mesa de abertura do encontro.
Um direito, portanto, tão fundamental quanto habitar, comer, ter acesso à saúde e à educação. E que pressupõe a pluralidade de visões e opiniões e a representação dos mais diferentes setores da sociedade para ser garantido.
"Daí já vemos que o quanto o direito à comunicação é um dos mais vilipendiados e desrespeitados no Brasil. A imagem e visão dos grupos vulneráveis da sociedade hoje estão submetidas a uma estrutura fechada, com a grande mídia concentrada nas mãos de pouquíssimas famílias, numa tradição de manipulação da informação de acordo com os interesses do capital", afirma a deputada federal Iriny Lopes (PT-ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, uma das promotoras do encontro.
Lutar para a transformação deste cenário e assumir a comunicação como estruturante na luta pelos demais direitos humanos é justamente o objetivo deste encontro nacional. O desafio das entidades reunidas em Brasília é agregar novos atores e atrizes para esta empreitada, cujo um dos objetivos principais é garantir o acesso das comunidades às infraestruturas de comunicação como uma forma de acessar e distribuir conhecimento. Construir essa dimensão da cidadania comunicacional, que coloca a comunicação no mesmo nível dos outros direitos, que respeita a diversidade e os direitos de todos falarem e serem ouvidos, que reconhece a cultura e a pluralidade dos povos, é tarefa das mais complexas.
"Nenhum outro tema provoca tanto a reação dos setores conservadores quando a questão da comunicação. Estes setores resistem mas cedem em quase todas as áreas de luta dos movimentos sociais. Na Constituição Federal de 88, por exemplo, havia 32 comissões. Todas terminaram seus relatórios dentro dos prazos, menos a subcomissão de comunicação, ciência e tecnologia, porque os setores conservadores não deixaram avançar as reivindicações dos setores populares na área da comunicação", lembra o professor Luiz Gonzaga Motta, do Núcleo de Estudos de Mídia e Política da UnB. "Isso não significa que temos que nos amedrontar diante deste desafio, mas temos que saber que esta é, sim, uma luta contra um gigante", conclui.