Como disse Asperger: “para se ter sucesso na ciência e na arte, é preciso uma pitada de autismo”
Amanda segue falando do papel da mídia na construção do preconceito que cerca os autistas. “No cinema, são sempre homens e brancos. Completamente alienados ou gênios. Se conseguiu um emprego no McDonald’s, oh, que bom! Se um jornal mostra numa reportagem que um jovem “superou” seu diagnóstico e conseguiu terminar uma faculdade, na verdade quer dizer que o diagnóstico era terrível e que ir até o fim na faculdade não era natural ou esperado”. Ela conclui, afirmando: “como se a deficiência fosse algo terrível, um castigo de Deus, uma provação e um karma na vida”.
Ativista, Amanda foi uma dentre outros expositores do encontro promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) para discutir avanços na participação dos autistas em movimentos da sociedade civil e na política partidária institucional. O encontro marcou também o Dia Internacional do Autismo, 18 de junho. Pela primeira vez um debate sobre o tema teve a mesa formada só por autistas.
Rita Louzeiro, do Coletivo de Mulheres com Deficiência do Distrito Federal, lembra de uma audiência pública feita em 2016: “Invadimos a audiência que era sobre o dia do autismo, mas sem nenhum autista. Hoje, na mesa só tem autista, isso é um avanço. Mas continuamos sem atendimento adequado e sem serviços adaptados”. Ela dá o exemplo do irmão, que tem um grau severo de autismo e ainda não se comunica de forma oral. “Se ele pudesse vir, teria muita coisa importante para falar. Mas os governos não cumprem a lei e nem a Convenção da ONU sobre Pessoas com Deficiência, que o Brasil faz parte”, esclarece.
A presidente da Associação Brasileira por Ação pelos Direitos das Pessoas Autistas também lembra da Convenção: “Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção e ela é a lei para que a gente possa ser quem a gente é, para que possamos nos organizar. Historicamente viemos sendo representados pelos nossos pais até nas decisões. Mas isso tem que mudar. Queremos representação nos movimentos sociais e no poder público. Não estaria aqui se não tivesse sido treinada e preparada. E agora quero fazer o mesmo com outras pessoas. Não acredito em anjos, acredito em pessoas”.
“Temos que ter políticas públicas para diagnóstico, atendimento especializado e medicamentos para os portadores do autismo. O país carece de dados oficiais, mas estima-se que 2 milhões brasileiros sofrem com o transtorno autista. É preciso atenção especial a estes pacientes, às famílias e capacitar os profissionais nas escolas para bem atender e incluir”, destacou o deputado Padre João (PT/MG) que, junto com Áurea Carolina (PSOL/MG), solicitou a audiência pública.
Identidade social
Viver em um contexto social que impõe barreiras diárias às pessoas com deficiência molda a identidade de cada uma delas. São barreiras que dificultam acesso à direitos básicos como ir ao banheiro, estudar numa escola preparada ou até mesmo se comunicar. A forma como cada um se posiciona nessas situações cria a identidade social. Ana Beatriz de Souza, coordenadora do Grupo Neurodiversos da Casa da Esperança de Fortaleza e administradora da página Vida no Espectro, explica que, para os autistas, esse processo funciona da mesma forma que para qualquer outra pessoa: “Se a pessoa tem vergonha, que ficam escondidas, têm uma identidade negativa. Isso provoca depressão e até suicídio. Quem se identifica, se assume como autista, quer seus direitos, mas não milita. A Identidade politizada participa dos movimentos e luta pelos direitos dela e dos outros, e essa é formada através da convivência em grupo”.
Para William Jesus Silva, ativista pela Neurodiversidade, afirmou que “está na hora de sairmos do armário”. Silva ressaltou que o autismo não é uma doença, mas uma condição neurológica adversa: “Temos uma diferença humana, como qualquer outra. Precisamos ocupar todos os espaços de poder porque temos capacidade no destino do nosso país, principalmente no momento que estamos vivendo. E vamos disputar cargos eletivos nas próximas eleições municipais”.
“A ausência de participação é tão evidente que, mesmo se configurando discriminação baseada na deficiência, os termos 'autismo' e 'autista` são usados frequentemente por jornalistas, autoridades e figuras públicas defensoras de direitos humanos como adjetivos desqualificadores”, disse a parlamentar Áurea Carolina.
Lugar de fala
Alguns autistas não conseguem desenvolver a fala - são os “não oralizados”. É o caso de Victor Hugo Santos. Ele é paciente da Casa da Esperança, em Fortaleza. A participação dele foi lida por um auxiliar: “Aos 3 anos fui diagnosticado com autismo infantil. Não uso a comunicação oral. A inclusão e as políticas públicas são necessárias. Nasci autista e vou ser sempre autista. É preciso encontrar solução para os nossos problemas, que entendam nossas necessidades. Não peço só por mim, mas para todos. O primeiro passo é incluir o autista na sociedade, isso é importantíssimo, e enfrentar o preconceito, que nunca deixou de existir”. Por causa de problemas financeiros da família, Victor teve o tratamento interrompido.
O autismo
Segundo a neurodiversidade, o autismo é uma condição de diversidade neurológica humana, de base genética e que apresenta uma forma diferente do cérebro receber, processar e responder a determinadas informações cognitivas e sensório-motoras. O cérebro do autista influencia o desenvolvimento do indivíduo desde o útero até as fases mais tardias da sua formação. O expressivo número de genes envolvidos e também condições coexistentes como por exemplo a epilepsia, a deficiência intelectual ou as altas habilidades, fazem com que o autismo se apresente de forma tão múltipla que nenhum autista é igual ao outro.
Como disse Hans Asperger, médico que deu nome à síndrome do autismo: “para se ter sucesso na ciência e na arte, é preciso uma pitada de autismo”.
Pedro Calvi / CDHM
Fonte: Abraça