Comissão da Câmara dos Deputados vai a Alcântara acompanhar situação de quilombolas após acordo com os EUA para uso da base aérea
Para acompanhar a situação dessas famílias de quilombolas ameaçadas pela expansão do Projeto Espacial Brasileiro e prevenir que não ocorram mais violações dos direitos humanos, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) fará, nos próximos dias 04 e 05/07 (quinta e sexta-feira), uma diligência a Alcântara e São Luiz. Farão parte do grupo os parlamentares Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM, Bira do Pindaré (PSB/MA) e Márcio Jerry (PCdoB). Também participam da diligência a procuradora federal dos Direitos Humanos, Déborah Duprat e Hilton Araújo de Melo, procurador da República no Maranhão, além de representantes da sociedade civil e lideranças políticas locais.
“A demarcação das terras identificadas há mais de uma década é uma das principais exigências dos quilombolas. Sem a garantia da posse da área, o medo de remoções é constante, a rotina é instável, com reflexos na cultura e na tradição das comunidades. Essa morosidade provoca incerteza e violações de direitos”, afirma Helder Salomão.
Programação
Na quinta-feira (4/7), a diligência visita duas comunidades de quilombolas em Alcântara, uma delas remanejada na década de 1980 (Agrovila), e outra do litoral. Na sexta-feira (5/7), pela manhã, acontece um reunião com representantes da sociedade civil em Alcântara. Pela tarde, é a vez de uma audiência com o Governador do Estado do Maranhão, Flávio Dino, no Palácio dos Leões, Praça Dom Pedro II, Centro Histórico de São Luiz.
2018
É a segunda diligência da CDHM a Alcântara. Em dezembro de 2018, a Comissão encontrou-se com quilombolas e representantes do judiciário e do governo estadual do Maranhão. Na visita concluiu-se que, observando tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que o Estado brasileiro autorize, por meios e medidas necessárias, que as comunidades quilombolas participem dos lucros gerados pelas operações do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) como medida de reparação dos danos sofridos ao longo de décadas; que sejam preservados todos os direitos territoriais e de propriedade coletiva das comunidades quilombolas de Alcântara; e que seja assegurado pelo Congresso Nacional o direito de consulta prévia, livre e todas as informações às comunidades de todas as fases da instalação das novas operações no CLA.
Entretanto, sem que qualquer procedimento de consulta tenha sido adorado, em 18 março de 2019, durante visita do Presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, foi assinado com aquele país o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que permite o uso comercial da base de Alcântara.
A CDHM também já promoveu duas audiências púbicas sobre o tema. A última delas, em 10 de abril deste ano, com o ministro Marcos Cesar Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
História
No final da década de 1970, o governo militar brasileiro lançou a Missão Espacial Completa Brasileira, que previa a criação de um centro espacial no país. A área escolhida foi a Ilha do Cajual, onde fica a cidade de Alcântara, no Maranhão. O local é considerado uma das melhores zonas de lançamento do mundo, por causa da localização próxima da linha do equador, que permite uma economia de cerca de 30% no combustível necessário para essas operações. Décadas depois e três tentativas fracassadas de mandar para o espaço veículos lançadores de satélites - em uma delas 21 pessoas morreram -, o governo do ex-presidente Michel Temer tentou implementar o polêmico acordo com os Estados Unidos em 2018. Porém, para que esse acordo vá em frente, a área do CLA deve ser ampliada e, para isso, 27 comunidades quilombolas deverão ser removidas para o interior da ilha. Mas essas 791 famílias, que compõem o total de 2,121 pessoas, querem, antes de tudo, receber os títulos de posse da terra, direito já reconhecido pelo próprio Incra através do Relatório Técnico Identificação e Delimitação (RTID) publicado em novembro de 2008.
Para implantar o CLA em 1983, o governo deslocou 312 famílias quilombolas das terras delas sem consultá-las, sem pagar indenizações ou reparar os danos sociais, culturais, políticos e econômicos a elas. A violação de direitos dessas famílias foi denunciada, em 2008, na OIT em Genebra, na Suíça. Atualmente, o CLA abrange 8.700 hectares. Um acordo para não extensão do atual perímetro foi homologado em sentença judicial em novembro de 2008.
As famílias remanejadas no início do projeto viviam no litoral, pescavam e tinham pequenas plantações. Hoje, vivem nas chamadas agrovilas. O peixe e os alimentos chegam de moto e são vendidos. Estes milhares de remanescentes de quilombos são netos de escravos que trabalharam nas fazendas de cana até o declínio do ciclo, no final do século 19, e que permaneceram nas terras. Portanto, quando os militares chegaram, essa população ocupava a região há pelo menos um século.
Em 2001 o MPF exigiu que fosse feita uma perícia antropológica para apontar precisamente a área de ocupação tradicional quilombola. O laudo, que apontou 85 mil hectares de terras pertencentes aos quilombolas, foi finalizado no mesmo ano, mas a titulação nunca aconteceu.
O Brasil nunca conseguiu por meios próprios fazer lançamentos para colocar satélites em órbita. Já uma parceria com a Ucrânia, batizada de "Alcântara Cyclone Space", consumiu entre os anos de 2007 a 2015 cerca de 480 milhões de reais sem alcançar nenhum objetivo.
Pedro Calvi / CDHM
61-992193665
Fontes: Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações / Agência Brasil