CDHM debate presença de Mulheres na Política
O Observatório Parlamentar da RPU, sediado na CDHM, debateu, nesta sexta-feira (7), as recomendações de promover uma maior participação das mulheres na política e no governo (recomendação do Timor-Leste) e de implementar medidas efetivas de inclusão das mulheres em todos os níveis dos processos de tomada de decisão (recomendação da Bélgica).
A Revisão Periódica Universal é um mecanismo de avaliação da situação dos direitos humanos nos 193 países membros da ONU. Os países se avaliam mutuamente, e esse diálogo gera um conjunto de recomendações para cada país. O Brasil aceitou 242 recomendações neste terceiro ciclo da RPU.
“É uma alegria estarmos aqui fazendo esta discussão de um tema tão importante para a construção da democracia, da cidadania, para romper uma desumanização simbólica, que também dialoga com a desumanização literal, que nós vivenciamos quando há uma subalternização das mulheres e desigualdades de direitos ou uma não equidade de gênero”, declarou a deputada e 2ª vice-presidente da Comissão, Erika Kokay, ao iniciar a audiência pública.
Ana Carolina Querino, representante da ONU Mulheres Brasil, falou sobre a atuação da agência para reduzir as barreiras e aumentar a participação das mulheres na política, e lembrou que a política de reserva de cotas já existe há 25 anos. “Nós sabemos que os desafios que as mulheres enfrentam para participação efetiva na vida pública não se restringem ao período eleitoral. Começa antes, na forma como as mulheres estão engajadas e participam nos partidos políticos, na vida comunitária, nas disputas que elas enfrentam para se tornarem candidatas. Mesmo com a lei de cotas, apenas em 2018 chegamos perto de ter os 30% de candidatas, e isso depois de 25 anos da criação da lei”.
Para Cristiane Britto, Secretária Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério das Mulheres, Família e Direitos Humanos, houve avanços, ainda que tímidos, na inserção de mulheres em espaços políticos. “O nosso desafio era transformar as eleições de 2020 numa eleição de oportunidades para as mulheres. Lançamos o projeto Mais Mulheres no Poder. O projeto abarcou uma série de iniciativas com o objetivo de eliminar barreiras, que sabemos que afastam as mulheres da política. No sentido de contribuir para o melhor desempenho das campanhas das candidatas, oferecemos um curso gratuito na modalidade EAD. Realizamos oficinas semanais online com especialistas em diversas áreas que norteiam a campanha eleitoral”, apontou.
A Secretária registrou também a adequação da ouvidoria nacional, o disque 180, para acolher e encaminhar o registro de violência política contra a mulher e o lançamento de selo publicitário, em parceria com a ONU Mulheres, para divulgar o canal de denúncia e disseminar o conceito de violência política contra a mulher
A análise das recomendações se concentra no período do III ciclo da RPU, que começou em 2017 e se encerra em 2021. As recomendações foram agrupadas em arcos temáticos, e para cada um deles é produzido um relatório técnico preliminar com informações de monitoramento e avaliação do cumprimento. De acordo com a avaliação acerca dos indicadores, as recomendações serão consideradas “cumpridas”, “em progresso”, “não cumpridas” ou em “retrocesso”, quando as ações do Estado vão no sentido contrário ao das recomendações. Os status das recomendações podem ser modificados a partir da chegada de novas informações e contribuições.
A avaliação do relatório preliminar, até o momento, é de que as recomendações não foram cumpridas. Segundo o estudo ATENEA – Mecanismos para acelerar a participação política das mulheres na América Latina e no Caribe, implementado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pela ONU Mulheres, o Brasil estava em 2019 entre os países com os piores indicadores da América Latina no que diz respeito à igualdade de gênero na política. O país ocupava o 9º lugar entre os 11 países latino-americanos. O México ocupava o oi primeiro lugar
Em 2018, o Brasil ocupava o 157° lugar no ranking de Mulheres nos Parlamentos da Inter-Parliamentary Union, composto por 196 países, colocando o país em último lugar na América do Sul e penúltimo nas Américas, no que tange à representação parlamentar feminina. O ranking de outubro de 2020 mostra que o Brasil passou a ocupar o 143° lugar, mas continuou a ocupar o último lugar na América do Sul.
As eleições de 2018 e 2020 mostram uma diminuição de mulheres eleitas para alguns cargos e um aumento para outros. Nesse contexto, a Política de Cotas não tem sido suficiente para ampliar a participação das mulheres na política. “A violência contra as mulheres se dá em todos os campos. Não basta apenas as cotas, a gente quer ocupar as cadeiras”, afirmou em sua fala Juneia Batista, da Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT.
