Sessão solene - Devolução Simbólica dos Mandatos dos Deputados Federais cassados pela Ditadura de 1964

07/12/2012 11h30

 

Fonte: Jornal da Câmara

Em reconhecimento histórico, Câmara devolve a soberania do voto popular a cassados pela ditadura

Emocionados, 18 deputados que perderam os mandatos, entre 1964 e 1977, compareceram à Câmara para receber de volta, simbolicamente, o que lhes foi tirado de forma arbitrária. No plenário Ulysses Guimarães, lotado por parlamentares, amigos e familiares, o presidente Marco Maia leu, um a um, os nomes dos 173 cassados em ato simbólico da devolução dos mandatos. “Houve um ataque de intimidação à representação do povo brasileiro, e a devolução é uma justiça a quem disse não ao arbítrio”, definiu a deputada Luiza Erundina.

 

Histórias que não devem ser apagadas

Quarenta e oito anos após o fim da ditadura, a Câmara devolveu simbolicamente, em um rito semelhante ao de sessão de posse, o mandato dos deputados cassados durante o período militar. Foram 173 homenageados, que eram titulares ou suplentes, e estavam no exercício dos mandatos quando destituídos de seus cargos. Muitos retomaram as atividades políticas após a anistia, em 1979. Outros se afastaram da vida pública, alguns nunca mais entraram na Câmara. Mas todos foram personagens de um trágico período da história do País que não deve ser esquecido pelas novas gerações. Esses políticos foram cassados entre os anos de 1964 e 1977.

 

Em meio à emoção e a pedidos de justiça, Câmara devolve mandatos a cassados

 

Marcello Larcher

 

Em sessão solene marcada por discursos emocionados, a Câmara devolveu ontem, simbolicamente, os mandatos de 173 deputados federais cassados pela ditadura, entre 1964 e 1977. O Plenário ficou lotado de deputados e familiares que expressaram, com os olhos marejados, o sentimento de reparação e justiça que aconteceu no mesmo plenário onde, nas décadas de 60 e 70, sofreram com o arbítrio e a falta de liberdade.

Dos 28 parlamentares ainda vivos, 18 compareceram à cerimônia, e os outros foram representados por familiares e amigos.

Na abertura da sessão, o presidente da Câmara, Marco Maia, disse que a solenidade foi um ato que buscou “apagar a nódoa causada pelos gestos autoritários que muito nos envergonha”. Ele lembrou que os deputados cassados foram calados “não pelo debate, mas pela imposição e pela força do regime”.

A presidente da Comissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), definiu a solenidade como uma forma de restabelecer a soberania do voto popular, “usurpado pelo regime de força que perdurou por 20 anos”. Foi da comissão a iniciativa de iniciar os estudos sobre o período e os cassados e de preparar a solenidade. Erundina, que solicitou a sessão solene juntamente com o deputado Eduardo Gomes (PMDBTO), frisou que a Câmara foi a instituição mais atingida pela ditadura com seus atos institucionais. Para ela, houve um ataque de intimidação contra a representação do povo brasileiro, e a devolução de mandatos é “uma justiça a essas pessoas que tiveram a coragem de dizer não ao arbítrio”.

Ela defendeu a revisão da Lei de Anistia e a aprovação do PL 573/11, que exclui da anistia os agentes públicos que cometeram crimes durante a ditadura militar.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Domingos Dutra (PT-MA), foi graças a brasileiros como os parlamentares cassados que o Brasil elaborou uma Constituição chamada de “cidadã”, além de ter um Congresso que funciona livremente, uma imprensa independente, um Judiciário democrático, e que permitiu a eleição de um operário e, em seguida, uma mulher” para o cargo de presidente da República, em referência ao ex-presidente Lula e à presidente Dilma Rousseff.

Dutra citou como outros desafios encontrar os corpos de pessoas mortas pela ditadura, rever a Lei da Anistia, garantir os direitos dos povos indígenas e dos quilombolas e combater a violência urbana.

“Apesar de a estrada ser longa e penosa, esta sessão solene faz aumentar nossa autoestima e a confiança num Brasil justo e fraterno”, declarou.

 

 

Um manifesto pela democracia e um alerta para que ditaduras não se repitam 

Um dos ex-deputados que tiveram seu mandato restituído de maneira simbólica durante a sessão solene, Davi Lerer, eleito pelo MDB de São Paulo, afirmou que não esperava essa reparação, mas disse que a cassação do mandato não alterou sua vida durante os últimos 40 anos. “Retaliações?

Eu acredito que um cidadão que chega a ser deputado não pode absolutamente reclamar de retaliações coisa nenhuma, porque quem tem capacidade para conquistar um mandato puro, tem a capacidade, a inteligência e o trabalho.”

Davi Lerer foi cassado em 1968. Cassado em 16 de janeiro de 1969, Milton Reis, então do MDB de Minas Gerais, ressaltou que o gesto representa um manifesto contra a ditadura e a favor da democracia. “Se a ditadura nos tirou o mandato de maneira discricionária foi porque não podíamos nos dobrar e permitir que aquele regime sobrepujasse a democracia. A devolução simbólica dos mandatos é um dos momentos mais altos das nossas vidas ao mesmo tempo em que é um protesto contra a ditadura e em favor da democracia”, afirmou Reis.

