Comissão de Direitos Humanos e Minorias debate combate à LGBTfobia

A audiência pública, realizada na tarde desta quarta-feira (19), reuniu representantes de várias organizações e debateu o grave quadro de violência e a necessidade de ações que resguardem de maneira mais efetiva a integridade física e psicológica da população LGBTQIA+
19/05/2021 20h30

Captura e montagem: Fernando Bola/CDHM

Comissão de Direitos Humanos e Minorias debate combate à LGBTfobia

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o Deputado Carlos Veras (PT/PE), iniciou a audiência alertando sobre a necessidade de avanços em relação aos direitos das pessoas LGBTQIA+. “O STF criminalizou atos LGBTfóbicos. Isso foi um grande avanço para o reconhecimento da plena dignidade de todos os seres humanos no Brasil, independente de sua identidade de gênero ou de sua orientação sexual. Mas ainda temos muito o que avançar, seja em políticas para efetivação dessa lei, seja em outras políticas para promoção da plena igualdade e cidadania das pessoas LGBTQIA+”.

Em 2020, segundo o Relatório Anual de Mortes Violentas de LGBT do Grupo Gay da Bahia (GGB), 237 LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da LGBTfobia: 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%).

Para o deputado Helder Salomão (PT/ES), há muita LGBTfobia no Brasil. Segundo ele, existe um ativismo em torno da LGBTfobia, e a atuação da sociedade civil organizada é fundamental para defender a democracia e evitar que o cenário seja ainda mais grave. “A democracia não é o poder da maioria, onde minorias devem ser submetidas aos interesses da maioria. Uma democracia de fato é aquela em que as decisões da maioria garantem os direitos da minoria, porque, senão, não é democracia. A vontade da maioria não pode desrespeitar interesses da minoria da sociedade e hoje nós temos a invisibilidade das populações LGBT”, afirmou.

A deputada Vivi Reis (PSOL/PA) falou sobre a complexidade da vivência LGBTQIA+ e apontou a necessidade da construção de políticas em diferentes áreas. “Falar sobre a luta LGBT não é falar sobre uma luta específica, é falar sobre uma totalidade, é falar que LGBTs precisam de políticas públicas para atenção integral à saúde, direito à reprodução assistida, à retificação dos documentos, a um processo transexualizador, o direito à moradia digna, à alimentação, ao trabalho, à cultura, à arte, o direito à vida. As vidas LGBTs importam”.

Alessandro Mariano, do Coletivo LGBT Sem Terra, apontou retrocesso na garantia dos direitos da população LGBTQIA+, lamentou a extinção do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais Travestis e Transexuais e lembrou do assassinato recente de Lindolfo Kosmark, gay, camponês, professor, militante do MST, de 25 anos, morto de forma brutal. “Lindolfo entra para a estatística de crimes de LGBTfobia, de crime de ódio. Mais um companheiro nosso, da nossa luta, que infelizmente perde a vida. Por isso, neste mês de maio, a gente, junto com as organizações do conselho, fez o chamado 17M pela vida das LGBTQIA+, vacina e trabalho”.

Alessandro reforçou que é importante seguir defendendo a comunidade LGBT, constantemente desumanizada, e recitou trechos de um poema de Bruna Mattos. “A despeito de todo ódio, seguimos firmes. A despeito de todo o ódio, o amor existe. É sempre tempo de amor, porque nada pode deter a primavera e o povo, porque nada pode deter a primavera do povo. Venceremos”.

Bruna Benevides, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), destacou que o Estado brasileiro descumpre tratados internacionais com relação à proteção das pessoas LGBTI. “Nós estamos denunciando a omissão e as tentativas constantes de institucionalização da LGBTIfobia com a apresentação de projetos que pretendem criminalizar a nossa existência, mas também perpetuar estigmas negativos sobre a nossa comunidade. Gostaria de saudar Alexandre Ivo, Dandara Ketlin, Tadeu Nascimento, Madalena Leite e Keron Ravach, pessoas que foram assassinadas com crueldade por este Brasil. Lembrando que Keron se tornou a mais jovem transexual vítima do ódio, tendo sido violentada e espancada com treze anos de idade e assassinada no Ceará”, lembrou.

Bruna apontou que é preciso uma atuação mais efetiva do Legislativo. “Esta Casa precisa assumir o compromisso com as nossas vidas, interromper essa fluxo de violência que está naturalizado. A falaciosa ideologia de gênero mata, tem direcionado corpos, identidades para o assassinato ou para o suicídio, que é uma questão extremamente preocupante. A LGBTfobia por omissão também mata”, disse.

