Em Defesa dos Direitos Humanos, MPF Pede Abertura de Arquivos da Ditadura

Fonte: Rosanne D'Agostino

Provocar o sistema judiciário brasileiro para punir culpados por crimes cometidos durante o período do regime militar no país (1964-1985), assim como insistir junto ao Executivo para que interrompa a série de recursos apresentados contra a abertura de arquivos sigilosos, que podem ajudar a revelar a verdade sobre os autores desses crimes.

Estes são alguns dos objetivos do grupo reunido no “Debate sul-americano verdade e responsabilidade em crimes contra os Direitos Humanos”, em São Paulo, que resultou na confecção de uma carta de intenções a ser enviada ao Executivo, Legislativo e ao Judiciário.

O manifesto pela transparência e pelo fim do silêncio é resultado do encontro de membros do MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo, e nomes como os do jurista Fábio Konder Comparato, Francisco Rezek, ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) e do ex-juiz da Corte Internacional de Justiça (Tribunal de Haia); além de especialistas estrangeiros.

O grupo defende ainda a necessidade de criação de uma Comissão da Verdade, como ocorreu em diversos países latino-americanos, para apurar os crimes cometidos no período. Os membros também pretendem insistir em uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) no Supremo Tribunal Federal em face das Leis nº 8.159/91 e 11.111/05, que dispõem sobre a política nacional de arquivos públicos e sigilo de documentos.

A classificação dos documentos, o estabelecimento de um prazo para a entrega, sanções para o descumprimento das solicitações e um índice nacional dos arquivos sigilosos são necessidades essenciais, segundo Marlon Alberto Weichert, procurador regional da República e autor de estudo sobre a inconstitucionalidade da legislação brasileira de sigilo de arquivos. “A legislação formalmente legítima até hoje só se preocupa com os interesses dos governos”, criticou.

“A lei brasileira hoje protege o sigilo, pois pune apenas quem o quebra. Quem não fornece informações, que são públicas, não tem pena”, afirma Belisário dos Santos Junior, advogado e ex-secretário da Justiça e da Cidadania de São Paulo. “A política oficial é de segredo. Documentos são incinerados, estão em baús, o que vai contra o direito à verdade, à informação, previsto na Constituição Federal”, defendeu. “É o direito à memória, que pertence a esses familiares.”

Weichert, responsável pelo inquérito sobre as ossadas de Perus, em São Paulo, também destacou que se trata de uma responsabilidade, tanto dos agentes que cometeram torturas e uma série de outros crimes durante a ditadura militar, como do Estado. “A prática da tortura atinge toda a sociedade, mas falta vontade política para se abrir esses arquivos”, reforça.

Fábio Konder Comparato defendeu a punição aos que ainda prejudicam as investigações. “Os documentos foram destruídos por alguém, obviamente, por aqueles que tinham a posse, a guarda, a cautela deles.”
A legislação referente à anistia a agentes públicos, Lei 6.683 de 1979, também foi alvo de crítica do jurista. Segundo ele, o artigo 1º da lei não concedeu anistia aos que cometeram tortura durante o regime militar. Segundo o artigo, a anistia é concedida a todos que, no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais. Pelo parágrafo 1º, consideram-se conexos os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

“Os crimes cometidos por agentes públicos contra opositores políticos não se encaixam no termo ‘conexos’ , pois não foram cometidos em conexidade uns com os outros”, argumenta. “Causa espécie que somente agora se discuta sobre isso.”

Desafios
Uma das saídas apontadas para garantir punições é o uso de decisões de cortes internacionais, como entendimento da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos), que considerou inconstitucional a aplicação da Lei da Anistia feita pelos próprios integrantes do poder público.

“Um governo que é agressor não pode fornecer anistia”, afirmou Carlos Frederico de Oliveira Pereira, subprocurador-geral militar, com atuação na Justiça Militar. Weichert também lembrou que decisões de tribunais internacionais podem repercutir no país, como no caso Barrios Alto, que proíbe a auto-anistia, ou seja, que um governo que cometeu crimes contra os direitos humanos se auto-conceda perdão.

Pereira atenta para os obstáculos na legislação, interna e externa, a respeito das sanções do ponto de vista penal. “Não houve conflito armado para sustentar a reação natural da comunidade internacional contra crimes de guerra, o Estatuto de Roma, que prevê punição a crimes contra a humanidade, como é o caso, é posterior aos fatos, e nós não assinamos o tratado da imprescritibilidade”, reforça.

Outro problema é a prescrição. “Isso tem que ser analisado na essência do direito brasileiro”, diz Comparato. “Nós tivemos a escravidão e não demos a menor satisfação a suas vítimas, tivemos regimes de exceção gravíssimos, e nos deixamos apagar por uma Lei de Anistia imaginária. Hoje, há uma consciência unânime de que esse crime é continuado, portanto, não prescreve”, sustentou o jurista.

Leia a íntegra da Carta de São Paulo aqui ... CARTA DE SÃO PAULO


Sábado, 26 de maio de 2007