Ministro do Trabalho durante o governo João Goulart, o ex-deputado Almino Afonso, que era do PTB de São Paulo, disse que a homenagem é uma “condenação explícita” à ditadura. “Muito mais do que algo de caráter significativo pessoal, que também é, esta homenagem tem um significado político importante de condenação explícita da atitude militar da época que anulou decisões do povo. Creio que ajuda a uma retomada de compreensão política do que significou o golpe de 64”, ressaltou.

Na avaliação de Plínio de Arruda Sampaio, na época do PDC de São Paulo, a homenagem serve de exemplo para mostrar às novas gerações que a democracia precisa ser permanentemente defendida. “Ela não está imune nunca a golpes. Então, a lembrança dessas pessoas que foram violentadas pela ditadura trás à memória o golpe e, portanto, mostra às novas gerações que é preciso cuidar da democracia”, alertou.

O senador Vital do Rêgo (PMDBPB), que representou na cerimônia seu pai, o ex-deputado Vital do Rêgo (Arena), e seu avô Pedro Gondim (Arena), ambos cassados, disse que o ato ajuda a reescrever a história e a reparar injustiças.

“No dia 13 de setembro de 1969 dois deputados, Pedro Godinho e Vital do Rêgo, foram cassados pela ditadura. A Paraíba os trouxe aqui em 1966 e a ditadura os tirou daqui em 1969. Senti isso vivamente durante toda a minha infância e juventude”, ressaltou o senador.

Em 2008, quando foi entrevistado pelo Jornal da Câmara por ocasião dos 20 anos do discurso de Márcio Moreira Alves (episódio que, entre outros, acabou desencadeando o AI-5 em dezembro de 1968), o deputado Vital do Rêgo disse que não gostava de falar sobre o assunto e que tinha uma mágoa tão grande que nunca mais quis disputar nenhum mandato político. (Com Informações

da Agência Brasil).

Deputados e representantes do Executivo defendem reparação às vítimas

Durante a homenagem aos cassados pelo regime militar, o deputado Vieira da Cunha (PDT-RJ) apontou uma coincidência histórica: a sessão realizou-se no mesmo dia em que, há 36 anos, morreu o presidente João Goulart, deposto pela ditadura em 1964. “Essa homenagem resgata a dignidade do Parlamento, de um ato que queria legitimar o poder político de um governo que não tinha direito de estar no poder”, ressaltou.

Paulo Teixeira (PT-SP), que representou a família de Rubens Paiva - cassado, preso e torturado, e cujo corpo continua desparecido -, agradeceu a todos os ex-deputados presentes e disse que “a rebelião desses parlamentares contra a ditadura militar honra a Câmara dos Deputados.

Para Chico Lopes (PCdoB-CE), é dever dos deputados zelar pela democracia e lutar para que “nunca mais ocorra um regime como esse que cassou deputados e desrespeitou o Parlamento”.

Roberto Freire (PPS-SP) lembrou a luta dos integrantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que estava proibido já à época do golpe militar, e estavam espalhados por vários partidos. Ele também destacou que tantas cassações levaram os constituintes a determinar na Constituição de 1988 que apenas o Parlamento possa cassar um de seus integrantes. “Mas a própria Câmara vai ter de se pronunciar sobre isso agora que deputados foram condenados por crimes comuns”, ressalvou.

Poderes – O deputado Paes Landim (PTB-PI) ressaltou que o PTB foi um dos partidos mais atingidos pelas primeiras cassações, antes que fosse extinto pela própria ditadura para só ser restaurado após a redemocratização. Ele sugeriu que os outros Poderes também resgatem suas histórias, com o  reconhecimento a ministros do Supremo e ex-presidentes que foram cassados.

Para Ivan Valente (Psol-SP),o Brasil precisa “rever os crimes da ditadura e condenar os culpados por mortes, inclusive do ex-deputado Rubens Paiva. “Neste momento, na Argentina, estão sendo julgadas pessoas envolvidas com os chamados voos da morte. Vários daqueles que participaram dessas operações estão sendo condenados”, relatou.

Alerta a futuras gerações – A secretária Nacional dos Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, que também compareceu à sessão solene, apontou a devolução dos mandatos como uma atitude de reconhecimento e de reparação “àqueles que empenharam suas vidas em defesa da democracia”.

Para o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, hoje presidente da Comissão Nacional da Verdade, o reconhecimento oferecido pela Câmara aos cassados indica que uma reparação precisa ser feita. “A verdade, para mim, pressupõe integridade, e o que estamos a ver aqui é o resgate de pessoas que se comprometeram com sua própria integridade”, Fonteles propôs um pacto entre as gerações que viveram o período de exceção e as futuras. “Que nunca mais venhamos a permitir que nossas divergências sejam decididas pelo arbítrio, pela truculência e pelo desaparecimento”, disse.