Doses diárias de veneno: do copo de água à comida na mesa
Para debater a contaminação da água e dos alimentos consumidos pelos brasileiros e os dados do estudo, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados fez, nesta quarta-feira (12), uma audiência pública. A iniciativa é de Padre João (PT/MG).
“O Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos. O veneno não está só no alimento. Ele contamina as águas, os rios e o lençol freático. Os dados são alarmantes. Comemos veneno, bebemos veneno e respiramos veneno. Temos que mudar nosso jeito de produzir, respeitando o meio ambiente, as águas e as florestas. Chega de veneno. Temos que ter uma cultura diversificada, agroecológica e orgânica. É mais saúde e vida para todos”, pontua Padre João.
O levantamento também descobriu que, dentre os 5.570 municípios brasileiros, 2.931 não realizaram testes na sua água entre 2014 e 2017. Murilo Mendonça, da Associação Brasileira de Agroecologia, afirma que “são dados alarmantes, que mostram a presença desse coquetel de agrotóxicos em um copo de água potável, em um em cada quatro municípios brasileiros, e os estados campões são Tocantins, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Paraná, com concentração muito alta, maior do que a Europa permite, por exemplo”.
Entre os produtos mais agressivos está o glifosato, com um índice 5 mil vezes maios do que o permitido. Em 2014, o Brasil tinha 14 marcas registradas para a comercialização em 14 empresas. Até a metade de abril de 2019, foram registradas 97 marcas e 40 empresas aptas para a comercialização. Ao todo, o país tem mais de 2.200 marcas de agrotóxicos e cerca de 300 ingredientes ativos registrados.
Marcella Alves Teixeira, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, mostra uma situação contrária. Ela questiona o estudo “Por trás do Alimento”: “Faltam informações de 2.931 municípios, então devemos ter cuidado com essas pesquisas”. Ela apresenta mapas que apontam baixos índices de inconformidades em quase todo país, com exceção do interior da Bahia. Ela destaca que a fiscalização do uso de agrotóxicos é feita por mais duas instituições além do Mapa - o Ibama e a Anvisa.
Taís Cavendish, Ministério da Saúde, informa que as normas de fiscalização vêm sendo atualizadas e que hoje acompanham desde os parâmetros químicos até a responsabilidade do abastecimento: “Exigimos monitoramento obrigatório de 27 agrotóxicos que podem estar presentes na água, sendo que 11 deles já foram banidos, mas são achados até hoje por causa da resistência ambiental. Um monitoramento feito a cada seis meses desde a saída do manancial até o abastecimento”.
Doenças, suicídios e agrotóxico no leite materno
“Só aqui em Brasília acham que existe fiscalização, ninguém fiscaliza pulverização aérea, por exemplo. Só em Goiânia, aqui do lado, são 20 agrotóxicos na chamada água potável. No Hospital do Câncer Infantil de Campinas, aumentaram os casos da doença, no Mato Grosso do Sul são casos de aborto espontâneo, crianças nascendo com má formação e resíduos de agrotóxicos no leite materno”, enumera Leomar Daroncho, diretor-geral do Ministério Público do Trabalho. Ele traz outros exemplos: “No interior do Mato Grosso, aumentaram os casos de autismo, na região fumageira gaúcha, nos anos em que houve maior uso de agrotóxicos, os casos de suicídio cresceram porque os agrotóxicos provocam alterações endócrinas, e isso quer dizer problemas psíquicos como a depressão. Daroncho sugere o incremento de modelos alternativos e menos agressivos para controle de pragas e doenças através de linhas de financiamento que também propiciem pesquisas para o setor. “E temos que ensinar o trabalhador a não pulverizar em cima de escola, de tribo indígena, que não jogue dejetos na água do rio. Porque ele também paga por isso, são milhares de casos de agricultores com veneno no sangue e na urina”.
Segundo o Ibama, hoje são 2.263 produtos agrotóxicos no mercado e um uso anual de mais de 500 mil toneladas. O Instituto iniciou este ano, em quatro estados, um programa de análise de solo e água, e que deve ser estendido a amostras de animais.
Jorge Machado, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirma que há uma contaminação sistêmica e qualquer presença de agrotóxico na água traz riscos. Ele defende uma articulação intersetorial com promoção da vigilância em saúde, além da mobilização, organização e participação social: “Encontramos contaminação em poços de água de escolas no Mato Grosso, nas plantações de cana-de-açúcar e outras monoculturas em São Paulo também têm índices bem altos”. Ele defende uma agricultura de transição com, por exemplo, o banimento gradativo da pulverização e restrições mais severas ao uso do glifosato.
Para o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES), o tema deve ser discutido com profundidade e conhecimento técnico isento, “para construir consensos em relação a utilização dos agrotóxicos, não apenas por causa dos efeitos imediatos na produção, no meio ambiente e na saúde, mas nas consequências para as futuras gerações, pois estamos falando do direito à vida com saúde”.
Também participaram do encontro Danilo Lourenço de Sousa, coordenador de Controle Ambiental de Substâncias e Produtos Perigosos do Ibama e Kleber Santos, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia.
Cuidados em casa
Diferente da água, há modos simples de retirar os agrotóxicos impregnados em alimentos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda adquirir alimentos orgânicos ou provenientes de sistemas agroecológicos, assim como os chamados alimentos da ‘época’. Um guia publicado pela Agência explica que os pesticidas podem ser classificados em dois modos de ação, os sistêmicos e de contato. O primeiro atua no interior das folhas e polpas, penetrando nelas. Já os de contato vão para as partes externas do vegetal. Assim, lavar e retirar as cascas e folhas pode ajudar para retirar parte dos pesticidas, mas a água é incapaz de eliminar aqueles que ficam no interior do alimento. A Anvisa indica, ainda, a imersão dos alimentos por 20 minutos em água sanitária, que pode diminuir também a contaminação por germes e micróbios. O ideal é usar a água sanitária tradicional, ou seja, que contém apenas hipoclorito de sódio.
Pedro Calvi / CDHM