CDHM debate conflitos agrários e proteção aos defensores de direitos humanos do Pará
Organizações da sociedade civil vêm denunciando atos violentos e ameaças de morte que seriam perpetrados por grileiros, madeireiros e garimpeiros contra assentados, posseiros e trabalhadores rurais sem-terra. Além disso, defensores de direitos humanos da região se encontrariam desassistidos pelo poder público.
Desafio para o governo federal e os estados
Mariana Neris, Secretária Nacional de Proteção Global do MMFDH, lembrou que os estados têm autonomia para desenvolver programas próprios e que atualmente 54 defensores de direitos humanos estão incluídos no Programa Estadual do Pará, e 17 casos estão em análise.
“Dos defensores incluídos, cerca de 80% estão ligados à militância de defesa de territórios”, apontou Neris, reforçando que estão envolvidos no combate ao desmatamento, contra o uso abusivo de agrotóxicos, fiscalização ambiental, contra garimpos ilegais e exploração ilegal de madeira, pesca ilegal e uso indevido do solo e demais atividades que afetem a vida de lideranças e de suas comunidades.
Neris afirmou que o Ministério vem atuando junto a diferentes órgãos para capacitar os diferentes atores para operar na proteção aos defensores. Para ela, o grande desafio é que os programas de proteção integrem uma política pública específica, o que demanda do Estado uma certa estrutura e celeridade.
Foco na formação dos agentes de segurança
Padre José Boing, da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), que atua há 30 anos na região, reforçou as dificuldades vivenciadas pelos defensores. “Temos uma angústia muito grande: os defensores querem fazer a sua denúncia na delegacia e muitas vezes o delegado não quer atender. Isso é uma exigência do programa de proteção, mas lá na ponta o defensor não se sente seguro de fazer sua denúncia”.
"Muitos dos nossos soldados, sejam da Polícia Civil ou Militar, não aceitam muitas vezes aquela luta do defensor, como se eles estivessem cometendo um crime. Isso é muito grave”, apontou.
Boing sugeriu a formação dos agentes de segurança como forma de contribuir para uma mudança de cultura na região. “Precisamos preparar os delegados e aqueles que vão fazer a escolta dos defensores, e que a segurança pública realmente possa intimidar lá na ponta as pessoas que têm poder econômico e que muitas vezes estão ameaçando os trabalhadores”.
“A exemplo do que já acontece aos juízes, promotores e defensores públicos, [é preciso] que exista uma qualificação tanto para policiais civis quanto para os delegados que atuam na área agrária, incluindo disciplinas do direito agrário nos cursos de formação da academia de polícia”, defendeu também Lílian Viana Freire, Promotora de Justiça Agrária da Região de Marabá.
Gravidade do cenário
“Só na região de Altamira, a Defensoria Pública apurou que entre os anos de 2015 e 2019, 19 trabalhadores e trabalhadoras rurais e lideranças foram assassinados nestes conflitos agrários e até a presente data não foi apurada a autoria delitiva, e as famílias sequer conseguem ter acesso a esses processos criminais”, apontou Bia Albuquerque Tiradentes, Defensora Pública Agrária de Altamira”, sobre a gravidade do cenário.
A defensora também apontou a morosidade na titulação de áreas quilombolas pelo ITERPA e citou, inclusive, um caso concreto na região de Porto Moz que desrespeita ordem judicial pela não titulação do território, além da realização pela Polícia Militar de despejos forçados sem decisão judicial, como ocorreu no assentamento Vila Camutá, em São Caetano de Odivelas. Além disso, famílias de trabalhadores rurais teriam sido ameaçadas, com casas e plantações queimadas.
Dificuldades vivenciadas pelas forças de segurança
Ivan Pinto da Silva, Delegado de Polícia Civil Especializada em Conflitos Agrários em Altamira, apontou que muitas vezes os profissionais não possuem formação sobre o direito agrário e comentou sobre uma cultura na Polícia Civil de as delegacias comuns preferirem encaminhar para as especializadas, e que estas muitas vezes estão sobrecarregadas por atender muitos municípios distantes centenas de quilômetros.
“Não é falso dizer que o delegado que assume a cadeira da DECA muitas vezes sequer tem conhecimento da matéria que ele vai lidar, na academia não é ministrado o direito agrário”, reconheceu.
"Não pode ser um delegado encastelado, tem que ser um delegado chão de fábrica, tem que ir até o local. É desgastante fisicamente, psicologicamente, você vai lidar com repressão a crimes ambientais, repressão a direitos concessórios e ali você tem que decidir pela vida”, disse.
Atuação fundamental para a sociedade
A gente precisa ampliar mais esse debate sobre a importância da atuação dos defensores de direitos humanos no estado do Pará e no Brasil. A sociedade brasileira precisa reconhecer a importância da atuação desses defensores que muitas vezes são criminalizados pelo Estado e também pela sociedade em decorrência da sua atuação”, argumentou Andréia Silvério, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Em busca de soluções
Como resultado da audiência foram sugeridos alguns encaminhamentos, entre eles a criação de uma comissão estadual de combate à violência no campo para atuar na mediação dos conflitos agrários no estado do Pará, nos moldes do que era executado pela extinta Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo; estimular que as varas agrárias retornem ao seu papel de composição, diálogo e discussão com os atores envolvidos nos conflitos agrários e maior diálogo da Comissão de Combate à Grilagem do TJ com os juízes de processos que envolvem essas áreas.
Ao Governo Federal e estadual a sugestão dada é para que sejam garantidos aos órgãos de política agrária recursos humanos (servidores) e orçamento suficientes para atender às suas finalidades institucionais.
À Secretaria de Segurança do Pará foi apontada a sugestão de retirar das DECAS (Delegacias de Polícia Civil Agrárias) as atribuições para apurações de crimes ambientais, criando delegacias especializadas nessa área ambiental; a qualificação dos agentes policiais e delegados que atuam na área agrária, com inclusão de disciplinas sobre direitos humanos e conflitos agrários na formação acadêmica; e agilidade na tramitação do inquérito que apura a morte de Paulo Fernando, testemunha da chacina de Pau D’Arco, ocorrida em janeiro de 2021.
À Procuradoria-Geral de Justiça do Pará demandar informações e agilidade nas apurações das mortes de 19 trabalhadores rurais, ocorridas entre os anos de 2015 e 2019 e da conduta da Polícia Militar nas ações de despejo forçado sem qualquer decisão judicial, como ocorreu no assentamento Vila Camutá, em São Caetano de Odivelas.
Ao Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos a sugestão é para a elaboração de cartilha ou manual impresso e virtual sobre os programas de proteção e disseminação de informações sobre acesso entre os envolvidos nos conflitos.
Ainda foi sugerido que o Legislativo pense a alteração do crime de ameaça, por não atender à situação de vulnerabilidade dos defensores de direitos humanos.
Fábia Pessoa/CDHM