Comissão vai solicitar à ABL documento que pode esclarecer circunstâncias da morte de Anísio Teixeira
Na audiência pública desta quarta-feira (28) diferentes versões de especialistas e conhecedores da história de vida do educador Anísio Teixeira procuraram esclarecer, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, circunstâncias nebulosas e suspeitas que envolvem a morte do educador Anísio Teixeira em 1971, durante a ditadura militar. O filho do educador, Carlos Teixeira, lembrou que um documento escrito nesse mesmo ano, pelo acadêmico e crítico literário Afrânio Coutinho, já morto, teria sido guardado na Academia Brasileira de Letras para ser revelado 50 anos depois. Portanto, em 2021, e talvez o único registro formal sobre o caso.
Diante da revelação, a deputada Luiza Erundina, presidente da Comissão “Memória, Verdade e Justiça” pediu que o documento seja solicitado à Academia Brasileira de Letras, à luz do que estabelece a Lei de Acesso à Informação.
A audiência permitiu também aos presentes aprofundar detalhes sobre a morte do educador. O filho, Carlos Teixeira, lembrou que o desaparecimento do pai, em 11 de março de 1971, ocorreu entre as mortes do deputado Rubens Paiva e do militante de esquerda Stuart Angel Jones. Episódios estes comandados por aparelhos de repressão montados pela Aeronáutica à época. Carlos Teixeira disse que recebeu informações de políticos ligados à família, quando do desaparecimento de Anísio, que ele fora detido pela Aeronáutica.
O corpo de Anísio, então com 71 anos, foi encontrado dias depois em um fosso de elevador no prédio do acadêmico Aurélio Buarque de Holanda, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. A casa de Aurélio seria o destino de Anísio. Porém, ninguém o viu entrar no prédio naquele dia. O filho supõe que o pai tenha sido sequestrado por pessoas ligadas aos órgãos de repressão no caminho para a casa de Aurélio, foi morto e depois colocado no fosso do elevador, dando a impressão de que por descuido ali caiu e morreu.
Teses sobre um homicídio
A tese de crime político é reforçada por evidências, disse Carlos Teixeira. “Os traumas violentos eram incompatíveis com a postura em que foi encontrado e não havia qualquer sinal do corpo nas pilastras. O corpo também foi retirado sem que tenha sido feita perícia”, explicou.
O ex-deputado Haroldo Lima destacou reportagem do jornal “Ultima Hora” em que a polícia informou incoerências do suposto acidente. Uma delas, a de que Anísio foi encontrado sem sapatos ou paletó. Outra questão inusitada é que o corpo de Anísio, reconhecido no IML por amigos da família, entre eles Afrânio Coutinho, exibia pulseira com o nome de um oficial da Marinha, que morava na vizinhança e teria cometido suicídio. Sobre esse militar suicida nada foi apurado até hoje.
Para Haroldo Lima, a Comissão deve se debruçar sobre o enigma do militar suicida e também pedir informações à Aeronáutica sobre o possível recolhimento de Anísio Teixeira a uma de suas bases.
O biógrafo de Anísio, João Augusto Rocha, anunciou o lançamento em breve de livro sobre ó legado do educador baiano para a cultura e a educação brasileiras. Ele lembrou ainda que Anísio pleiteava ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e, pelos ideais que defendia, sofria restrições “de uma entidade tida como conservadora”.
João Augusto pediu que as comissões que apuram o caso da morte do educador (Parlamentar, Nacional da Verdade, Estadual do Rio de Janeiro e da UnB) atualizem a importância do legado dele à época e nos dias de hoje. A deputada Luiza Erundina ressaltou a importância desse ideal, da universalização da educação pública, e afirmou que solicitará à presidência da Câmara sessão solene em que será destacado a proposta de Anísio pela educação pública.
Um semeador de ideias como inimigo
Ao representante da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília, Cristiano Araújo Pinto, coube elucidar a razão pela qual o educador e ex-reitor da UnB teria entrado na mira dos órgãos de repressão da ditadura. Anísio seria visto como “um inimigo do regime” pelas ideias que defendia para a educação. “O regime estava preocupado com o perigo de sua mensagem, do espírito para a educação humanitária, universal, pública e emancipatória (do indivíduo)”.
De acordo com o pesquisador, há textos do regime que condenam as ideias de Anísio. Outra evidência, disse, é a ocupação da Universidade de Brasília por tropas militares, logo no início do regime, e a deposição de Anísio do cargo de reitor.
O deputado Chico Alencar (PSol/RJ) destacou que a questão da morte de Anísio recebeu inúmeros acessos em sua página pessoal, mais de 200 mil visualizações. As intervenções dos internautas, disse o deputado, mostrou que o público desconhecia essa tragédia da história brasileira e se mostrava bastante interessado na elucidação do caso.
Mais transparência e ousadia
Ao final da audiência, a deputada Luiza Erundina destacou ao representante da Comissão Nacional da Verdade convidado, Marcio Kameoka, que espera “maior transparência” da CNV e trabalho conjunto entre as comissões. Erundina pretende convocar uma audiência específica para isso, já que entre as competências da comissão parlamentar está a de acompanhar e fiscalizar os trabalhos realizados pela comissão do Executivo. “Estamos devendo à sociedade. A Comissão Nacional deveria ousar mais”, disse a parlamentar.