CDHM avalia impactos da mineração e propõe ações para redução de danos
Gustavo Gazzirelli
Moradores da cidade mineira de Conceição do Mato Dentro em audiência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
A audiência concentrou-se na avaliação dos problemas surgidos com a instalação, pela empresa Anglo American, da mina e do mineroduto que transportará minério de ferro do município para o porto de Açu, no norte do Estado do Rio de Janeiro. Parte dos escassos recursos hídricos da região será usada para conduzir o minério e, do que restou dos córregos próximos à mina e ponto de partida do mineroduto, parte importante foi assoreada e degradada, segundo informaram moradores, representantes da comunidade, do município e pelo representante do Ministério Público na Comarca.
Trabalho escravo é um dos problemas
Uma ampla auditoria foi feita em novembro de 2013 por uma equipe do Ministério do Trabalho e do Emprego, atendendo à solicitação da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O coordenador da equipe de auditores fiscais do trabalho, Marcelo Campos, depois de entregar cópia do relatório da auditoria à CDHM, relatou que foi verificado trabalho em condições análogas à escravidão. Na ocasião foram liberadas 172 vítimas, sendo 100 haitianos e 70 originários da região Nordeste do país. Eles estavam em alojamentos precários, com alimentação imprópria, jornadas excessivas e casos de terceirização ilícita. “Não havia dúvidas de que estava caracterizado trabalho degradante, que tinha sido retirada a dignidade do trabalho dessas pessoas”, informou o coordenador dos auditores fiscais. A equipe analisou documentos de 23 empresas terceirizadas e foram expedidos mais de 800 autos de infração, sendo mais de 100 à própria Anglo American. No caso dos haitianos, ficou caracterizada, ainda, a associação com o tráfico internacional de pessoas.
Segundo Marcelo Campos, já há entendimento de instância superior de que todos os casos de verificação de trabalho escravo com terceirizadas são de responsabilidade da matriz que tiver terceirizado os serviços. O relatório da auditoria foi encaminhado ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais e ao Ministério Público Federal, que ainda não se pronunciaram. Uma das consequências dos ilícitos encontrados pela auditoria do MTE será a inclusão das empresas citadas no cadastro conhecido como “lista suja do trabalho escravo”, o que veda essas empresas de obterem crédito oficial.
Modelo empresarial não previne impactos
O promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, Marcelo Matta Machado, criticou o modelo adotado por esse e outros megaprojetos econômicos. “Os moradores das comunidades atingidas não são consultados nem beneficiados. Os impactos são enormes, nada é feito para prevenir ou remediar os impactos. Em Conceição do Mato Dentro, foram 11 homicídios em 2014. É generalizado o medo da violência, aumentou a violência doméstica contra a mulher e a gravidez na adolescência, entre outros problemas sociais.” Matta Machado alertou para projetos semelhantes que, segundo ele, “seguem a mesma cartilha”, como o da mineradora Manabi, distante cerca de 30 km da área do projeto da Anglo American.
O representante do Ministério Público sublinhou a importância dos direitos humanos para a sociedade, mesmo quando não são por ela compreendidos. “Falam dos direitos humanos, mas é graças a eles que podemos ir e vir, é graças aos direitos humanos que temos a garantia da nossa dignidade, que temos a liberdade e podemos lutar por ela.”
Representante do Movimento Reaja, a ativista Patrícia Generoso disse que “a invisibilidade, a manipulação e a exploração vieram junto com o mineroduto, causando a neoescravidão do trabalhador, da comunidade, do cidadão, retirando direitos, causando violações de direitos humanos”. Ela citou, entre as consequências do aumento não planejado da população no município, o aumento insuportável do aluguel, a transformação de muitas casas familiares em alojamentos.
Denise Pereira, professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, abordou as distorções da relação entre a empresa, a sociedade e o meio ambiente. Segundo os estudos realizados por ela, se por um lado parte da população foi beneficiada pela circulação de recursos advindos da implantação do projeto, outra parte foi prejudicada. Alguns proprietários de terras atingidas receberam indenização, outros não. Dos segmentos prejudicados, a pesquisadora apontou primeiramente os trabalhadores rurais atingidos. “Embora continuem em suas terras, foram expulsos da condição de trabalhador, pois perderam meios de produção, os rios estão assoreados, pomares enlameados, a água foi poluída. Ou seja, esses trabalhadores foram destituídos da condição de reproduzir sua própria vida”.
Nas residências – prossegue a acadêmica da PUC – convive-se com “água contaminada, fossas mal construídas exalando mau cheiro, causando proliferação de pernilongos e contaminação”. As comunidades atingidas reclamam que já não podem andar livremente, pois os numerosos caminhões dirigidos por motoristas em jornadas de trabalho excessivas representam perigo de atropelamentos, frequentes na região. A pesquisadora apontou a degradação das condições de trabalho no empreendimento, com “o confinamento nos alojamentos, a comida insuportável, a falta de condição de visitar parentes.” Diante da situação, afirmou a professora Denise Pereira, há um sentimento que imobiliza a sociedade local, “os problemas são naturalizados, muitas pessoas estão se acostumando com a destituição do direito de escolha”.