“A gente sempre pergunta: vamos continuar servindo apenas para preencher cota para homem branco ser político? Os eleitos são homens brancos, as mulheres servem de chacota quando entram para disputar a política. Onde está a política pública para orientar essas mulheres? Para instruir, para tirar essa visão que a sociedade tem de que política é espaço de homens e não de mulher?”, questionou Antonia Cariongo, da Coordenação Nacional de Articulação dos Quilombos.
Publicação do IPEA de 2019 mostra que fatores socioculturais ainda dificultam a entrada da mulher na política, e que partidos tendem a investir menos recursos nas candidaturas femininas. As mulheres detêm, em geral, menor capital político que os homens, e há tradicionalmente maior sucesso dos candidatos anteriormente eleitos, mais conhecidos pelo eleitorado.
Célia Xacriaba, da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil, falou sobre a importância da participação das mulheres indígenas no cenário político. “Nós temos feito uma luta efetiva não somente pela demarcação de nossos territórios. Nós também somos potência de demarcar o território da política. É urgente pensar esse lugar do poder das mulheres indígenas e dizer que antes do Brasil de partido, de direita, de esquerda, de centro, a gente era um Brasil de inteireza. Não existe amor à pátria sem respeito às originárias da terra, não existe democracia sem a presença efetiva das mulheres indígenas”.
O deputado e presidente da CDHM, Carlos Veras (PT/PE), adiantou que na próxima semana haverá reunião com o TSE e que as considerações da audiência serão transmitidas ao presidente Luís Roberto Barroso. “Houve um tímido aumento da participação das mulheres na política, mas é preciso avançar mais. A participação das mulheres negras tem provocado uma reação racista. Nós não podemos aceitar que o ambiente da política seja o ambiente do machismo, do racismo, da homofobia. Não podemos admitir nenhum tipo de preconceito. As demandas aqui apresentadas serão entregues ao presidente do TSE, o ministro Barroso”, afirmou o parlamentar.
Veras também defendeu uma participação efetiva da CDHM na comissão emergencial que vai analisar a reforma política. “Nós não podemos ter um processo de mudança do sistema eleitoral que desconsidere as ditas minorias. Nós precisamos de ums reforma eleitoral, que inclua a participação das mulheres, de negros, negras, dos indígenas, da comunidade LGBTQIA+, para que todos possam ter condições mínimas de participar da política, para que a participação das mulheres não seja transformada em um laranjal”.
Violência Política de Gênero
Eu fui a mulher mais bem votada do Brasil em 2020, e isso não é reflexo de políticas públicas ou de ações que permitam que as mulheres tenham maior participação na política. É reflexo da persistência, da insistência da ruptura de uma bolha excludente, cis, hétero, branca, masculina, classista”, afirmou a vereadora Erika Hilton.
“A nossa presença ainda não é bem vista, somos negras, travestis e pobres. Quanto mais demarcadores de opressão são colocados contra os nossos corpos, mais vulneráveis e mais violentadas nós nos tornamos ao ocupar um lugar na política”, complementou Erika, primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal da capital paulista.
Marcelle Decothe, do Instituto Marielle Franco, reforçou a necessidade de garantir a condição de permanência e de disputa das mulheres no cenário político e eleitoral. “O racismo e o machismo estrutural são desafios impostos há mais de 500 anos nesse país e requerem um esforço e compromisso maior do Estado brasileiro. E também dos órgãos que compõem o sistema político brasileiro, como o Congresso, o TSE, o Ministério Público Federal, responsável pela proteção da vida dessas mulheres”, disse.
Para Marcelle, o assassinato de Marielle Franco expõe as fragilidades da democracia brasileira. “O caso representa esse abismo de vulnerabilidades que mulheres negras defensoras de direitos humanos estão expostas no Brasil, quando estas decidem disputar um espaço de poder e quando estão exercendo o cargo para qual foram eleitas”.
Mulheridades
Para Carolina Iara, co-vereadora de São Paulo, há uma série de tentativas de excluir do mundo e dos espaços políticos recortes que precisam ser considerados, inclusive por meio de propostas legislativas. “Eu gostaria de chamar atenção para a interseccionalidade do meu corpo, dentro da política. Uma parte significativa da direita e da extrema direita tem feito em seus legislativos projetos de lei que excluem as mulheres trans e travestis dos projetos de proteção, como o da violência. A gente precisa de uma visão concreta da realidade das mulheres brasileiras, que interseccione classe, território, essa nuance do gênero, se ela é trans, se ela é LGBT, se é heterossexual, cristã, enfim, tudo isso deve ser verificado para que aumente a participação das mulheres na política. Senão, não vai ocorrer, o que vai ocorrer é os homens mais velhos e ricos vão continuar nas cadeiras, caçoando, fazendo meme com as parlamentares novas que chegam”, declarou a co-vereadora, que também lembrou que foi vítima de atentado violento.
