Comissão debate direitos dos pescadores artesanais

25/11/2021 18h44
Participantes defenderam necessidade de garantia dos direitos previdenciários, apontaram que opção por recadastramento digital exclui milhares de profissionais e defenderam a aprovação do PL 131/2020

Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados

Comissão debate direitos dos pescadores artesanais

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias debateu nesta quarta-feira (24) as dificuldades enfrentadas por pescadores artesanais no Brasil.

Representantes dos trabalhadores da pesca narraram as dificuldades vivenciadas para ter acesso a direitos previdenciários e manifestaram preocupação com o recadastramento dos profissionais já em curso. Eles argumentam que não foram ouvidos a respeito da metodologia e que a opção por realização de atualização digital desconsidera dificuldades regionais e de acesso à internet.

O deputado e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Carlos Veras (PT/PE), afirmou que o argumento de coibir fraudes não pode ser utilizado para desconsiderar as enormes desigualdades brasileiras de acesso à internet. “Pescadores e pescadoras artesanais contribuem com a segurança alimentar no país e ajudam a preservar o planeta, as florestas e a natureza. O grito de vocês não pode ficar restrito aos seus territórios, o Brasil precisa ouvir”, reforçou.

Para o deputado Joseildo Ramos (PT/BA), o recadastramento, da maneira que vem sendo realizado, nega os direitos desses trabalhadores. O parlamentar apontou que o atendimento na base deveria ser priorizado. “Qual o acesso que os pescadores têm, nesse imenso território nacional, a internet de qualidade para que, no tempo certo, possam fazer o recadastramento?”, questionou.

Florivaldo Mota, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), explicou que entre as principais reivindicações dos pescadores estão a necessidade de diálogo por parte do INSS e a questão das regras para o recadastramento. “Ele [o governo] não quis saber se o pescador que mora lá na Amazônia, que precisa de quatro, cinco horas de barco para chegar em uma cidade que tem internet, vai ter condição de fazer. Nós não somos contra o recadastramento, somos contra o modelo que o governo está impondo. Pescadores de todo o Brasil não vão conseguir fazer até a data prevista”.

Ormezita Barbosa, do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), relatou que os representantes dos pescadores não conseguiram ser ouvidos pelo INSS e pediu apoio para o PL 131/2020, que trata do reconhecimento, proteção e garantia do direito ao território de comunidades tradicionais pesqueiras. A proposta teria como objetivo garantir a essas comunidades a concretização e efetivação de seus direitos individuais, coletivos e difusos de natureza econômica, social, cultural e ambiental, compreendendo a proteção e promoção de seus modos de criar, fazer e viver.

“Pescadores e pescadores artesanais são guardiões das águas e das terras, é preciso olhar para esse conjunto de trabalhadores e trabalhadoras como quem produz alimento, como quem gera vida”, reforçou Ormezita, citando que atualmente são cerca de 1 milhão e meio de pescadores e que um censo efetivo pode chegar a número muito maior.

Wilson Rocha Fernandes Assis, procurador da República, representante da 6ª Câmara - Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, argumentou que o racismo estrutural existente no Brasil impacta esses trabalhadores. “É racismo que a gente criminalize determinados modos de vida”, apontou.

Transitoriedade permanente

O procurador explicou que o desconhecimento das especificidades da atividade profissional, da sazonalidade das atividades ainda leva a leituras equivocadas sobre benefícios e direitos garantidos por lei a esses profissionais. “No Brasil eles vivem uma situação de transitoriedade permanente. O Estado constantemente adia o reconhecimento dos direitos dessas comunidades. Uma transitoriedade que acaba se estabelecendo como permanente, colocando-os em uma situação de permanente vulnerabilidade”, citou, usando conceito da pesquisadora Raquel Rolnik.

“Existe no mundo, segundo essa pesquisadora, uma crise global de insegurança das posses em razão do capitalismo hegemônico, que não respeita direitos humanos, que coloca o lucro acima da vida das pessoas. E a gente vê as posses de povos e comunidades tradicionais no Brasil e no mundo constantemente ameaçadas”, acrescentou Wilson, defendendo que a mobilização social e a articulação entre diferentes setores é fundamental para garantir os direitos dos pescadores artesanais.

Representante do governo

Natali Piccolo, diretora do Departamento de Registro, Monitoramento e Fomento da Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), explicou que o plano de transformação digital do governo federal tem o propósito de garantir a oportunidade de acesso aos serviços públicos por meio de plataformas digitais. Com isso, haveria uma redução de custos, uma base de dados mais eficiente e a promoção do acesso a serviços independentemente de uma estrutura pública federal na ponta. Segundo ela, é uma busca de otimizar o oferecimento do serviço ao público.

“Antes os pescadores precisavam se mover à superintendência para resolver os seus problemas, e agora nós estamos passando por um procedimento tanto de dar acesso por meio do peticionamento eletrônico, bem como acessar o cadastro on-line”, explicou.

Encaminhamentos

Ao final do encontro, Carlos Veras listou uma série de encaminhamentos que serão realizados para procurar garantir direitos aos trabalhadores e trabalhadoras da pesca: audiências com a Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, e com o Presidente do INSS, José Carlos de Oliveira; constituição de força-tarefa para analisar os processos previdenciários represados e para revisão dos casos indeferidos, solicitação ao MAPA de revisão das regras do recadastramento e a ampliação do prazo e solicitação à Presidência da Câmara para a constituição de comissão especial para deliberação do PL 131/2020.

Fábia Pessoa/CDHM