O representante do Movimento pelas Serras e Águas de Minas, Gustavo Tostes Gazzinelli, chamou a atenção para o novo empreendimento que chegará à região. O ativista ambiental denunciou a “cultura de violência empresarial das empresas da mineração”, alertando que, no caso do projeto da MMX e a sucessora Anglo American, ocorreu acompanhamento, monitoramento, assédio e ameaças veladas a participantes de reuniões para avaliar o projeto com a comunidade. Ele defendeu um debate sobre medidas preventivas para os novos licenciamentos de projetos de mineração, e que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias recomende participação ativa do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente para que tais situações não mais ocorram. Foi também cobrado do Ministério Público Estadual a revelação dos agentes e casos ilícitos que vêm sendo investigados desde 2013, especialmente no âmbito do Sistema Estadual de Meio Ambiente e das mineradoras que atuam na região.
Representantes da comunidade relatam prejuízos
Convidados pela CDHM, agricultores atingidos pelas atividades do mineroduto registraram seus testemunhos. O Sr. Zé Pepino contou que ele e outros vizinhos foram afetados pela contaminação das fontes de água que tradicionalmente os abasteciam. “O Córrego da Ferrugem virou uma imundície e a represa onde os animais bebiam água e era lugar de pesca e lazer da comunidade virou depósito de lixo, a água está secando, a lama de minério já matou vacas, porcos e galinhas. Agora tenho de buscar água a 1,5 km de distância. Muito aplaudido pela audiência, o Sr. Zé Pepino afirmou que o mineroduto é uma desgraça que veio para Conceição do Mato Dentro.
Dona Rita, por sua vez, queixou-se de que sua família não consegue circular nas terras que lhe pertencem e que funcionários da empresa já foram vistos jogando dejetos perto da nascente do rio que abastece a área.
O agricultor Lúcio Pimenta alertou que a água que já está faltando na zona rural em breve vai faltar na cidade, porque o projeto de mineração está localizado acima da captação da água. Pimenta também denunciou que a Anglo American aciona a Polícia Militar para pressionar agricultores, sem mandados judiciais. O agricultor pediu respeito à lei.
Antes do término da audiência, foram entregues ao vice-presidente da CDHM: um abaixo assinado de moradores da zona rural de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, um manifesto com denúncias sobre o projeto Minas-Rio e um estudo realizado pelo projeto Cidade e Alteridade, sediado na Faculdade de Direito da UFMG.
Encaminhamentos
Com base nos depoimentos e sugestões levantadas, o Deputado Nilmário Miranda apresentou as seguintes providências a serem tomadas pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
1 – Oficiar ao Ministério Público solicitando seja agilizado o encaminhamento da ação requerida pela equipe de auditoria do Ministério do Trabalho e Emprego para a responsabilização da Anglo American e empresas terceirizadas pelas ilicitudes encontradas;
2 – Articular reunião com presidente da Comissão Especial de Águas da Assembleia Legislativa, Deputado Almir Paraca, e o Ibama com representantes da comunidade e autoridades envolvidas para formular denúncias e solicitar atuação desses órgãos com relação à gestão dos recursos hídricos;
3 – Agendar reunião com o secretário estadual de Defesa Social de Minas Gerais com representantes da comunidade, vereadores e outras autoridades envolvidas para solicitar avaliação e redimensionamento dos serviços de segurança pública em Conceição do Mato Dentro, tendo em vista o aumento preocupante dos casos de violência no município e a redução do efetivo policial no município;
4 – Contatar organizações de direitos humanos sediadas nos países de onde é originária a Anglo American e convidá-las a fazer visita técnica para conhecer os impactos socioambientais da operação da empresa em Conceição de Mato Dentro;
5 – Levar ao conhecimento da CDHM a proposta do promotor de Justiça Marcelo Matta Machado no sentido de se criar, no âmbito da comissão, uma subcomissão para analisar os impactos sobre os direitos humanos dos grandes empreendimentos econômicos. No mesmo sentido, dar conhecimento do relatório da audiência ao Grupo de Trabalho sobre Catástrofes, Megaeventos e Empreendimentos do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
6 – O Ministério do Trabalho e Emprego será solicitado a alertar os responsáveis pelos próximos empreendimentos na região a prevenir irregularidades nas relações de trabalho.
7 – O Deputado Nilmário Miranda convidou para audiência pública a ser realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, conjunta com a Comissão de Legislação Participativa, da Câmara dos Deputados, no dia 2 de setembro, em Brasília, sobre os impactos da mineração em Minas Gerais. Na ocasião será lançado relatório de pesquisa realizada no âmbito do estado de Minas Gerais pela Fundacentro (MTE), sob coordenação do cientista social Celso Amorim Salim.