Em audiência pública, participantes criticam os autos de resistência
O consenso entre os participantes da audiência é que os autos de resistência são usados como forma de criminalização de pobres e negros. O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Paulo Sérgio Rangel do Nascimento, aponta que os autos de resistência, criados juridicamente em 1964 para legitimar as mortes provocadas pelos policiais a serviço da perseguição a opositores da ditadura militar, hoje é utilizada como morte de determinado grupo social. “Auto de resistência não existe enquanto instituto jurídico. O que existe é legítima defesa. Porém, determinadas condutas se utilizam do auto de resistência para exterminar inocentes”, afirmou o desembargador, que vê no Código Penal brasileiro um instrumento de controle social.
Débora Maria da Silva, coordenadora da ONG Mães de Maio, endossa as palavras do desembargador Paulo Sérgio e afirma que os autos de resistência foram criados contra os pobres e os negros. “As áreas periféricas das grandes cidades são os principais alvos da prática dos autos de resistência. Apenas em um fim de semana foram 31 mortos em Salvador, quase sempre jovens negros e muitos deles inocentes”, afirma Débora, representante da organização que presta apoio social, psicológico e jurídico a mães que têm os filhos assassinados, instituída após os episódios ocorridos em São Paulo no mês de maio de 2006.
Por sinal, os crimes de maio, como ficaram conhecidas as centenas de mortes ocorridas naquele mês tendo como pano de fundo o confronto entre forças policiais e facções criminosas paulistas, foi tema da fala do Frei David dos Santos, presidente da Educafro, que defende a federalização dos crimes praticados. “Muitas das 500 vítimas civis foram executadas com tiros nas costas, e várias delas tiveram no seu registro de morte os autos de resistência”. Frei David entende que o Estado deveria tratar da mesma forma as vítimas comprovadas da ditadura militar e os casos documentados de negros e pobres mortos.
O racismo institucional e a negação do direito à vida aos negros estão no cerne da manutenção de práticas como os autos de resistência, avalia o advogado e o ex-secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Gabriel Sampaio. “O Estado investe em políticas erráticas que acabam culminando em práticas violentas da polícia, gerando mais mortes. E essas mortes têm um forte componente de racismo. Enquanto o número de homicídios da população branca reduziu, as mortes de negros aumentam”, pontua Sampaio.
Os participantes da audiência, tanto os da mesa, como os parlamentares e o público presente encaminharam uma série de sugestões à assessoria técnica da CDHM, que subsidiarão os membros do colegiado a planejarem iniciativas. Confira:
Encaminhamentos
- Que a CDHM atue as sobre iniciativas que visem determinar a necessidade de instauração de inquérito policial nos casos em que é evocada a figura dos autos de resistência;
- Que a CDHM reforce o pedido de federalização da apuração dos “crimes de maio”, cometidos em São Paulo;
- Que a CDHM peça informações ao Ministério Público de São Paulo sobre os casos de homicídio classificados como de autoria desconhecida;
- Que a CDHM instale um grupo de trabalho emergencial, evolvendo os Poder Legislativo, Executivo, Judiciário, a Defensoria Pública e o Ministério Público para debater o extermínio da juventude negra e os autos de resistência;
- Que a CDHM debata iniciativas no sentido de promover a desmilitarização das polícias brasileiras;
- Que a CDHM debata a necessidade de reforma das polícias e do Poder Judiciário;
- Que a CDHM debata a elaboração de um projeto de lei que garanta o direito de indenização às famílias das vítimas da polícia;
- Que a CDHM exija que as decisões da CPI sobre o extermínio da juventude negra sejam colocadas em prática;
- Que a CDHM convoque o Conselho Nacional do Ministério Público para debater o combate aos autos de resistência;
- Que a CDHM debata mudanças na política de drogas, já que ela se relaciona diretamente com a situação do sistema penitenciário e com a violência policial;
- Que a CDHM atue sobre as iniciativas legislativas que visem determinar a instalação de inquérito policial e a realização de perícia adequada nos casos de morte violenta (especialmente o PL 4471/2012, de autoria do Deputado Paulo Teixeira);
- Que a CDHM debata iniciativas que visem melhorar a remuneração e as condições de trabalho das polícias brasileiras, a fim de reduzir a letalidade e a vitimização dos agentes policiais;
- Que a CDHM debata iniciativas relacionadas ao fomento à cultura da paz, (especialmente a partir do trabalho da Dep. Keiko Otta), mas que sejam discutidas sob a ótica da justiça
- Que a CDHM peça informações sobre a apuração da chacina no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, e acompanhe a situação de proteção das testemunhas e dos defensores de direitos humanos no estado;
- Que a CDHM debata a discriminação com motivação religiosa