CDHM debate Terra Indígena Raposa Serra do Sol

Participantes reforçaram que demarcação do território foi fundamental para o desenvolvimento dos povos indígenas, elencaram ações sustentáveis desenvolvidas nas comunidades e se posicionaram contra projetos que buscam interferir na autonomia dos povos
19/08/2021 17h27

Captura e montagem: Fernando Bola/CDHM

CDHM debate Terra Indígena Raposa Serra do Sol

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias debateu nesta quarta-feira (18) em audiência pública a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Expositores falaram sobre os avanços e desafios enfrentados desde a demarcação do território, em 2005.

A Terra Indígena, localizada ao norte de Roraima, tem uma extensão de 1.747.464 hectares e uma população de cerca de 25.635 pessoas, dos povos indígenas Makuxi, Taurepang, Ingarikó, Patamona e Wapichana, distribuídos em 209 comunidades em todo o território.

A presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, deputada Joenia Wapichana (REDE/RR), primeira mulher indígena eleita para a Câmara dos Deputados, relembrou o processo de demarcação do território e apontou sua importância para os povos indígenas.

A parlamentar, que é advogada, foi responsável pela sustentação oral feita no Supremo Tribunal Federal em defesa da demarcação. Joenia lembrou que o processo de demarcação teve início em 1977, que em 1994 foi realizada uma primeira identificação do território, em 1998 o Ministério da Justiça fez uma primeira demarcação, e que somente em 2005 a Terra foi homologada.

A homologação foi questionada e em 2008, o relator Carlos Ayres Britto emitiu parecer favorável à demarcação integral e aos direitos originários. Em março de 2009, dez dos 11 Ministros confirmaram a demarcação contínua da Terra Indígena.

“O caso da Raposa Serra do Sol tem uma história muito significativa para o povo brasileiro. Ela fala da ditadura, mas também fala da Constituição de 88. E o Supremo Tribunal Federal estudou, se debruçou e confirmou a integralidade da demarcação das terras indígenas conforme o decreto presidencial de 2005”, declarou Wapichana. A parlamentar ainda relembrou que foram retiradas mais de 600 ocupações ilegais e a Terra foi reintegrada à comunidade, o que evitou danos ambientais como a pulverização de agrotóxicos por via aérea, trazendo tranquilidade para as comunidades.

Autonomia e Sustentabilidade

Ivo Cípio Aurelindo, do povo Macuxi, assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima, fez uma apresentação sobre as diversas atividades que são desenvolvidas no território de forma sustentável e respeitando o direito de escolha dos povos indígenas.

Ivo destacou que os projetos são desenvolvidos de forma coletiva e respeitam a autonomia e a sustentabilidade. Ele ainda destacou a diversidade das ações realizadas, que incluem a criação de bovinos com manejo sustentável, produção agrícola sem uso de agrotóxicos, criação de peixes, artesanato, saúde e medicina tradicional, educação escolar indigena e ensino profissionalizante.

Citou ainda a elaboração de plano de gestão territorial e ambiental da TI, projetos para produção de energia de energia eólica, criação de protocolos de consulta aos povos, estudos sobre mudanças climáticas, capacitação de agentes territoriais indígenas, formação de brigadas indígenas para atuar em incêndios e fazer o manejo do fogo no território, além do programa Operadores de Direito, que capacitou 155 lideranças indígenas para atuar em conflitos.

Ivo questionou narrativas que colocam os povos indígenas como empecilho para o desenvolvimento do país. “Esse tipo de discurso reforça a discriminação existente em relação aos povos indígenas e fere os pilares do Estado Democrático de Direito e a própria Constituição Federal”, disse.

“A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é um marco histórico dos povos indígenas no Brasil. Nós temos hoje povos indígenas organizados e que buscam fortalecer suas organizações sociais”, afirmou.

“A Terra Indigena Raposa Serra do Sol livre de invasões e ameaças é uma terra de liberdade e de um povo feliz”, finalizou Ivo.

Preocupação com projetos de lei

Amarildo da Silva Mota, do povo Macuxi, coordenador do Centro Willimon da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, defendeu que não é preciso pensar novas legislações para permitir atividades econômicas nas terras indígenas. “Não precisa criar ou aprovar lei para as comunidades indígenas trabalharem, porque já tem lei, é legalizado e os povos indígenas têm que trabalhar do jeito que eles entendem, de forma sustentável”.

“Não aceitamos nenhum tipo de projeto que venha acabar com o direito originário dos povos indígenas, nós sabemos sobreviver de acordo com a nossa cultura, não somos obrigados a viver como o Governo quer ou como algumas pessoas pensam. Nós temos que escolher como nós, povos indígenas, vamos estar convivendo dentro do território”

“Pessoas que falam mal das comunidades indígenas, que os indígenas são empecilho para o desenvolvimento do estado, que são atraso para Roraima, é porque não conhecem as comunidades indígenas”, afirmou Amarildo.

Legitimidade

Carla Jarraira de Almeida, do povo Macuxi, coordenadora local de jovens da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, falou que a demarcação foi importante também para garantir direitos às mulheres indígenas. “Hoje podemos dizer que temos voz, que a gente pode expressar o que a sente”. Ela também celebrou a ocupação de diferentes espaços por indígenas, como as universidades.

“Todas essas leis que vocês estão criando, que dizem que é progresso, se machuca o povo indígena, você está sendo egoísta, não está se colocando no lugar de quem mora na comunidade”, questionou.

“Deixem a gente escrever a nossa história, deixem a gente ser protagonista de uma trajetória que a gente está trilhando agora. Não queremos que a história de 1500 seja repetida, não queremos mais genocídio”, afirmou Jarraira.

Jarraira ainda falou sobre a importância da preservação dos territórios indígenas e as alterações climáticas. “No Brasil está nevando, como vocês explicam isso? É a natureza dando a resposta. Ela está dizendo não. Não destrua. A Amazônia é o pulmão, não é uma pessoa que vai sentir, somos todos nós”.

Sustentabilidade e desenvolvimento

Wapichana reforçou que é possível conciliar respeito aos direitos humanos dos povos indígenas e desenvolvimento. “As comunidades não estão proibidas de exercer nenhuma atividade econômica, não é preciso mudar a legislação para libertar os povos indígenas. A nossa Constituição já dá essa autonomia, reconhece a organização dos povos indígenas. Não precisa retirar direitos dos povos indígenas para reconhecer nenhuma atividade econômica. É possível conciliar a sustentabilidade com o desenvolvimento econômico. Desenvolvimento econômico sim, mas não de qualquer jeito”.

"Existem muitas fake news dizendo que os povos indígenas são presos aos direitos constitucionais, no caso é o contrário, a Constituição protege a coletividade e não o individualismo. Por isso é necessário criar políticas para reforçar e não retroceder. A terra garante uma finalidade social pros povos indígenas no sentido de possibilitar a sua existência, a sobrevivência física e cultural”, finalizou a parlamentar.

A audiência contou ainda com a participação de Edinho Batista de Souza, do povo Macuxi, do Conselho Indígena de Roraima, de Alcebias Constantino, do povo Sapará, coordenador estadual da juventude indigena de Roraima, e dos parlamentares Erika Kokay (PT/DF) e Helder Salomão (PT/ES).

 

Fábia Pessoa/ CDHM