CDHM discute crimes de ódio, discriminação e intolerância na Internet
O debate foi aberto com a explanação de Bia Barbosa, do coletivo Intervozes, uma das principais referências das discussões acerca da comunicação no Brasil. Segundo ela, a discussão sobre o tema fica prejudicada em função do fato de os crimes de ódio não estarem definidos no ordenamento jurídico brasileiro. Bia avalia que há projetos que tramitam na Câmara que aparentemente até são bem-intencionados, mas podem criar entraves à liberdade de expressão. “Quais os critérios definidos para definir o que é um discurso de ódio? Restrições de conteúdo necessitam passar por uma ordem judicial. Se transferirmos o poder de remover os conteúdos aos provedores, correremos o risco de isso se voltar a um contexto seletivo, silenciando ainda mais as minorias sob o discurso de que estão praticando ódio”.
Daniela Luciana, integrante da Irmandade Pretas Candangas, lamenta que a política seja um elemento de perpetuação do ódio no cenário político. A irmandade, que luta pelos direitos das mulheres, com ênfase na mulher negra, considera que seria fundamental a aplicação de legislações anti-racistas em todos os âmbitos, citando as redes sociais e Internet como elementos de difamação e propagação de violência contra os negros.
Jovens e mulheres entre as mais vitimadas
Jovens e mulheres estão entre o público mais atingido pela violência e prática de ódio e discriminação na Internet. É o que afirma Juliana Cunha, da Safernet, organização não governamental, sem fins lucrativos, que reúne cientistas da computação, professores, pesquisadores e bacharéis em direito com a missão de defender e promover os direitos humanos na Internet.
“30% das denúncias que recebemos são de jovens, e 69% de mulheres, público-alvo preferencial dos assediadores virtuais, sobretudo com ameaças e exposição de imagens íntimas. Em 12 anos, recebemos quase 4 milhões de denúncias anônimas, então percebemos como é alto o número de vítimas”, conclui Juliana, que alerta para o fato de muitas vezes a violência virtual ser minimizada. “Violências online e off-line são iguais, ambas são igualmente perigosas e terríveis a quem sofre com tais atos”.
Natália Neris, pesquisadora do laboratório InternetLab e ativista anti-racista na Internet, lembra que em especial para as mulheres negras, historicamente subalternizadas, o direito é muito importante, para formulação de leis. Segundo ela, apenas com a Constituição de 1988 foram criados mecanismos de criminalização do racismo, classificando-o como inafiançável e imprescritível. No entanto, além da letra da lei, a pesquisadora ressalta que ainda com os marcos legais estabelecidos, muitos casos de racismo eram classificados em outras tipificações, descaracterizando crimes cometidos e permitindo a não responsabilização por falta de provas ou ausência de dolo. “Criar políticas que ofereçam contra-narrativas, que permitam que grupos que são vítimas tenham espaço para se manifestar, contar suas histórias, seus pontos de vista e desconstruir discursos de intolerância é essencial além da formulação de leis”, considera.
Iniciativas de governos e autoridades
O governo federal, por meio da ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos, realizou 350 mil atendimentos, sendo que 40,8% deles se referiram a violações de Direitos Humanos, informou a representante do ministério no debate, Sueli Francisca Vieira. “Temos quatro canais para recepção de denúncias, o Disque 100, a Ouvidoria Online, o Clique 100 e o Departamento de Ouvidoria”, disse Sueli, que celebrou a criação de um aplicativo, o Proteja Brasil, já disponível para smartphones, que permitirá o envio de denúncias a qualquer momento, bastando uma rede móvel ou de internet Wi-Fi.
Os Estados nacionais se comprometem a realizar mudanças e combater o racismo, mas muitas vezes suas aspirações acabam ficando apenas no papel, opina a procuradora regional do grupo de trabalho sobre crimes cibernéticos do Ministério Público Federal, Priscila Costa Shreiner Roder. “O Brasil, por exemplo, é signatário da Convenção Interamericana contra Racismo, Discriminação e formas correlatas de intolerância, se comprometendo a prevenir e eliminar, proibir e punir de acordo com normas constitucionais todos os atos e manifestações de racismo. Mas falta muito a ser feito. Temos que fortalecer iniciativas da sociedade civil, com foco não-punitivista e preventivo, o que envolve educação”, diz Priscila.
Reportagem: Leonardo Aragão (CDHM)