“Nós ainda temos um longo caminho a ser percorrido. É importante preservar as conquistas, preservar os 30% do Fundo, da nominata, mas nós queremos assegurar um percentual de cadeiras. Quando as mulheres conseguem alçar um poder que foi pensado para ser dominado pelo gênero masculino, é como se quisessem nos silenciar. São posturas agressivas, como se estivessem dando um recado de que nós não deveríamos estar aqui. Mas nós estamos aqui e vamos permanecer aqui, e queremos que mais mulheres adentrem esse espaço para romper esse pacto de cartolas, de casacas e também de bengalas, que existe no parlamento”.
Atuação legislativa
Diversos projetos de lei foram apresentados pelo Poder Legislativo no período, mas ainda estão em tramitação.
Atuação do governo
O governo brasileiro realizou campanhas para o aumento da participação das mulheres nos espaços de poder, mas faltaram outras medidas, como a criação e investimento em programas de governo. Além disso, as mudanças institucionais da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres tiveram impacto negativo nos programas e espaços de participação já existentes.
Dados das Eleições
Nas Eleições de 2018, 9.204 mulheres concorreram a um cargo eletivo no Brasil e 290 foram eleitas. As candidaturas de mulheres em 2018 caíram em relação à eleição anterior, de 2014, com exceção dos governos estaduais, nos quais houve um aumento de 10,4% para 14,4%.
Houve uma diminuição no percentual de candidaturas de mulheres para a Presidência da República (de 27,3% para 15,4%), para o Senado (de 19% para 17,6%), para a Câmara Federal (de 31,8% para 31,7%) e para as Assembleias Legislativas dos estados e do Distrito Federal (de 31,4% para 31,3%). Em 2018, as mulheres eram 52% da população brasileira, 52,5% do eleitorado e quase metade das filiadas a partidos políticos.
As mulheres foram, em 2018, 12,9% dos senadores eleitos, representando uma queda na porcentagem quando comparada ao pleito anterior, de 2014, quando as senadoras correspondiam a 18,5%. Porém, houve crescimento de mulheres eleitas a deputadas federais e para assembleias legislativas. Em 2018, 15% dos deputados federais eram mulheres, enquanto a porcentagem em 2014 era de 9,9% do total. Em relação às mulheres eleitas para assembleias legislativas estaduais, a porcentagem foi de 15,3% em 2018, e na eleição anterior era de 11,4%.
Em 2018, somente uma governadora foi eleita (o mesmo número que na eleição anterior, de 2014). Dezenove partidos políticos não apresentaram nenhuma mulher como candidata a governadora: AVANTE, DC, DEM, PCB, PMN, PR, PSDB, PDT, PHS, NOVO, PRTB, PRP, PSC, PSD, PSB, PTB, PV, PATRI e SOLIDARIEDADE3.
Nas eleições de 2020, 66,4% de todas as candidaturas foram de homens e 33,6% foram de mulheres. Foram eleitas 651 prefeitas (12,1%). Para as câmaras municipais, foram 9.196 vereadoras eleitas (16%). Isso representa um pequeno aumento em relação às eleições de 2016, quando 636 (11,6%) mulheres foram eleitas prefeitas e por volta de 8 mil mulheres foram eleitas para mandatos nas Câmaras Municipais (13,5% do total).
De todas as mulheres eleitas em 2020, 66,5% são brancas, 32% negras, 1,1% amarelas e 0,15% indígena.
Das mais de 88 mil mulheres negras candidatas em 2020, 4,54% (4.026) foram eleitas. O Norte é a região com maior percentual de mulheres negras concorrendo a cargos, com 76%. Em seguida vem o Nordeste, com 68%. As mulheres negras representam 28% da população brasileira, segundo dados da PNAD de 2019.
Das 706 mulheres indígenas que se candidataram em 2020, 31 foram eleitas.
Os homens brancos representaram 47,15% das candidaturas nas eleições de 2020. Esse grupo representa 59,6% dos eleitos para prefeituras e 44,1% para cargos de vereador. Homens, brancos, com idade acima de 40 anos, são a maioria em eleitos para todos os cargos.
