Comissão da Câmara contesta suicídio de presos sob custódia da polícia no DF*

*Por Letícia Carvalho, do portal G1 A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados apresentou ao Ministério Público do Distrito Federal, nesta quinta-feira (8), um relatório que contesta as causas das mortes de dois presos que estavam sob custódia em delegacias do DF. Ao todo, cinco casos foram analisados.
12/03/2018 14h17

Leticia Carvalho / G1

Comissão da Câmara contesta suicídio de presos sob custódia da polícia no DF*

A lista de contestações inclui o caso do motorista da Caixa Econômica Federal Luis Cláudio Rodrigues – encontrado morto no interior da cela da 13ª Delegacia de Polícia (Sobradinho), em julho de 2017, após ter sido detido por embriaguez ao volante.

Pouco mais de um mês após o ocorrido, a Corregedoria da Polícia Civilinformou que o inquérito definiu o suicídio como "causa inconteste". Inconformada com a conclusão, a família da vítima procurou a Comissão de Direitos Humanos.

A análise alternativa foi feita pelo professor de medicina legal Jorge Paulete Vanrell. O perito também atua em um grupo multidisciplinar para prevenção da tortura e da violência institucional, atrelado à Secretaria de Direitos Humanos do governo federal.

Vanrell examinou os laudos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil e do Instituto Médico Legal (IML) sobre a morte de Luis Cláudio. Segundo o especialista, a partir da análise dos documentos foi constatada uma “série de incongruências”.

Veja alguns dos itens apontados por Vanrell:

 

  • Após ser preso, Luis Cláudio deveria ter sido deixado apenas com roupas íntimas na carceragem. As peças adicionais de roupa foram usadas para montar a corda do enforcamento. “Decisivo no desenlace fatal desta ocorrência, porquanto ofereceria o 'instrumento' necessário para ensejar uma possível autoeliminação”.
  • Exame do bafômetro, realizado no motorista às 15h42 em 14 de julho de 2017, acusou um índice de 1,35 miligramas de álcool por litro de ar expelido. De acordo com o IML, Luis Cláudio morreu entre as 17h30 e 18h40. A quantidade de álcool ainda presente no sangue impossibilitaria a coordenação motora “exigida” em uma tentativa de suicídio.
  • Nos laudos, não constam os resultados dos exames do material biológico (sangue, urina, conteúdo gástrico e do corpo vítreo do olho) solicitados e encaminhados ao laboratório do Instituto de Criminalística.
  • Os peritos não detalharam informações sobre tamanhos e formas da marca (sulco) encontrada no pescoço de Luis Cláudio.
  • A perícia do IML não pesquisou a hipótese de o motorista ter sido imobilizado de alguma maneira “para, a seguir e por mão alheia, inconsciente, ser dependurado no sistema de constrição, onde asfixiar-se-ia entre 10 e 15 minutos, pelo seu próprio peso”

Outro laudo

 

Parentes de Luis Cláudio também encomendaram um parecer técnico ao perito Leví Inimá de Miranda, da Polícia Civil do Rio de Janeiro. O documento atestou que o motorista foi vítima de homicídio qualificado.

A avaliação técnica, feita de forma voluntária, foi entregue aos familiares de Luis Cláudio em 20 de outubro do ano passado. O relatório, então, chegou às mãos do Ministério Público no mês seguinte. Nele, Miranda concluiu que Luís Cláudio morreu de “asfixia mecânica” por estrangulamento – golpe conhecido como mata-leão ou gravata –, dentro da unidade policial.

O documento é estudado por um perito do Ministério Público, por recomendação do Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial do órgão. Além desse parecer, a Comissão de Direitos Humanos quer que o MP acrescente o relatório do perito Jorge Paulete Vanrell à investigação.

"Dois peritos, voluntariamente, mostraram que o meu primo não ceifou a própria vida", disse Eduardo Feitoza.

Suicídio ou afogamento?

 

Vanrell também analisou o caso de um rapaz levado para a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA II), em Taguatinga, em 10 de maio de 2015. O jovem, colocado na sala de contenção 3 às 17h, foi achado morto uma hora depois da apreensão. Ele estava pendurado com a própria camiseta enrolada no pescoço.

Por meio dos laudos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil e do IML – que atestaram que o adolescente teria se matado –, o especialista também enumerou algumas “incoerências”. Entre elas, a existência de “manchas subpleurais de Paultauf”, visíveis apenas em casos de afogamento.

Embora o laudo original do IML cite a presença dessas manchas, o legista responsável não chegou a apresentar conclusão sobre o "achado".

"Não havendo histórico de afogamento, é de se atentar para a possibilidade de tortura utilizando o procedimento de “hidráulica”, quando se introduz água no sistema respiratório, provocando um simulacro de afogamento”, escreveu Vanrell no relatório.

 

Nas imagens cedidas, o perito identificou ainda uma lesão interna na traqueia do jovem, que reforçaria a hipótese de afogamento. “A introdução de água faz-se com auxílio de um tubo ou mangueira, esta poderia ter provocado a inexplicável lesão interna na traqueia.”

Confira outras falhas identificadas pelo professor de medicina legal:

 

  • As roupas do detento não foram retiradas sob a alegação que “estaria frio” contrariando recomendação do MP;
  • Faltaram os resultados dos exames do material biológico solicitados e encaminhados ao laboratório do Instituto de Criminalística;
  • A cena do crime foi modificada pelos peritos;
  • Ausência de câmeras de segurança na cela;
  • Não foi feita a autópsia psicológica.

  

Cinco casos apurados

 

Ao todo, o perito Jorge Paulete Vanrell analisou cinco ocorrências de mortes em cadeias da capital nos últimos cinco anos, levantadas pela Comissão de Direitos Humanos. Desse total, o especialista conseguiu traçar conclusões apenas nos casos citados acima.

Em outras duas situações, Vanrell assinalou algumas “incongruências”, mas não emitiu deduções porque, segundo ele, não foram disponibilizadas imagens coloridas e em boa resolução.

A quinta e última ocorrência foi classificada como “suicídio” pelo professor de medicina legal. Imagens das câmeras de segurança mostraram a ação do detento e embasaram o entendimento do perito.

 

Providências

 

A vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), afirmou que, apesar desses cinco casos terem sido arquivados, vai pedir ao Ministério Público que reabra as investigações.

“É muito grave o que o resultado dos laudos do doutor Vanrell traz à tona. Uma série de erros, seja por cumplicidade ou omissão, estão silenciando casos de mortes em delegacias sob o manto de um eventual suicídio das vítimas. Vamos levar o caso ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para sugerir uma investigação isenta e equilibrada.”