Felipe Santos, da Articulação Brasileira de Gays (ARTGAY), destacou a gravidade do quadro. “Infelizmente o Brasil continua sendo campeão no ranking de assassinatos contra a nossa comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais e pessoas intersexo. Nós saímos de um momento de luto para a luta, neste contexto de pandemia, onde o Estado brasileiro nega a ciência, nega o direito à saúde. Nós viemos aqui denunciar publicamente que, só em 2020, 237 LGBTs foram barbaramente assassinados”.

O representante da Artgay também apontou que o risco de assassinato de um LGBT no Nordeste é três vezes maior que em outras regiões. 

O Nordeste ocupa o primeiro lugar em número de mortes, com 113 casos, seguido do Sudeste, com 66, Norte e Sul com 20 mortes cada  e o  Centro-Oeste, com 18 mortes. O risco de um LGBTQIA+ ser assassinado no Nordeste é quase três vezes maior do que no Sul.

Fortaleza foi a capital mais LGBTfóbica: 20 mortos, o dobro de São Paulo (10), que é cinco vezes mais populosa.

Felipe denunciou o caso de Daniele da Silva, de 31 anos: a travesti desapareceu no início do mês depois de pegar um ônibus da Paraíba para Belo Horizonte. Segundo Felipe, Daniele foi em busca de oportunidades de trabalho, pois a pandemia e a falta de auxílio tornaram ainda mais vulnerável a população LGBTQIA+ a desaparecimentos e suicídios.

Janaína Oliveira, da Rede Afro LGBT, apontou uma institucionalização da LGBTfobia e um desmonte das políticas de participação social. “Negar nossa existência é negar nosso direito à vida, negar o Covid é negar o direito à vida. O Estado precisa ter responsabilidade com a vida de todas, todos e todes”.

Symmy Larrat, da Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), apontou a falta de informações confiáveis sobre a população LGBTQIA+, que impedem a construção de políticas públicas específicas e a avaliação concreta do cenário de violência. “Não há protocolos de investigação, não há protocolo de atendimento, não há protocolo para a inclusão e isso faz com que haja um completo apagamento dessas violências. Faltam dados. Isso gera um sentimento de impunidade, que faz com que a gente continue sendo perseguida, assassinada e violada nos nossos direitos diariamente”. 

Violência contra a população LGBTQIA+

Há 41 anos, o Grupo Gay da Bahia (GGB) coleta informações e divulga o Relatório Anual de Mortes Violentas de LGBT no Brasil. É a única pesquisa nacional que inclui todos os segmentos dessa comunidade. A partir deste ano, o GGB  conta com a coautoria do grupo Acontece Arte e Política LGBTI+, de Florianópolis.

Desde que o Grupo Gay da Bahia iniciou o Relatório Anual, em 1980, é a primeira vez que as travestis e mulheres trans ultrapassaram os gays em número de mortes: 161 travestis e mulheres trans (70%), 51 gays (22%), 10 lésbicas (5%), 3 homens trans (1%), 3 bissexuais (1%) e 2 heterossexuais confundidos com gays (0,4%).

Comparativamente aos anos anteriores, observou-se em 2020 redução das mortes violentas de LGBTQIA+: de 329 para 237, diminuição de 28%. O ano recorde foi 2017, com 445 mortes, seguido por 2018, com 420, baixando para 329 mortes em 2019 e agora 237 em 2020.

Essa tendência de redução de mortes violentas foi observada em 2019 na população brasileira em geral, assim como entre transexuais e homossexuais, porém, em 2020, segundo dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal, houve no Brasil um aumento de 5% nos assassinatos em comparação com 2019. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, houve um aumento de 41% de mortes entre travestis e mulheres trans.

A estimativa é que a cada 36 horas um LGBTQIA+ brasileiro seja vítima de homicídio ou suicídio, o que aponta o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. Segundo agências internacionais de direitos humanos, mata-se mais homossexuais e transexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África, onde persiste a pena de morte contra tal segmento.

Em 2020 foram registrados 215 homicídios (90,7%), seguido de 13 suicídios (5,4%) e 9 latrocínios (3,7%). Em sua maioria, mortes violentas com arma de fogo (42,3%), armas brancas (23%) e espancamento (9,1%).

Fábia Pessoa/CDHM