Presença de travestis e transexuais
A Associação Nacional de Transexuais e Travestis (ANTRA) mapeou 294 candidaturas pelo Brasil. Destas, 263 candidaturas foram de travestis e mulheres trans, 19 homens trans e 12 pessoas com outras identidades trans. Esse número representa um salto de 226% em relação às eleições de 2016, quando houve 89 candidaturas e 8 pessoas eleitas. Nas eleições de 2020, 30 pessoas trans foram eleitas,
Violência contra candidaturas de mulheres negras
A pesquisa “A Violência Política Contra as Mulheres Negras” entrevistou mulheres negras que foram candidatas e mostrou que, entre as participantes, 42% relataram ter sofrido algum tipo de violência. Entre elas, 13,3% receberam ameaças de morte durante o período de pré-campanha ou campanha eleitoral.
Presença no Poder Executivo
O relatório aponta que houve uma sub-representação histórica das mulheres nos ministérios no período de análise (2019). As ministras eram 9,1%, e a porcentagem de secretárias-executivas dos ministérios era de 14,3%. Em 2018, não havia nenhuma ministra entre as 27 pastas. Desde junho de 2020, o governo tem 23 pastas ministeriais, com duas ministras e 21 ministros.
Presença no Judiciário
Em 2018, o Poder Judiciário brasileiro era composto em sua maioria por magistrados do sexo masculino, com apenas 38,8% de magistradas em atividade. O percentual de magistradas nos cargos de Desembargadoras, Corregedoras, Vice-Presidentes e Presidentes permanecem no patamar de 25% a 30%. Em relação aos Juízes Substitutos(as), o número de mulheres era de 45,7%. No caso das convocações de juízas para atuar nos tribunais, a porcentagem era de 31,1%. De todos os cargos de ministra(o) dos tribunais superiores, 19,6% eram mulheres em 2018.
Presença no Legislativo
Segundo o último Relatório Anual Socioeconômico da Mulher de 2018, 24% dos cargos de presidente das comissões temáticas na Câmara dos Deputados e 21,4% no Senado eram ocupados por mulheres. Além disso, 10% das 17 cadeiras na Mesa da Câmara eram de mulheres. Na Mesa do Senado, não havia a presença de nenhuma mulher.
Em relação à liderança dos partidos, em 2018, 10,5% dos cargos de liderança dos partidos no Senado eram ocupados por mulheres, enquanto na Câmara dos Deputados nenhuma mulher ocupava tal posição.
Em julho de 2019, havia apenas uma deputada como titular na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, como Primeira-Secretária, enquanto na Mesa do Senado não havia nenhuma. A primeira eleição de uma mulher para a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ocorreu na 54ª legislatura (1ª e 2ª sessões legislativas, 2011-2013) e desde então sempre houve apenas uma deputada nessa posição.
Investimento do Executivo
Em maio de 2019, o governo brasileiro submeteu à ONU relatório sobre o status da implementação dos objetivos da Plataforma de Beijing no país. No relatório, o governo brasileiro afirmou que a proporção do orçamento nacional investida na promoção da igualdade entre homens e mulheres e no empoderamento das mulheres é inferior a 1%.
Iniciativa privada
Segundo dados do Relatório Anual Socioeconômico da Mulher - Raseam de 2018, os homens também ocupam as posições mais altas na iniciativa privada. Dos cargos de chefia e direção nas empresas, 40,7% foram ocupados por mulheres em 2017. Segundo o Global Gender Gap Report 2020 do World Economic Forum, em conselhos de administração de empresas no Brasil as mulheres representam 8,4%, quando a média nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 22,3%.
O Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, criado em 2005, coordenado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres em parceria com a ONU Mulheres e a Organização Internacional do Trabalho, oferece um selo a organizações de médio e grande porte, públicas e privadas, que desenvolvem ações efetivas de promoção de equidade nesse sentido.
Ações do Poder Judiciário
Em 2018, o Plenário do TSE confirmou a reserva de pelo menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para financiar candidaturas femininas e que o mesmo percentual deveria ser considerado para propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV.
Em setembro de 2020, o TSE definiu que candidaturas negras teriam direito à distribuição proporcional e em um patamar mínimo do fundo eleitoral para financiamento de campanha e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, a partir das eleições de 2022. Definiu também que os recursos legais destinados às mulheres serão divididos entre brancas e negras. Em outubro de 2020, lançou o Guia de Segurança do Instagram para Mulheres na Política, com o objetivo de fornecer orientações a candidatas e governantes para se proteger de comportamentos de ódio e preconceito nas mídias sociais, e a campanha “Mais mulheres na política: a gente pode, o Brasil precisa”, veiculada nas rádios e televisões do país.
Fábia Pessoa/CDHM